quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Primavera no outono

auto retrato - Aníbal C. Pires
O texto que esta semana partilho com os leitores é, direi eu, atípico. Não trata apenas de um assunto, o que não é uma novidade, mas está anarquicamente estruturado, embora seja legível e entendível por todos, como procuro que o seja sempre, por outro lado e com todas estas reservas iniciais que coloco aos leitores para, querendo, abandonar já a leitura e esperar por melhores dias, que é como quem diz: esperar por textos onde reine a estabilidade, a lógica e a sobriedade; julgo, porém, que alguns minutos nesta “Sala de Espera” não serão, de todo, desperdiçados. A continuidade ou não da leitura fica ao critério, como sempre, dos leitores.

1 - Uma viagem, uma reunião de trabalho, as brumas até à soleira, cancelamento de voos, défice de informação, falta de resposta adequada da infraestrutura aeroportuária, respostas diferenciadas das empresas de transporte aéreo, enfim um manancial de assuntos sobre os quais pensei escrever e refletir para partilhar, esta semana, com os leitores. Mas não o farei. 

As condições meteorológicas são o que são e, perante isso, pouco mais há a dizer, embora nem tudo tenha sido dito e muito há que poderia e deveria ser refletido, em particular, pelos passageiros afetados para que as suas escolhas possam ser as mais adequadas à realidade do viver insular e arquipelágico e, por outro lado poderem, com segurança, emitir opinião sobre esta ou aquela empresa de transporte aéreo e se devem, ou não, permanecer no domínio exclusivamente público.

foto de Aníbal C. Pires

A informação veiculada pela comunicação social de “referência”, sobre o assunto, vale o que vale, e bastas vezes, vale muito pouco ou mesmo nada. Vejam-se algumas manchetes, o JN dizia: “Avião da TAP esteve 15 horas a tentar aterrar na Terceira e não conseguiu”; o Expresso não resistiu e alinhou pelo mesmo diapasão, dizendo: “Avião da TAP com destino à Terceira andou mais de 15 horas às voltas para regressar a Lisboa”. Quem ler a notícia completa percebe que o título é enganoso, diria mesmo, o título é uma mentira, e que afinal a realidade é bem diferente do que nos é induzido pelas manchetes. Os cidadãos, com alguma informação, sabem que uma aeronave da tipologia utilizada no voo a que se referem as manchetes não se mantém em voo, sem reabastecer de combustível, durante tanto tempo. E se não souberem só necessitam de pensar um pouco, para concluir isso mesmo, não é possível. A comunicação social de “referência” é, cada vez menos uma referência para quem se quer manter informado e, sobretudo, livre.

Afirmei, no início, que não iria partilhar opinião e reflexão sobre os acontecimentos do passado fim de semana que afetaram voos, passageiros, transportadora aéreas e infraestruturas aeroportuárias, e mantenho o propósito. Depois da menção às manchetes, deixo mais uma nota sobre o transporte aéreo e a comodidade oferecida aos passageiros para depois “voar” para outra, ou outras questões, da atualidade, ou não.

Quem, nos passados dias de sexta, sábado e domingo, olhou para as cartas meteorológicas desta zona do Atlântico Norte, mesmo não sendo especialista no assunto facilmente constatava que as condições eram adversas para as operações aéreas, por outro lado quem costuma olhar para as aplicações que acompanham os voos em tempo real, também percebeu que algumas rotas tinham desvios, aparentemente, injustificados, pois, na mesma rota nem todos o faziam. Mesmo não sendo um especialista em aviação, nem em meteorologia, atrevo-me a dizer que: algumas transportadoras aéreas evitavam as zonas da atmosfera mais tempestuosas, ainda que tivessem de fazer um percurso mais longo, para garantir maior comodidade aos seus passageiros, outras nem por isso. As conclusões, se as houver, ficam a cargo dos leitores.

imagem retirada da internet
2 - Há muito tempo que comecei a notar que alguns, não poucos, perfis das redes sociais foram deixando cair uma bandeira que por razões diversas tinha sido adotada, pelos utilizadores, como sinal de apoio ou solidariedade, ou apenas, por ir na onda da opinião pública ocidentalizada em relação a um conflito bélico específico. Não pretendo encontrar razões, se é que as há, para este comportamento, nem isso será tão importante assim, mas aconteceu e não terei sido o único cidadão a constatar esse facto. Verdadeiramente estranho é que agora não se levante, pelos mesmos utilizadores, uma outra bandeira, ou ainda que os edifícios públicos que também optaram por erguer uma bandeira, entretanto já arriada, não icem uma outra. Esta duplicidade de comportamentos terá, seguramente, as suas justificações e todas elas, estou certo disso, estarão alicerçadas, tal como esteve a decisão de erguer uma, no conhecimento histórico, geopolítico e económico sem o qual não é possível analisar e compreender, de forma holística, o que se vai passando no mundo.

