foto by Madalena Pires |
Não me sinto – ainda - um velhinho, mas estou a envelhecer e considero que isso é bom. Nem todos chegamos a envelhecer, mas quem tem esse privilégio deve aceitá-lo com a consciência de que com o prolongar da vida chegam algumas limitações de ordem fisiológica. Faz parte do processo, não vale a pena ignorá-lo, mas também não deve assumir a centralidade das nossas inquietações, sob pena de se tornar mais doloroso do que as dores nas costas e articulações que, mais tarde ou mais cedo, nos tentam a calçar os chinelos e a acomodarmo-nos no sofá.
Não pretendo, longe disso, deixar receitas nem conselhos, sobre o que fazer e como fazer para envelhecer sem que isso se torne num pesadelo. Mas, aceitar as limitações, potenciar as faculdades que ainda dispomos e usufruir do tempo que agora é, apenas, nosso, será uma boa opção para continuar a percorrer a vida, apesar de naturais receios e inseguranças, sem nunca deixar de sonhar. O medo e a insegurança podem privar-nos de sonhar, mas sem sonhos não há caminho para andar. Sem sonhos deixamos que o tempo passe e se transforme, apenas, em espera. E esperar é desesperar.
Em outubro de 2013 publiquei, no meu blogue, um pequeno texto que passo a transcrever: - O tempo só é importante porque a vida é finita e, por isso tão excitante. A eternidade seria entediante. Que fazer com tanto tempo, se agora com o tempo contado e com fim à vista deixamos que ele, o tempo, passe por nós. Por vezes até desejamos que passe depressa, o tempo, até inventamos passatempos, para iludir o tempo. O tempo não tem tempo, mas a vida tem, um tempo. Usa o tempo que a vida te der. Não faças do tempo e da vida, um passatempo.
foto by Tiago Redondo |
As alterações sociais, económicas e políticas que se verificaram a partir da década de 70, do século passado, com o renascimento e expansão do velho liberalismo, travestido de modernidade, contribuíram para o crescimento e diversificação das atividades do “terceiro setor”. Esse incremento tem a sua origem na delegação de competências dos Estados em instituições privadas, de solidariedade social ou não, para atender a necessidades crescentes de apoio social às populações mais fragilizadas e vítimas da barbárie liberal. Este é um tema sobre o qual vale a pena refletir profundamente, mas não será hoje. Esta referência justifica-se por que o “terceiro setor” tem no envelhecimento da população um dos mais importantes segmentos da sua atividade no âmbito da economia social.
O envelhecimento da população portuguesa tem contribuído para o crescimento dos “negócios” do “terceiro setor”, os centros geriátricos abundam e ainda assim, ao que ouço dizer, são insuficientes para fazer face à enorme procura dos familiares que necessitam de um local, tal como de creches para as crianças, onde possam entregar os seus idosos para que sejam apoiados e cuidados.
foto by Madalena Pires |
A padronização da oferta favorece os promotores, mas não responde às necessidades dos cidadãos mais idosos que, naturalmente, são diversas, nem das famílias que querem participar e acompanhar o envelhecimento dos seus familiares, assim sejam libertadas da sobrecarga do seu horário de trabalho, e disponham de apoios para estar e cuidar dos seus. Outras alternativas, sem aumentar o financiamento público, são possíveis, assim haja vontade e coragem para as instituir.
Como ficou claro, desde a abertura desta “Sala de Espera”, este é um espaço onde procuro partilhar, mais do que opinião, algumas inquietações sobre o que nos rodeia e, sobretudo, contribuir para que a leitura induza à reflexão e ao contraditório. O texto de hoje, esse foi o objetivo, deixa em aberto algumas questões que afetam os nossos concidadãos que estão a envelhecer, ou seja, um assunto que interessa a todos.
Ponta Delgada, 22 de fevereiro de 2022
Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 23 de fevereiro de 2022
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