1 - Quais as grandes questões de São Miguel que transitam para o ano de 2023?
Não quero, nem pretendo, e, não sou, de facto, um cidadão que olha, e vê, apenas os aspetos negativos da realidade que observo. Sempre procurei, talvez por ser professor, o que de bom acontece e as transformações positivas que advêm da avaliação do “estado da arte” e das decisões, no caso vertente políticas, que são tomadas para responder ao que está menos bem.
Não há dúvidas que a democracia portuguesa e a autonomia regional alteraram substantivamente alguns indicadores sociais e económicos, melhoraram as acessibilidades e contribuíram para esbater o isolamento e o ostracismo a que os povos insulares estiveram sujeitos. Se esta constatação é uma evidência, não será menos verdade que subsistem algumas questões estruturais identificadas, até por fazerem parte da herança de um Estado centralista, às quais se juntam outras que, podendo ter uma matriz hodierna, agudizam os velhos problemas que desde os primórdios do povoamento caraterizam social e economicamente a ilha de S. Miguel.
A iliteracia, a pobreza, a emigração, a concentração da riqueza, o domínio de dois ou três grupos económicos, as assimetrias que se verificam entre os diferentes concelhos, a dependência externa, a tendência para centrar a atividade económica apenas numa atividade procurando, artificialmente, dar uma dimensão e uma escala que, mesmo a maior ilha do arquipélago não tem. Todas as questões que enumerei estão por resolver e não se vislumbra solução à vista, aliás a tendência, até pela conjuntura nacional e internacional, será para que a população micaelense continue a empobrecer e a emigrar, como sempre aconteceu.
2 - Ao nível das perspetivas e perceções, como encaram os micaelenses o ano que aí vem?
Se na resposta à pergunta anterior poderei ter alguns micaelenses a acompanhar a minha opinião, a resposta a esta pergunta não reunirá muitos apoios pois, como sabemos, as leituras que visam antecipar o futuro próximo centram-se muito no que cada um deseja, para si e para os outros, e muito pouco na racionalidade da análise face aos dados disponíveis para perspetivar o ano que se iniciou, ainda assim sempre direi que é notório e transversal um sentimento de apreensão face ao contexto internacional e aos efeitos que está a produzir na economia e na vida das famílias.
foto by Madalena Pires |
Aos poderes instituídos (económico e político) convém que assim seja, talvez por isso o problema da pobreza, do desemprego, da exclusão social e da educação/formação se perpetuem.
O aumento do rendimento do trabalho, o combate à precariedade laboral, a diminuição dos horários de trabalho e do limite da idade ativa são algumas das medidas, a par da educação e da qualificação profissional, que se afiguram como imperativas para por fim a esta situação que nos envergonha a todos e que contribui para o descrédito das instituições políticas e permite o avanço dos populismos de cariz neofascista.
imagem retirada da internet |
Parece um paradoxo. Os açorianos emigram para ir trabalhar fora da Região e do País e as empresas “queixam-se” da falta de mão de obra e até sugerem que a solução passa pela vinda de imigrantes.
Se é verdade que a demografia nos diz que a Europa e, em particular Portugal, necessitam de mais população, e que a solução imediata será forçosamente a atração de população estrangeira, não é menos verdade que os açorianos que saem do arquipélago (de S. Miguel ou qualquer outra ilha) só o fazem por não terem aqui as condições de trabalho e o rendimento que encontram noutras paragens.
Quanto aos “empresários” ao que parece continuam a ancorar as suas estratégias nos baixos salários, algumas vezes parcialmente pagos com fundos públicos, na precariedade laboral e na rotatividade dos cidadãos em estágios e programas ocupacionais. Assim será difícil estancar esta sangria de população, aliás também esta “válvula social” não é nova, a história da emigração açoriana ensina-nos isso.
Ponta Delgada, 2 de dezembro de 2023
Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 3 de dezembro de 2023
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