As redes “sociais” têm destas coisas. O algoritmo, ou o que quer que seja, mantém-nos numa bolha e mostra-nos uma seleção de conteúdos/publicações que encaixam nos nossos interesses, mas também escondem conteúdos/publicações através de um processo de “desterro para a sombra” (shadow ban) que permite “esconder” um usuário, um tema, uma palavra-chave, ou um hashtag (palavra-chave precedida do símbolo #). Este procedimento não é de imediato percecionado pelos usuários, mas com o tempo pode verificar-se que alguns conteúdos/publicações não são visíveis na página dos seguidores, embora esteja visível para todos na página do autor do conteúdo/publicação. Estes procedimentos não são divulgados junto dos utilizadores e configuram uma espécie de censura, ou pelo menos, uma escolha prévia, feita pela plataforma com instruções dos programadores, do que podemos e não podemos, ou devemos, ver. As democracias liberais têm destas coisas. Liberdade de expressão sim, mas sempre ao serviço da perpetuação de um modelo de pensamento que não dê muito que pensar e, sobretudo, que não seja divergente com o paradigma dominante.

3 – As artes performativas, a música, a produção audiovisual, a literatura a poesia, de entre outras manifestações culturais mais populares, ou mais eruditas, têm nos Açores uma expressão e dimensão que não encontra paralelo no país. Sei que poderá parecer imodesto, uma vez que vivo por aqui, mas a quantidade e qualidade da produção cultural açoriana merece esta nota pessoal de exultação e, um público e justo reconhecimento do muito e bom que se faz em todas as ilhas dos Açores, mas também do papel que as autarquias, ou pelo menos algumas, têm na promoção e no apoio a iniciativas culturais de diversa índole.

foto de Aníbal C. Pires

É raro referir-me a um evento ou iniciativa cultural em particular, mas hoje vou deixar uma pequena nota sobre um dos mais prestigiados encontros culturais da Região que não se confina às fronteiras do concelho e da ilha que o promove e acolhe, falo do “Outono Vivo”.

A XVIII edição do “Outono Vivo”, promovida pela Câmara Municipal da Praia da Vitória (CMPV), pela “Praia Cultural” e com o apoio de Carlos Lima (Papelaria 96) na organização da Feira do Livro, decorreu de 27 de outubro a 12 de novembro de 2023. A programação incluiu exposições, palestras, workshops e oficinas, atividades infantojuvenis, apresentações de livros e a presença de autores regionais e nacionais e, segundo Paula Sousa, vereadora da cultura da CMPV o ecletismo é uma das imagens de marca desta iniciativa cultural. E isso é bom, digo eu e os diferentes públicos que ali se deslocam para usufruir da oferta diversificada oferecida pelo “Outono Vivo”.

Participei este ano, pela terceira vez, no “Outono Vivo”. Continuo, a cada ano, a renovar a minha admiração pelo empenho e investimento da autarquia, com a diversidade da oferta da Feira do Livro, com a multiplicidade das iniciativas culturais, com o acolhimento. É justo que torne público este reconhecimento pessoal feito durante a minha participação e que expressei com seguintes palavras: … que este outono continue a ser uma imensa primavera para a música, a palavra, as artes plásticas e performativas, mas também para poesia e para a literatura.

Ponta Delgada, 28 de novembro de 2023 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 29 de novembro de 2023

terça-feira, 28 de novembro de 2023

desterro virtual

imagem retirada da internet


Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.






(...) As redes “sociais” têm destas coisas. O algoritmo, ou o que quer que seja, mantém-nos numa bolha e mostra-nos uma seleção de conteúdos/publicações que encaixam nos nossos interesses, mas também escondem conteúdos/publicações através de um processo de “desterro para a sombra” (shadow ban) que permite “esconder” um usuário, um tema, uma palavra-chave, ou um hashtag (palavra-chave precedida do símbolo #). Este procedimento não é de imediato percecionado pelos usuários, mas com o tempo pode verificar-se que alguns conteúdos/publicações não são visíveis na página dos seguidores, embora esteja visível para todos na página do autor do conteúdo/publicação. Estes procedimentos não são divulgados junto dos utilizadores e configuram uma espécie de censura, ou pelo menos, uma escolha prévia, feita pela plataforma com instruções dos programadores, do que podemos e não podemos, ou devemos, ver. As democracias liberais têm destas coisas. Liberdade de expressão sim, mas sempre ao serviço da perpetuação de um modelo de pensamento que não dê muito que pensar e, sobretudo, que não seja divergente com o paradigma dominante. (...)

