segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Sabores(*)

Imagem retirada da internet
A alimentação humana cedo passou da mera satisfação de uma necessidade primária para se transformar num processo de socialização das comunidades humanas.
À volta da mesa e na degustação dos alimentos transmitem-se e herdam-se valores ancestrais. Valores que, por serem antigos, não devem ser confundidos com conservadorismo. E importa preservá-los, pois são estruturantes da educação e formação dos indivíduos. Sentar a família à volta de uma refeição é um momento fundamental no quotidiano familiar, não só pela satisfação da necessidade fisiológica em si mesma mas pelo simbolismo da partilha e, sobretudo, pelo encontro diário de pessoas unidas por laços de parentesco e pelo legado cultural e formativo que esses momentos proporcionam, se utilizados para esse efeito.
À modernidade não sobra tempo, dirão os mais cáusticos, nem para confeccionar os alimentos quanto mais para conversar ou transmitir o que quer que seja durante uma refeição. À modernidade devia sobrar todo o tempo do Mundo para educar as nossas crianças e para as acompanhar em todos os aspectos do seu crescimento e formação pessoal e social. Direi eu, do cume da minha utopia.
Não pretendo dissertar sobre nutrição, nem gastronomia tradicional ou gourmet mas sempre direi que somos aquilo que ingerimos e, quer por razões de bem-estar, quer ainda por razões de ordem cultural evitemos a “fast-food”.
Vamos aproveitar todos os momentos e circunstâncias para afirmar o que nos torna diferentes na globalização dos costumes e da cultura, mas também porque a gastronomia tradicional devidamente adaptada às nossas necessidades e estilos de vida só pode redundar em qualidade de vida.
A viagem pelos sabores da gastronomia popular é um percurso de descoberta de hábitos e culturas dos povos e da sua relação com o meio ambiente ao qual se foi juntando, em doses sabiamente adequadas, algumas técnicas e tecnologias.
A exiguidade de solo arável e de água determinou a “cachupa” cabo-verdiana, mais ou menos rica conforme a disponibilidade das proteínas animais. O tronco do cereal ampara a leguminosa no seu trepar em busca do sol que os há-de amadurecer. O milho e o feijão passam dos campos para o prato numa simbiose perfeita e traduzem o quotidiano alimentar de um povo que, em condições de grande adversidade, soube construir os sabores da “morabeza”.
Se é assim com a cachupa cabo-verdiana o mesmo poderemos dizer das “migas” alentejanas, das originais “pizzas” do sul de Itália ou dos “tacos” mexicanos. A disponibilidade dos ingredientes e a forma como são combinados e confecionados trazem à mistura alguns dos condimentos que fazem a história da alimentação humana.
(*) Texto escrito, na Covilhã, em Agosto de 2007 e hoje revisto e atualizado.
 Horta, 22 de Novembro de 2015

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário e Azores Digital, 23 de Novembro de 2015

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