foto by Aníbal C. Pires |
foto by Madalena Pires |
O almoço tardio prolongou-se nas palavras. Recordações e estórias em comum encheram a tarde, mas nem só do passado foram as falas, do presente que nos preocupa e do futuro que se avizinha complexo e, sobretudo, caro, também se conversou.
Não fique o visitante desta “Sala de Espera” com ideia que a tarde foi macambúzia e saudosista, nada disso. Houve alguns momentos de nostalgia na revisitação do passado, sim houve, mas o que marcou a tarde e os dias fora do bulício da urbe e das rotinas de cada um de nós, foi mesmo a boa disposição cúmplice que só a benquerença pode proporcionar. Foi um fim de semana de celebração da amizade que acontece quando e onde calha, desta vez aconteceu num lugar idílico como poderia ter acontecido num qualquer outro lugar. Os lugares, sendo importantes, valem pelas pessoas que os habitam e quando se trata de reunir um grupo de amigos, o local pouco importa perante o contentamento de estar, partilhar afetos e cultivar a afeição que une pelos laços da amizade que não se explica, tal como o amor, acontece.
foto by Madalena Pires |
A noite chegou enquanto a fogueira crepitava sob a grelha onde, após o braseiro estar pronto, se fizeram alguns grelhados a gosto e a pedido, mal, médio ou bem passado, sempre com a boa disposição em alta, como alta estava a música com que alguns campistas clandestinos, o aviso de proibição era bem visível e legível, resolveram brindar a vizinhança subtraindo os sons da noite a quem gosta de os ouvir.
Ao invés do canto das cagarras, do marulhar do mar, da brisa nas faias e das estrelas que a límpida noite, iludindo os sentidos, nos trazia ao alcance da mão e quase se podiam tocar, foi-nos imposto um ruído impróprio, era música, a poluir a noite e que se prolongou para lá do aceitável. Não, não se trata de saber se a música era ou não do meu gosto, fosse a que fosse era imprópria para ser difundida naquele, ou noutro espaço onde se vai para ouvir o silêncio. Terá sido a modernidade a invadir o espaço rural, ou a ruralidade a importar hábitos urbanos. Não sei, não averiguei, mas não me pareceu um ato de urbanidade. Urbanidade entendida aqui como civilidade que, como sabemos, não é um atributo exclusivo de quem vive na urbe. Esta situação, não sendo agradável, não foi, contudo, suficiente para nos indispor ou retirar prazer na fruição do jantar que, tal como o almoço, se prolongou nas palavras e se adentrou pela noite. O choro das cagarras regressou, o mar continuava naquele seu sereno vai e vem no calhau rolado, a brisa agitava as faias, a ténue luz límpida da noite alteava as negras encostas alcantiladas, as estrelas desciam ao alcance da mão, era a noite a fazer-se ouvir.
Ponta Delgada, 6 de setembro de 2022
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