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

modelo falido


A comunicação social de “referência” é, cada vez menos uma referência para quem se quer manter informado e, sobretudo, livre.



Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 27 de novembro de 2023

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

o pormenor

imagem retirada da internet
As anunciadas crises políticas tardavam, mas chegaram e instalaram-se. Uma já tem desfecho calendarizado sem, contudo, se poder prever que mudanças políticas efetivas possam daí resultar, os protagonistas serão outros, certamente, mas isso é acessório, relevante mesmo será interromper as políticas liberais que estão a destruir a Escola Pública, o Serviço Nacional de Saúde, a depauperar o país e a alimentar populismos. É essa a rutura que se deseja e que só depende do voto, sem condicionalismos, dos portugueses. 

A outra (a regional) está numa prolongada agonia e, face ao que tem sido afirmado, só terá o seu óbito em outubro de 2024. Por cá acumulam-se tensões que geram mau estar nas hostes partidárias dos partidos da coligação, em particular no seio do PSD/Açores que está profundamente dividido e sem soluções para se libertar dos aliados de ocasião. Uma parte do PSD/Açores contorciona-se para evitar perder o poder que lhe caiu no regaço sem ter feito nada, ou muito pouco, para a construção da atual solução governativa, submetendo-se à vontade e aos desvarios dos apêndices políticos de contexto que se enquistaram no poder regional, mas no PSD/Açores, nem todos os militantes e dirigentes se sentem confortáveis, não só pelos contornos da génese da coligação governamental, mas sobretudo por todos os acontecimentos que têm marcado estes três anos de governação e pela sujeição do PSD/Açores a agendas políticas determinadas por partidos que até às vésperas do ato eleitoral de 2020 eram, mais do que qualquer outros, os seus viscerais adversários políticos.

O PSD meteu-se numa camisa de “sete varas” da qual é cada vez mais difícil sair sem graves prejuízos políticos e eleitorais, isto para além da fragmentação interna que corrói. Mas esse é um assunto interno que o PSD saberá resolver.

foto de Aníbal C. Pires


Os resultados eleitorais de 2020, perda de votos e mandatos do PS, aconteceram pela incapacidade de ouvir os cidadãos e por um acentuado distanciamento do poder executivo às populações e aos seus representantes. A erosão eleitoral aconteceu por demérito da governação do PS e não pelo mérito do PSD, do CDS/PP ou do PPM, desgaste que só não foi mais penoso devido ao grave problema de saúde pública que nos afetou em 2020 e que beneficiou o partido que exercia o poder executivo.

Sei que são águas passadas, mas as revisitações têm sempre uma grande utilidade. Fui ao meu arquivo recente (março de 2023) e encontrei uma nota publicada no meu blogue que, ainda hoje, se pode utilizar quando se analisa a situação política regional. A decisão de Nuno Barata, votar contra a proposta de orçamento de 2024, estava mais do que anunciada quando, à entrada do primeiro trimestre do ano, a Iniciativa Liberal, pela voz do seu líder “rompeu” o acordo bilateral com o PSD. Numa publicação de 8 de março escrevi: “(…) Face à retirada do apoio político, da IL e do deputado independente ao Governo Regional, faria todo o sentido que o Senhor Representante da República, a quem de deve a bênção da atual solução governativa açoriana, convocasse os 5 partidos que, com apoios globais e bilaterais, garantiram a estabilidade do governo PSD/CDS/PPM, para que a situação fosse politicamente clarificada. Faria todo o sentido e é legítimo que os cidadãos tenham essa expetativa, mas tenho dúvidas que isso venha a acontecer. O Senhor Embaixador Pedro Catarino depende diretamente do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa tendo sido tão lesto a construir esta solução, não terá agora a mesma disponibilidade, agilidade e a coerência para mandar fazer o que deveria ser feito. (…)”

