quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

envelhecer

foto by Madalena Pires
Eh senhor Aníbal! Tás ficando velhinho. Foi assim que fui saudado, há 2 ou 3 anos, durante um dos passeios de fim de tarde junto ao mar, passeios que tanto gosto de fazer. Esta genuína apreciação de um amigo, com quem já não me cruzava há muito tempo, tem sido motivo de algumas gargalhadas quando a partilho com outros amigos. 

Não me sinto – ainda - um velhinho, mas estou a envelhecer e considero que isso é bom. Nem todos chegamos a envelhecer, mas quem tem esse privilégio deve aceitá-lo com a consciência de que com o prolongar da vida chegam algumas limitações de ordem fisiológica. Faz parte do processo, não vale a pena ignorá-lo, mas também não deve assumir a centralidade das nossas inquietações, sob pena de se tornar mais doloroso do que as dores nas costas e articulações que, mais tarde ou mais cedo, nos tentam a calçar os chinelos e a acomodarmo-nos no sofá.

Não pretendo, longe disso, deixar receitas nem conselhos, sobre o que fazer e como fazer para envelhecer sem que isso se torne num pesadelo. Mas, aceitar as limitações, potenciar as faculdades que ainda dispomos e usufruir do tempo que agora é, apenas, nosso, será uma boa opção para continuar a percorrer a vida, apesar de naturais receios e inseguranças, sem nunca deixar de sonhar.  O medo e a insegurança podem privar-nos de sonhar, mas sem sonhos não há caminho para andar. Sem sonhos deixamos que o tempo passe e se transforme, apenas, em espera. E esperar é desesperar.

Em outubro de 2013 publiquei, no meu blogue, um pequeno texto que passo a transcrever: - O tempo só é importante porque a vida é finita e, por isso tão excitante. A eternidade seria entediante. Que fazer com tanto tempo, se agora com o tempo contado e com fim à vista deixamos que ele, o tempo, passe por nós. Por vezes até desejamos que passe depressa, o tempo, até inventamos passatempos, para iludir o tempo. O tempo não tem tempo, mas a vida tem, um tempo. Usa o tempo que a vida te der. Não faças do tempo e da vida, um passatempo.

foto by Tiago Redondo
Se há quase nove anos era, para mim, um modo de pensar a vida e a sua relação com o tempo. Hoje continua a ser tão válido como quando o escrevi, penso da mesma forma. A diferença é que agora, com a aposentação, tenho todo o tempo para mim, mas continuo, como sempre fiz, a dar utilidade ao tempo. Ainda que o meu tempo, com o seu passar, seja menos do que era ontem.

As alterações sociais, económicas e políticas que se verificaram a partir da década de 70, do século passado, com o renascimento e expansão do velho liberalismo, travestido de modernidade, contribuíram para o crescimento e diversificação das atividades do “terceiro setor”. Esse incremento tem a sua origem na delegação de competências dos Estados em instituições privadas, de solidariedade social ou não, para atender a necessidades crescentes de apoio social às populações mais fragilizadas e vítimas da barbárie liberal. Este é um tema sobre o qual vale a pena refletir profundamente, mas não será hoje. Esta referência justifica-se por que o “terceiro setor” tem no envelhecimento da população um dos mais importantes segmentos da sua atividade no âmbito da economia social.

O envelhecimento da população portuguesa tem contribuído para o crescimento dos “negócios” do “terceiro setor”, os centros geriátricos abundam e ainda assim, ao que ouço dizer, são insuficientes para fazer face à enorme procura dos familiares que necessitam de um local, tal como de creches para as crianças, onde possam entregar os seus idosos para que sejam apoiados e cuidados. 

foto by Madalena Pires
A uniformidade das soluções para os cuidados geriátricos, tal como o pensamento único, inquieta-me, tal como me angustia a infantilização das atividades que são promovidas para ocupar o tempo dos cidadãos entregues ao cuidado destas organizações, durante o dia ou a tempo inteiro. Ora aqui está uma, ou mais variações sobre o tema e acerca das quais importa refletir. 

A padronização da oferta favorece os promotores, mas não responde às necessidades dos cidadãos mais idosos que, naturalmente, são diversas, nem das famílias que querem participar e acompanhar o envelhecimento dos seus familiares, assim sejam libertadas da sobrecarga do seu horário de trabalho, e disponham de apoios para estar e cuidar dos seus. Outras alternativas, sem aumentar o financiamento público, são possíveis, assim haja vontade e coragem para as instituir.

Como ficou claro, desde a abertura desta “Sala de Espera”, este é um espaço onde procuro partilhar, mais do que opinião, algumas inquietações sobre o que nos rodeia e, sobretudo, contribuir para que a leitura induza à reflexão e ao contraditório. O texto de hoje, esse foi o objetivo, deixa em aberto algumas questões que afetam os nossos concidadãos que estão a envelhecer, ou seja, um assunto que interessa a todos.

Ponta Delgada, 22 de fevereiro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 23 de fevereiro de 2022


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