quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

“carne vale”

imagem retirada da internet
Ainda a recuperar da ressaca das festividades do Solstício de Inverno (Natal e Ano Novo) e eis que o calendário nos anuncia as folias de Carnaval, celebração com direito a um intenso período de preparação. Estão aí as quintas-feiras de amigos, amigas, compadres e comadres, entrementes “o Dia dos Namorados” e toda uma gama de atividades, conforme a tradição de cada lugar e cultura. É o tempo dos “excessos” que antecedem o “adeus à carne”, “carne vale” (do latim tardio). São as festividades que precedem o período de jejum e abstinência: a quaresma. Diferindo de lugar para lugar, de cultura para cultura, mas que se assinala um pouco por todo o mundo, mormente onde o cristianismo tem significado pois, sendo as festas de Carnaval de origem pagã, o calendário católico apropriou-se, até onde lhe foi possível, desta celebração, como de outras que fazem parte do ciclo anual e que assinalam eventos naturais que influenciam a vida das populações. 

Caretos de Podence - imagem retirada da internet

Os ritos pagãos que estão na origem do Carnaval têm antigas e diversas origens, mas fique o leitor descansado que não é da evolução histórica da celebração do Carnaval que este texto vai tratar, ou talvez sim. Eu ainda não sei qual será o tema, mas alguma coisa se vai arranjar. Não entenda “alguma coisa se vai arranjar” como uma leviandade minha. Não. Se assim entendeu, entendeu mal. Mesmo sabendo das caraterísticas da celebração do Carnaval, tempo em que ninguém leva a mal, mas, ainda assim, nunca teria qualquer atitude menos responsável e respeitosa para consigo que aqui entrou. Provocações, admito que sim. Descortesias, não.

Após este parágrafo que serviu para quebrar a direção que o discurso estava a tomar, recuperemos a essência do que vos quero deixar para, como é habitual, estimular alguma reflexão, quiçá, até uma saudável discussão sobre o ciclo anual dos rituais, celebrações e festas.

calendário azteca (Pedra do Sol) - imagem retirada da internet
O calendário, tal como o conhecemos e usamos, é relativamente recente. A necessidade de “medir” o tempo, não direi que é tão antiga como o “homo sapiens”, mas remonta, ao que se julga, ao período dos caçadores-recolectores, ou seja, ao período que antecedeu a revolução neolítica. A contagem do tempo, consagrada em calendários tem distintos referenciais (a lua, o sol, o ano; um misto dos dois, ou dos três), daí a (co)existência de calendários diferentes, embora o seu propósito seja, no essencial, comum e procure englobar a duração daquilo a que chamamos ano pois, os ciclos naturais (estações do ano) repetem-se a cada translação da Terra. 

Continuando a coexistir vários registos para medir o tempo, o mundo adotou como padrão, para o comércio e as relações internacionais, o calendário gregoriano que divide o ano em 365 ou 366 dias, 12 meses e o mês pode variar entre os 28 e os 31 dias. O calendário gregoriano pode, como outros, ser alvo de algumas críticas (por exemplo: as semanas não coincidem com os meses), mas, ainda assim, adequa-se às necessidades e ao propósito.

Ramadão (nono mês do calendário islâmico
imagem retirada da internet

Os calendários, todos eles, tiveram a sua génese em ciclos naturais (lua ou sol), alguns mantêm a sua forma original (hebreu, islâmico e chinês, por exemplo). O calendário gregoriano, herdeiro do calendário juliano é, como já referi, o calendário adotado para marcar o início do ano civil. Tendo origem na Europa a sua generalização fica a dever-se à exportação dos padrões europeus pelo mundo. A contagem do tempo, traduzida nos calendários de todos os tipos (lunar, solar ou lunissolar), fornecem informações fiáveis sobre os ciclos naturais que se repetem anualmente, embora as alterações climáticas estejam a introduzir algum ruído. Já nada é como era. 


Os calendários registam, também, o tempo dos rituais festivos que estão associados à cultura que lhes esteve na origem. Rituais que estão ligados aos ciclos naturais, mas também às crenças, à religião e outros aspetos particulares das diferentes culturas e que não coincidem no tempo, por motivos diferentes, o Ramadão é, tal como a Páscoa, uma celebração móvel. 

O calendário gregoriano é um anuário forjado no seio da Igreja católica e data de 1582. A sua adoção generalizada decorreu ao longo de vários séculos, a Turquia só o aprovou em 1926.

deusa Ísis - imagem retirada da internet
Muito antes da carga religiosa, seja ela qual for, que foi associada aos calendários já os grupos humanos, por todo o planeta, percebiam a repetição dos dias, dos anos e dos ciclos naturais (estações do ano) e associavam-lhes rituais de celebração, os chamados ritos pagãos. As diferentes religiões, em particular as monoteístas, absorveram esses ritos para os seus calendários litúrgicos procurando conferir-lhes um sentido divino. Nem sempre o conseguiram e o Carnaval, no mundo cristão, será um dos melhores exemplos. Apesar de todas as tentativas de proibição e a sua integração no ano litúrgico, o Carnaval mantém, no essencial, as caraterísticas das festividades pré-cristãs cujas origens remontam à celebração de Ísis e Ápis, no antigo Egipto, ou, as bacanais gregas e as lupercais e saturnais romanas, ou ainda, à festa gaulesa do Inverno.


Ponta Delgada, 24 de janeiro de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 25 de janeiro de 2023

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