imagem retirada da internet
Se na altura em que a IL e Carlos Furtado, o deputado independente, tomaram esta decisão os efeitos terão sido apenas e tão-somente mediáticos, a situação que se avizinha poderá ser mais complexa, uma vez que, e embora Carlos Furtado tenha vindo dar o dito por não dito, a IL já anunciou que vai votar contra o orçamento apresentado pelo governo da coligação PSD/CDS/PPM. O Chega, ainda não terá uma posição acabada, a confiabilidade do PAN é a que se conhece, ou seja, não se pode assegurar que o orçamento não venha a ser aprovado, nem esse facto é relevante pois, o essencial ficará assegurado pela lei de enquadramento orçamental e pela gestão por duodécimos, caso o orçamento venha a ser chumbado, aliás face às taxas de execução dos planos e orçamentos anteriores não fará qualquer diferença, veja-se a posição do PSD Açores que já jurou a pés juntos que o cenário da demissão não se coloca, com ou sem orçamento aprovado. Estatutária e regimentalmente, não tem de o fazer. Eticamente só lhe ficaria bem, mas essa é uma outra discussão. O que releva na atual situação política regional é saber se o governo da coligação PSD/CDS/PPM continua a ter a legitimidade política que dispunha quando foi empossado!

Nunca coloquei em causa a legitimidade política e democrática aquando da solução construída, com base em acordos globais e bilaterais, entre os cinco partidos que viabilizaram a formação do atual governo da Região, ainda que tenha algumas reservas quanto aos procedimentos desenhados pelo Representante da República, a mando de Marcelo Rebelo de Sousa.

A legitimidade política e democrática da coligação de governo resulta e alicerça-se no quadro parlamentar ditado pelas regionais de 2020 e dos subsequentes acordos partidários, globais e bilaterais, entre cinco partidos que representavam uma maioria parlamentar. Representavam, já não representam desde que a IL “rompeu” o acordo com o PSD/Açores, o que aconteceu há oito meses, sem que daí resultasse, como seria concordante com o papel, protagonismo e compromisso que assumiu em 2020, uma iniciativa de clarificação do Senhor Representante da República.

foto de Aníbal C. Pires

Com ou sem orçamento regional o governo não se demite, disse o PSD/Açores, e não tem, como já referi, de o fazer, o que também pode significar que não apresentará uma “Moção de Confiança ao parlamento regional, por outro lado não se configura que o PS ou BE, só os grupos parlamentares o podem fazer, apresentem uma “Moção de Censura”. A rejeição de uma “Moção de Confiança” ou a aprovação de uma “Moção de Censura”, são os dois mecanismos parlamentares para provocar a queda de um governo na Região. 

Não tenho acompanhado com proximidade a vida política regional, o que significa, que a informação que detenho é pouca, contudo, não parece que se desenhe qualquer cenário parlamentar que leve à queda do governo, o que não significa que o governo da coligação PDD/CDS/PPM continue a ter a legitimidade política que tinha na génese da sua investidura. Não tem.

As interpretações podem ser as mais diversas, ou seja, com ou sem aprovação do orçamento regional para 2024 nada virá a ser diferente, o PSD/Açores mantém-se no governo, o CDS/PP e o PPM quanto ao assunto sacodem a água do capote para os partidos da oposição, em particular para o BE e para o PS, transferindo para terceiros as suas próprias responsabilidades. Por outro lado, não se vislumbra a apresentação de uma “Moção de Confiança” ou de uma “Moção de Censura” e, como tal, os órgãos de governo próprio da Região irão manter-se em funções até ao fim da legislatura, como se tudo se mantivesse como em 2020 quando o governo tomou posse. Esta é uma interpretação possível e legítima, mas outras são possíveis e igualmente legitimas.

Existe um dado objetivo que se alterou: - o governo da coligação não dispõe da maioria parlamentar que justificou a sua posse. Pode parecer apenas um pormenor, mas não é. O Senhor Representante da República validou, por este pormenor, a existência de uma maioria parlamentar e, em consequência disso a constituição do governo PSD/CDS/PPM. Tendo a premissa (o pormenor) deixado de existir cai, com ela, a legitimidade política do governo da coligação.

Ponta Delgada, 14 de novembro de 2023 

Aníbal C. Pires, in Diário Insular, 16 de novembro de 2023

da toada do mar e da terra


Fragmento da nota introdutória ao volume I da "Toada do Mar e da Terra", Aníbal C. Pires, Letras Lavadas, 2017


(...) Esta toada, dita do mar e da terra, não se confina às ilhas açorianas nem ao mar que as circunda. Aqui chegam outras melopeias vindas do Mundo trazidas pelas frentes frias, depressões, tempestades tropicais, furacões, que o anticiclone nem sempre consegue dissipar. Aqui chegam notícias de além-mar, seja qual for o quadrante de onde o vento sopra tempestuoso, ou as que a brisa suave carrega. Não estamos confinados, nem nunca estivemos. Esquecidos e abandonados à nossa sorte, Sim, mas nunca prisioneiros de vidas limitadas pelo horizonte. Fomos e somos a centralidade do Atlântico Norte e, se o sonho não vem até nós, vamos nós atrás do sonho. (...)

terça-feira, 14 de novembro de 2023

das crises

imagem retirada da internet

Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.







