foto by Aníbal C. Pires |
As minhas preocupações ficaram-se por isso mesmo, preocupações que não encontraram eco nos decisores políticos e, quanto à população açoriana, poucos se importaram com alguns alertas que fui fazendo, ainda assim continuo a valorizar tudo o que disse e fiz na defesa do Grupo SATA e de um modelo de transportes (integrado) para a Região. Mas, como tudo na vida, o tempo apaga, e, eu cansei-me. Desde julho de 2019, nunca mais escrevi uma palavra sobre transportes, sobre a SATA, as infraestruturas aeroportuárias e do necessário modelo integrado de transportes.
Hoje vou quebrar o jejum.
foto by Aníbal C. Pires |
Não tenho, ao contrário da maioria dos meus concidadãos, grande apreço pelos principais títulos da imprensa nacional, sendo que, no que concerne ao “Expresso” a minha apreciação, utilizando a linguagem das “agências de rating”, está ao nível do lixo, neste caso, informativo.
Esta minha avaliação da qualidade de informação sustenta-se num conjunto de dados sobre a veracidade e imparcialidade da informação publicada. Deixo apenas um exemplo recente e que na Região, e não só, levantou um enorme coro de protestos. Sim refiro-me à notícia que manchou a memória do poeta florentino Pedro da Silveira. O “Expresso” nem na assunção do seu erro foi correto com os seus leitores, nem com a memória do falecido poeta.
Apesar da minha opinião sobre a qualidade de informação veiculada pelo “Expresso” tenho consciência que este e outros títulos nacionais fazem a opinião dominante, daí estar a dar-lhe importância.
A notícia a que me refiro (fim das ligações aéreas de Lisboa para o Faial, Pico e Santa Maria) é especulativa porque se fundamenta em rumores e suposições e, por outro lado, mistura conceitos e não discrimina que custos o financiamento público suporta. Mas a notícia foi publicada e motivou, óbvias reações, desde logo um desmentido, algo atabalhoado, do ministro da tutela, mas também a reação a quente das Comissões Políticas do PSD das ilhas do Faial, Pico e Santa Maria esquecendo as responsabilidades do PSD neste processo, e, naturalmente, no dia seguinte o assunto fez as manchetes de alguns dos títulos da imprensa regional.
Tudo tem uma história, ou seja, não se chegou aqui por acaso e talvez seja apropriado recordar alguns aspetos que determinaram a situação que sendo, para já, especulativa, deixa preocupados todos os açorianos que têm uma visão global da Região, claro que os liberais e outros que tais terão ficado satisfeitos com a notícia do “Expresso”.
foto by Aníbal C. Pires |
Quando em 2015 entrou em vigor o modelo de transporte aéreo para os Açores, a ANA já estava privatizada e a TAP estava a caminho de o ser, aliás o contrato de privatização da TAP foi concretizado dois dias depois de o programa do Governo de Passos Coelho ter sido chumbado na Assembleia da República. O contrato que transferiu para o consórcio Atlantic Gateway 61% do capital da companhia aérea foi assinado à porta fechada, dia 12 de novembro de 2015, nas instalações da Parpública.
Parece ser de somenos importância, para o assunto em questão, a referência à privatização da ANA e da TAP, mas como adiante se verá este aspeto tem uma importância substantiva no processo.
Foi, também, sob a égide do governo de Passos Coelho e Paulo Portas (PSD-CDS/PP) que se negociou, se acordou e teve o seu início o atual modelo de transporte aéreo para os Açores cujos principais aspetos são os seguintes:
- criação de uma tarifa de residente (134,00€);
- liberalização das rotas para S. Miguel e Terceira, ou seja, estas duas rotas deixaram de ter Obrigações de Serviço Público (OSP) e para as quais, por imposição das companhias “low cost”, não foi estabelecido um teto máximo para as tarifas, com os efeitos de todos conhecidos. Ou seja, o residente pode pagar mais 1, 2, 3, 4, 5, … acima do valor da tarifa sendo depois ressarcido, através dos CTT (grande negócio), do valor acima dos 134,00€.
- manutenção das OSP para as gateways do Faial, Pico e Santa Maria, não tendo sido atribuído à transportadora que realizasse o serviço público qualquer compensação pelo conhecido défice de exploração daquelas rotas.
Este modelo não era o que o Governo Regional dos Açores pretendia, mas acabou por aceitá-lo sem grande oposição, aliás não faltava no governo e no partido que lhe dava suporte parlamentar quem aplaudisse a solução encontrada. Importa ainda recordar que o ministro que tutelava era António Pires de Lima, do CDS/PP, e o Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações era Sérgio Silva Monteiro, o grande obreiro da privatização dos CTT e da TAP. Isto é, cabe ao PSD e ao CDS/PP a responsabilidade pelo que está a acontecer, ou seja, o aumento exponencial dos custos, conhecidos e não conhecidos, que o Estado suporta com o pagamento do Subsídio Social de Mobilidade (SSM), com o contrato com os CTT para assegurar a operação financeira de pagamento do SSM e com os apoios indiretos à operação das “low cost”, no presente apenas a Ryanair.
Deste modelo de transporte aéreo, em vigor desde 2015, importa referir o seguinte:
- os residentes beneficiam da tarifa de 134,00€ que, sendo positivo, ainda assim é valor elevado para a maioria dos açorianos.
- pelo fato de não se ter estabelecido um teto máximo o valor desembolsado “à cabeça” pode ultrapassar as várias centenas de euros. Um constrangimento para quem tem de se deslocar por motivos urgentes e imprevistos e que penaliza os açorianos com rendimentos mais baixos.
- o abandono, sem aviso prévio, das rotas Faial, Pico e Santa Maria pela TAP. A TAP estava em pleno processo de privatização e o atual modelo, ao contrário do anterior, não previa qualquer indeminização compensatória para as rotas com OSP (Faial, Pico e Santa Maria).
- a Azores Airlines (SATA Internacional) assumiu as rotas açorianas com OSP (Faial, Pico e Santa Maria). Esta assunção das rotas não aconteceu por interesse comercial, mas por indicação do Governo Regional. Se assim não tivesse acontecido as ligações do Faial, Pico e Santa Maria a Lisboa, tinham acabado em 2015. O resultado foi o aumento do passivo da SATA por não ser ressarcida pelo serviço público.
foto by Aníbal C. Pires |
A privatização da TAP e o governo de Passos Coelho/Paulo Portas são os grandes responsáveis, desde logo pelo abandono das rotas com OSP, mas também pelo aumento exponencial do financiamento público que este modelo de transportes aéreos para a Região acarretou. Ao contrário do que foi dito na altura o mercado concorrencial, rotas de S. Miguel e Terceira, não contribuiu para a diminuição dos custos. O Estado paga mais do dobro, bem mais, do que pagava em até 2015.
Quanto à TAP julgo que ao longo do texto ficou claro a alusão que fiz, logo no início deste escrito, pelos efeitos negativos que a sua privatização produziu na Região. Em relação à ANA importa lembrar o abandono a que a VINCI tem votado o aeroporto de Santa Maria, mas também, e quem o afirmar o contrário só pode estar delirante, qualquer hipótese de ampliação da pista do aeroporto da Horta se, para tal, não existir financiamento público. As privatizações da ANA e da TAP, como de outras empresas estratégicas, prejudicaram e continuam a prejudicar os portugueses. É o liberalismo sem liberais, agora com as mãos livres o PS dará continuidade, mesmo sem liberais, às políticas liberais continuando a destruir os serviços públicos, como sejam, de entre outros, a saúde e a educação.
Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 01 de fevereiro de 2022
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