As temperaturas desceram e uma incomum chuva de Agosto
abateu-se sobre algumas regiões continentais – Veio mesmo a “calhar” para a
azeitona. As oliveiras estão “carregadas” e esta rega vai engrossá-las. Vai ser
um bom ano de azeite – diz-me um agricultor, ao acabar de plantar alguns pés de
couve portuguesa que, hoje pela manhã, comprou no mercado agrícola da cidade.
As inusitadas condições climatéricas que nos últimos dias
afectaram o continente português afastaram o perigo de novos incêndios
florestais e deixam os agricultores satisfeitos na expectativa de um bom ano
agrícola. Eu, embora de férias, fiquei contente, não só pela floresta poupada e
pelas esperanças dos agricultores, mas também por mim habituado, que estou, aos
índices de humidade mais elevados e às temperaturas mais amenas de S. Miguel.
Confesso-vos que já me é difícil aguentar com as altas temperaturas e com o ar
seco do verão na interioridade continental onde nasci e cresci.
Interioridade que, apesar das novas e rápidas vias de
comunicação viária e das novas tecnologias de informação à velocidade da banda
larga, continua a marcar os lugares e as pessoas. Hoje chega-se à capital em 2
horas ou, um pouco mais se em vez do automóvel se utilizar o comboio ou o
autocarro, bem diferente das 5 ou 6 horas de há 30 anos. A “net” está por aí
disponível para quem quer, ou melhor, para quem pode. Os grandes espaços
comerciais proliferam como cogumelos.
É inegável que o interior ficou mais perto, que as condições
de vida melhoraram e que o acesso aos bens de consumo, seja para satisfação das
necessidades básicas ou outras, está mais facilitado mas é, igualmente,
inegável que a par de todo o progresso registado se foi assistindo ao declínio
e destruição dos sectores produtivos e, ao consequente empobrecimento desta
como de outras regiões do interior.
Embora sem os contornos de outros tempos, os jovens adultos
continuam a procurar na Europa e no litoral as oportunidades, que lhes
satisfaçam expectativas e necessidades, que por aqui não encontram, por muito
que procurem e queiram. A desertificação e o envelhecimento da população
aumentam e o espaço rural vai-se transformando num enorme “lar de terceira
idade”.
A chuva deste Agosto veio amenizar o tempo e dar-me coragem
para sair da sombra das “latadas” e pôr-me ao caminho de um desses lugares do
interior que, pela sua diminuta população, dificuldades na acessibilidade,
importância económica, afastamento da sede do concelho e do distrito ou, outros
motivos menos objectivos, são como pequenas “ilhas” perdidas na vastidão destes
campos onde ainda impera o pinheiro bravo, o sobreiro, o olival e a vinha.
Há cerca de 42 anos que não vinha a este lugar do qual, na
altura, se dizia ser o “centro do mundo”[1]. Nunca
soube porquê, e ainda não procurei saber, ficará para mais tarde se tempo
houver. A razão que me levou a percorrer o sinuoso caminho, hoje de asfalto,
até esse perdido lugar onde o único meio de transporte para lá chegar, à época,
era o burro ou, para quem o não tivesse, as próprias pernas, foi o facto de aí
ter iniciado o ensino primário.
Ao tempo vivia numa secular aldeia – S. Vicente da Beira – já
sem a importância de outros tempos mas, ainda assim uma das mais emblemáticas
do concelho de Castelo Branco, o episódio que me levou a abandonar o aconchego
materno e a deslocar-me para esse pequeno lugar, do qual se dizia ser o “centro
do mundo”, para frequentar a primeira classe do ensino primário numa pequena
escola da qual era professora uma minha tia, ficou a dever-se à impossibilidade
de me poder matricular, ao que julgo por não haver vaga e pela idade, na escola
da aldeia onde vivia. Não cheguei a terminar o ano na escola da minha tia,
resolvidas que foram as questões que impediam a minha entrada legal no ensino
regressei ao seio da família.
Chegado ao meu destino para além dos postes de electricidade,
inexistentes quando por ali percorria os caminhos da minha infância, nada
parecia ter mudado, o pequeno edifício onde aprendera as primeiras letras lá
estava. Ao aproximar-me a nostalgia misturou-se com alguma tristeza, a exígua
construção aparentava estar em ruínas mas, numa observação mais minuciosa
verifiquei que os sinais, afinal, eram de reconstrução. Alguns instantes depois
três jovens, que vieram indagar o que fazia por ali um forasteiro de máquina
fotográfica em punho, confirmaram isso mesmo. A escola foi desactivada há uma
dezena de anos. O seu estado degradou-se mas, agora, está a ser reconstruída
para outras serventias.
A melancolia misturou-se com esperança e alegria. A “minha”
primeira escola vai voltar a encher-se de vida.
Ninho do Açor (Castelo Branco), 11
de Agosto de 2004
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