terça-feira, 12 de maio de 2009

Os Bairros da Bela Vista

Fica um texto escrito colectivamente pelos responsáveis do Boletim Informativo "MANTENHA", da Associação Cabo Verdiana de Setúbal e publicado na edição de Janeiro de 2008 que pode ser integralmente vista aqui.

Vão longe os tempos de alegria e de esperança com os realojamentos nos Bairros da Bela Vista! Apesar de as infra-estruturas não estarem concluídas, as famílias acreditaram que em breve seriam executadas e que tudo seria diferente. A vida parecia-lhes então cheia de promessas de um futuro diferente!
Mas aos idos anos 80, seguiram-se os 90 e até a passagem para um novo milénio e a esperança foi-se desvanecendo, os velhos estigmas não desapareceram e logo outros começaram a pairar e a fixar-se sobre as populações da Bela Vista.




A expectativa era elevada e a alegria não deixou que se percebessem os erros, que hoje pagamos bem alto, de uma tal concentração de bairros sociais e de realojamento no espaço confinado de uma só freguesia.
Espaço com uma bela vista, ontem longe dos olhares dos afortunados da vida e hoje tão apetecível para os novos e velhos faustosos para quem aquele espaço seria bem mais apropriado para condomínios de luxo!
Importa lembrar que as famílias que foram realojadas nos Bairros da Bela Vista eram de origem diversa, mas tinham algo em comum: a nacionalidade e a pobreza.
Eram e são portugueses que retornaram das colónias - transformados rapidamente em imigrantes por via de um processo de alteração à Lei da Nacionalidade pouco claro e, sobretudo, nada divulgado entre quem vivia o choque da deslocalização - eram e são portugueses de Trás-os-Montes aos Açores que procuraram o litoral das oportunidades, eram e são ciganos, eram… e são pobres.
Eram… e são excluídos, não pela sua origem e pertença a matrizes culturais diversas. Eram… e são excluídos pela pobreza que teima em atirar para as margens da dignidade uma grande parte da população da freguesia, do concelho, do distrito, do país…
Nos anos 80, eram as barracas e os imóveis abarracados ou em ruínas que ficavam para trás e começava um novo olhar sobre o futuro!
A expectativa de uma casa, um lar…, trabalho, rendimento, direitos… Abriam-se as portas da dignidade e isso fez acreditar que o que faltava nos Bairros depressa fosse concluído!
A expectativa foi dando lugar à esperança de que os Bairros, por serem periféricos, não seriam esquecidos! Depois, aos poucos, foi-se instalando o cepticismo e a revolta!
Hoje, os Bairros da Bela Vista já não são periféricos, estão na malha urbana da freguesia e da
cidade mas, cada vez mais distantes do olhar dos poderes públicos.
O PROQUAL é disso um exemplo paradigmático. Com o PROQUAL renasceu a esperança, mas com o PROQUAL alguém se encarregou de, uma vez mais, a matar.
Sem explicações!
Neste caso, como em toda a história dos Bairros da Bela Vista não há justificação plausível para que há mais de 20 anos as famílias lá realojadas tivessem sido “despejadas” em lindos e coloridos bairros sociais e, desde aí, fossem votadas ao abandono.
As políticas de habitação social, como se sabe, não são uma solução para problemas que, sendo de habitação, vão muito para além dela.
Hoje, os Bairros da Bela Vista são referenciados como um antro que alberga tudo o que se relaciona com a criminalidade e a marginalidade.
Se uma família de moradores encomendar uma simples “pizza” para entrega ao domicílio, só o conseguirá com o compromisso de a ir levantar à esquadra da polícia! Se um morador precisar de um serviço de táxi depois do pôr do Sol, se não houver recusa, só consegue o transporte até à porta da esquadra da polícia!
Quando um jovem da Bela Vista procura trabalho, mesmo na precariedade dos “Mcd…” e das cadeias de Hiper’s, dificilmente o conseguirá por ser oriundo dos “Bairros”.
Mas porquê!? A população dos Bairros é composta por gente, na sua maioria laboriosa. Gente que trabalha de sol a sol na construção civil, nas limpezas, em trabalho precário, sem direitos e mal renumerada.
Gente pobre! Gente excluída por ser pobre!
Ignorar a génese do problema não é solução e por muitos cuidados paliativos fornecidos às populações, pelas organizações assistencialistas e outras que intervêm nos “Bairros, não haverá transformação nem inclusão social e económica se não se encarar, de uma vez por todas, que estas pessoas só padecem de um mal – estão desprovidas de direitos básicos.
Os poderes públicos (locais e nacionais) delegam competências e responsabilidades, esmolando um subsídio, nas ONG’s e Associações para manter equilíbrios sociais, apenas isso, aliás não podem fazer muito mais que isso. A esfera de competências para a resolução dos problemas de fundo ultrapassa essas organizações, podem ser complementares e de emergência mas, é só.
Cabe, em primeira instância à Câmara Municipal e ao Governo, procurar as soluções integradas para as pessoas e para os “Bairros”.
Soluções que não poderão passar por deslocalizar o “problema” para um qualquer outro local, nem serão aceitáveis.
Cabe, igualmente, às populações organizarem-se e unirem-se para serem uma parte, a parte principal, na procura, em conjunto com os poderes públicos, da melhor solução para si e para as suas famílias.
Não queremos continuar à margem das decisões tomadas nos corredores dos poderes públicos.
Não nos podemos demitir de participar!
Nem podemos admitir que a pressão imobiliária nos retire esta bela vista da beira-rio, da beira-serra!
O que nos últimos dias se tem passado nos Bairros é um caso de polícia e de segurança pública. A raiz dos problemas está nas opções por um modelo de desenvolvimento que promove a desigualdade e a exclusão.

1 comentário:

Maria Margarida Silva disse...

A desigualdade social causa exclusão e gera violência!
Combater a pobreza impõe enfrentar as suas causas!
Nada que não saibamos, mas que o Governo persiste em ignorar!

Beijinhos.