Por estes dias, já noite, ao entrar na envolvente a Ponta Delgada, vindo da rotunda de Belém e ao encontro do ritual da refeição em família o meu filho mais novo, jovem de 17 anos, dizia-me: “Oh pai! Isto está a ficar fixe até parece a 2.ª circular em Lisboa. As duas bombas de gasolina e o Mcdonald’s”.
A iluminação artificial, os anúncios a colorir a noite e se relativizarmos o fluxo do tráfico viário, àquela hora menos intenso, diria que… Sim, tem de facto alguma semelhança. Daí até ser “fixe”, entendendo “fixe” como qualitativamente bom. Tenho, obviamente, algumas dúvidas. Dúvidas porquanto esta semelhança é sinónimo de descaracterização. As soluções encontradas enquadram-se em paradigmas de uniformidade. E isso a meu a ver não é “fixe”.
Até percebo o João! A urbanidade marca presença na matriz cultural que caracteriza as suas vivências e, conceitos como progresso, crescimento e desenvolvimento têm ainda as fronteiras indefinidas. Para o João, um confesso fã do hip-hop, é natural que o crescimento urbano e o desaparecimento de sinais de ruralidade da malha urbana e suburbana da cidade se confundam com desenvolvimento. Para isto contribui a sua juventude mas, sobretudo, a construção de representações induzidas pelos meios de comunicação, em particular pela televisão, que reproduz modelos de vida estereotipados com uma matriz cultural urbana e terciarizada.
Ao João nos seus 17 anos até aceito e compreendo aquela observação, embora tenha procurado elaborar um argumento para a desconstrução da ideia de que ser igual a este ou àquele lugar não é, necessariamente, “fixe” e muito menos indicador de desenvolvimento.
Ser diferente sim. Ser diferente é “fixe”! A diversidade é que torna a vida interessante e os lugares apaixonantes. E desenvolvimento não é sinónimo de volumetrias de betão que reduzem o horizonte, da pulverização do espaço urbano e suburbano por comércio franchisado ou de largas faixas de asfalto que nem sempre encurtam distâncias.
Não é fácil! Aliás, com o João o esforço foi inglório e não houve argumento que o fizesse mudar de opinião. Fiquei preocupado! Esta opinião de que assim é que é “fixe” não é, porventura, residual, bem pelo contrário será, com certeza, a posição dominante entre os jovens mas não só. Tenho ideia de que é também a opinião maioritária noutros grupos etários.
Sendo esta a opinião da generalidade da população não significa que o caminho que está a ser desenhado e apadrinhado pelos patrocinadores e decisores seja o do desenvolvimento. E se quanto aos patrocinadores, não fazem mais do que “vender” a ideia e concretizá-la, ou seja, este é o seu negócio, compreendo que invistam na promoção dos seus “produtos”, já no que concerne aos decisores é incompreensível que avalizem acriticamente tais modelos e optem por soluções que a prazo se irão revelar como profundamente erradas do ponto de vista do desenvolvimento e da qualidade de vida dos cidadãos.
Há quem opte por soluções e modelos de desenvolvimento urbano substancialmente diferentes com notórios reflexos na elevação da qualidade de vida dos seus habitantes e há quem insista em medir o conceito com o número de rotundas ou de fogos licenciados.
Eu, decididamente, fico-me pela “quiet city”. Opto pela tranquilidade e singularidade dos lugares.
(*) Este texto foi escrito e publicado em Outubro de 2007. Hoje é republicado sem nenhuma alteração. E pode ser lido como se tivesse sido escrito hoje mesmo, mantém como constataram, toda a atualidade.
Aníbal C. Pires, In Jornal Diário
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