Num comentário feito numa das mais populares redes sociais alguém, de forma clara e sintética, expressava a sua opinião sobre as touradas picadas da seguinte forma: “Se isto é cultura então o canibalismo é gastronomia.”
Mas porquê agora uma discussão, nos Açores, sobre touradas picadas que é como quem diz a “sorte de varas”. Estamos a meados da segunda década do século XXI, o que é que se passa. Então não foi afastada, na ALRAA em 2009, essa possibilidade de retrocesso civilizacional nos Açores com a derrota de uma proposta, subscrita e apoiada por alguns deputados provenientes das bancadas do PS, PSD, CDS/PP e PPM, que tinha como pretensão a legalização desta barbárie nos Açores. Sim foi, mas ei-los que voltam à carga, desta vez sem ruído mediático, desta vez com mesma cobardia com que o matador ou toureiro, como preferirem, pede ao “picador” que insista na tortura do animal, tortura que mais não visa que romper os tecidos musculares que impedirão o touro de investir naturalmente, tortura que visa o seu sangramento diminuindo-lhe as suas capacidades e, sobretudo, a sua energia. Cobardia política de assumir no espaço público regional essa cedência a interesses que nada têm a ver com a cultura das ilhas Terceira, S. Jorge e Graciosa, ilhas onde a festa brava tem, de facto, uma tradição cultural fortemente enraizada, a tourada à corda, esta sim é a verdadeira tradição, esta sim a apropriação popular da chamada festa brava.
Mas por mera hipótese ainda que fosse uma tradição. Sim, ainda que fosse uma prática enraizada nos costumes populares seria, porventura, defensável a sua manutenção, Não. Não, assim como não é aceitável a excisão, assim como não é aceitável a lapidação, assim como não é aceitável a pena de morte, assim como não é aceitável qualquer outro ato de desumanidade que seja infligido às pessoas e aos animais.
Quem acompanha, ainda que sem grande proximidade, o que sobre o chamado mundo taurino vai acontecendo por esse planeta fora, dá conta que os movimentos abolicionistas têm vindo a conquistar importantes batalhas, quer em Espanha, quer ainda na América Latina, vitórias que se traduzem na proibição dos espetáculos taurinos, também no território português se verificam alguns avanços e são instituídas aqui e ali proibições, tudo em nome da civilização, tudo em nome do bem-estar animal, tudo afinal em nome da humanidade e de um longo e difícil percurso de evolução social.
O grupo de deputados da ALRAA que vier, de novo, a assumir esta proposta estará a contribuir para um retrocesso civilizacional sem precedentes na história dos Açores. Não tenho, de momento, dados que me permitam contabilizar os deputados que apoiam e possam vir a votar favoravelmente a legalização da sorte de varas na Região mas, se a intenção foi manifestada pelos “passos perdidos” do parlamento regional, então é porque o seu número é perigosamente elevado, assim sendo só uma alargada, forte e unida opinião pública será capaz de travar esta pretensão. Os deputados e deputadas que estão contra a legalização da sorte de varas tudo farão, em conjunto com os cidadãos e no cumprimento do mandato que lhes foi conferido pelo Povo Açoriano, para que esta ilegitimidade não seja cometida. Ilegitimidade porque a legalização da sorte de varas não consta do programa eleitoral de nenhum partido com assento parlamentar e, como tal, não está sufragada pelos eleitores.
Angra do Heroísmo, 01 de Fevereiro de 2015
Aníbal C. Pires, In Jornal Diário e Azores Digital, 02 de de Fevereiro de 2015
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