O texto que se segue foi publicado a semana passada no Expresso das Nove por Manuel Leal, ilustre colunista daquele jornal.
Conheci Manuel Leal o ano passado, no Vale das Furnas, num fim de tarde em que a selecção portuguesa jogava para o Europeu de 2012. Ele estava de visita à Região com a família, vivem em New Jersey, era uma visita às raízes e às memórias, uns dias depois um novo encontro com o Manuel Leal, no Largo do Infante, na cidade da Horta. Gostei do Manuel Leal, não posso dizer que me surpreendeu com este ato de solidariedade. Quando o conheci percebi que era um Homem íntegro, gostei dele. Da sua frontalidade e da sua história de de vida, por isso não me surpreendeu.
Sem prescindir de um destes dias podermos, de viva voz, discutir algumas das questões que o Manuel equaciona no texto, quero, publicamente, apresentar os meus agradecimentos por este gesto solidário.
Bem hajas Manuel Leal.
Ponta Delgada, 28 de Abril de 2013
Aníbal Pires é o único deputado comunista na Assembleia Regional dos Açores. Tem ali defendido, consistentemente, a agenda política dos trabalhadores, identificando-se com os menos protegidos. Colaborador gracioso do Açoriano Oriental há muitos anos, Pires foi agora afastado daquele jornal sem que a direção lhe desse a cortesia de uma explicação.
Recentemente, o líder comunista defendeu o aumento do salário mínimo contra o peso do PSD e do PS que quando convergentes, nas raras demonstrações conjuntas da promoção do interesse de quem representam, se transformam numa potente máquina demolidora. Só quem nunca observou ou falseia ignorar a pobreza a que o mísero salário mínimo condena as pessoas pode justificar a manutenção do statuo quo. O salário mínimo inadequado mantém uma percentagem elevada da população num estado de subsistência inaceitável, de ignorância, e por vezes de subserviência aos representantes do poder e da elite empresarial.
Não venho aqui defender a pessoa de Aníbal Pires, que reputo de indivíduo honrada e cidadão idóneo. Sou leitor dos seus artigos, de que por vezes discordo. Não sou nem nunca fui comunista. Tanto quanto sei não está em questão a sua idoneidade como ator social nem legislador. Por isso o propósito deste protesto é pugnar pelo constructo social da liberdade de expressão que neste caso não é o mesmo em termos jurídicos e constitucionais do direito de liberdade individual.
O Açoriano Oriental tem uma história de desrespeito pela liberdade de expressão, revelando contempto atitudinal pelo conceito humanista e universal da Pessoa como sujeito participante e agente que determina a razão e a existência do discurso político. Noutro tempo, com outra administração, e até interesses diferenciados mas similares numa dimensão social, fez-me vítima da mesma arbitrariedade retaliatória.
Na ideia do progresso, que serve de legenda à narrativa universal na evolução da sociedade e do conhecimento, a direção na marcha da libertação tem sido sempre para a frente. Raramente o mundo se quedou nos solavancos reacionários que o obrigou a dar um passo atrás. Nos conflitos que se geraram a partir da colisão de interesses limitados contra a difusão da narrativa multifacetada da condição existencial, em cada esquina do diálogo planetário a convergência triunfou. Neste processo hegeliano assenta o mais robusto sustentáculo da democracia como paradigma essencial ao bem comum. A responsabilidade individual e mesmo do grupo, como do cidadão e da empresa, só pode ser avaliada à luz do dia para que o fascismo e o nepotismo não embarguem a interdependência social e o processo político.
Compete à direção do jornal, no respeito para com o seu colaborador e os seus leitores, e até a sociedade em que se inserem, comunicar a razão do seu procedimento. Vejo isto como um dever deontológico, até porque a direção do Açoriano Oriental se terá negado a divulgar uma carta em que Aníbal Pires apenas comunica aos leitores que a partir da sua última crónica a sua colaboração cessou por iniciativa da administração. Era um gesto simpático e verdadeiro de responsabilidade e deferência para com os leitores.
Duvido de que o comunismo possa um dia corresponder aos melhores desejos da sociedade, do mesmo modo que o capitalismo nos destrói e nos sujeita ao fascismo oculto dos donos do mundo. O marxismo não morreu. Influencia hoje, como o evolucionismo darwiniano, as ciências desde a psicologia à biologia. Mas o pensamento do seu criador formou-se nas situações no século XIX que hoje já não predominam. Por outro lado, a psicanálise demonstrou a incongruência do marxismo perante o que então se chamava a «natureza humana». Fê-lo numa polémica famosa dos pensadores freudianos com os marxistas pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Mas desde que os comunistas respeitarem o processo democrático, como o fazem depois da morte de Álvaro Cunhal, entende-se que têm o direito de propagar a sua ideologia como outro qualquer grupo político. A preponderância do bem comum como objetivo do processo político exige a participação ampla e responsável de todos na matriz ideológica na concretização da solidariedade coletiva.
Neste contexto, a visão do mundo que o Açoriano Oriental projeta é ofensiva da dignidade humana e da açorianidade emergente como conceito social e político. Porque apenas numa sociedade livre a verdade sobrevive no percurso do desenvolvimento integral do indivíduo e da sociedade na dialética de valorização da Região e do açoriano. Quando se abafa a voz divergente que se ergue com civismo, sujeita ao respeito mútuo, criam-se os demónios que têm sido através da história os estímulos da ira popular. E do sustentáculo do fascismo, a ideia de que há vacas sagradas beneficiando de privilégios como se fossem direitos.
Por isso me declaro solidário para com Aníbal Pires, independentemente de ele ser deputado, comunista, seja o que for. Não se trata também de um julgamento das pessoas responsáveis pelo silêncio que lhe quereriam impor, mas a defesa da conceção de um comportamento ético e universal sobre que toda agente tem algo a dizer. O debate claro das ideias há de filtrar a razão.
A censura implica métodos de intimidação e represália em que a intolerância se manifesta na supressão do constructo social da igualdade universal. A administração do Açoriano Oriental, como entidade privada tem o direito de administrar a empresa e conduzir o conteúdo editorial como quiser e entender dentro dos parâmetros legais. Mas os órgãos de comunicação assumem-se com um estatuto inclusivo que impõe o alvará que lhes abre a porta ao público. De modo que o abandono arbitrária e sem causa da prática da liberdade lhe retira por carência de civismo a isenção exigida no jornalismo.
O discurso ad hominem não é permitido por nos lançar na esteira do paradoxo da intolerância. Todavia, quem sofre de medos que conduzem à supressão prepotente da opinião divergente deve sentir-se muito pequenino numa dimensão intelectual.
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