(...) A outra (a regional) está numa prolongada agonia e, face ao que tem sido afirmado, só terá o seu óbito em outubro de 2024. Por cá acumulam-se tensões que geram mau estar nas hostes partidárias dos partidos da coligação, em particular no seio do PSD/Açores que está profundamente dividido e sem soluções para se libertar dos aliados de ocasião. Uma parte do PSD/Açores contorciona-se para evitar perder o poder que lhe caiu no regaço sem ter feito nada, ou muito pouco, para a construção da atual solução governativa, submetendo-se à vontade e aos desvarios dos apêndices políticos de contexto que se enquistaram no poder regional, mas no PSD/Açores, nem todos os militantes e dirigentes se sentem confortáveis, não só pelos contornos da génese da coligação governamental, mas sobretudo por todos os acontecimentos que têm marcado estes três anos de governação e pela sujeição do PSD/Açores a agendas políticas determinadas por partidos que até às vésperas do ato eleitoral de 2020 eram, mais do que qualquer outros, os seus viscerais adversários políticos. (...)

domingo, 12 de novembro de 2023

ser ou não ser

imagem retirada da internet
Condenar Israel e o seu governo sionista pela barbárie que desde há 75 anos vem perpetrando sobre o povo palestino não é sinónimo de anti judaísmo ou de antissemitismo, é ser apenas humano. 

Apoiar o povo palestiniano e a sua luta pelo cumprimento das resoluções das Nações Unidas não significa que apoio o Hamas, ou outros grupos extremistas. Apoiar a Palestina significa, apenas e só, que defendo o direito dos palestinianos à terra, à vida e à paz.

Sou, antifascista e, por conseguinte, antirracista e antissionista.


sábado, 11 de novembro de 2023

do arquivo

foto de Aníbal C. Pires

Ao vasculhar no meu arquivo encontrei um texto de 19 de novembro de 2020. Retirei-lhe este fragmento que vale por si só. Digo eu!






(...) Para falar deste arquipélago e deste povo, com alguma propriedade e rigor, não basta conhecer as estatísticas, a geografia, saber do anticiclone e da Base das Lajes, ter por aqui passado férias, ou fazer referências, fica sempre bem, à Vila de Rabo de Peixe. Não! Isso não é suficiente. Não pretendo, nem para isso tenho arte, inibir os jornalistas e comentadores (profissionais ou não) que vivem no continente português a pronunciarem-se sobre o momento político que se está a viver na Região Autónoma dos Açores. Estejam à vontade para opinar, esse vosso exercício, por norma, Diverte-nos. (...)

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Manuel Gusmão - (1945-2023)

Manuel Gusmão - imagem retirada da internet
Excertos da nota do PCP sobre o falecimento de Manuel Gusmão: 

"(...) Manuel Gusmão foi um criador no campo da arte e da intervenção social e política. Teve, através desses dois caminhos nele convergentes, toda uma vida dedicada à cultura: à cultura dos que resistem e lutam, dos que sobrevivem e criam, dos explorados e dos humilhados. Homem, intelectual, militante do seu tempo, intervindo sempre, na poesia e na militância, para fazer um tempo novo. Intelectual de uma profunda cultura, construída e alicerçada no estudo e na estreita ligação com os trabalhadores e o povo português. (...)"

"(...) Manuel Gusmão fala-nos da alegria, “contra todas as evidências em contrário”. Sabendo que a procurava sempre, e sempre com os seus camaradas e com os trabalhadores, porque “Nós somos a esperança que não fica à espera (...)”

um poema de Manuel Gusmão

VARIAÇÕES DO BRANCO

Ergues o olhar: surpreendes por instantes essa hora
em que o mundo envelhece: ténues as variações do branco
parecem dissolvê-lo numa longínqua música, anterior à chuva

Ou será então a imagem submersa de um filme a preto e branco

Há próximo um branco vibrante: o da cal ainda recente
mas que a humidade salina já a espaços mordeu,
recortando as feridas cinza na varanda a que vens.

Não há ninguém aqui. Quem te chame, digo.

Há o branco baço na parede que em frente em vão separa
rua e praia. Tendo já transposto essa fronteira incerta
ou erguendo-se para lá dela há o branco pobre da areia:

As dunas plenárias sustentam os corpos deitados de mar e céu.
Aí é agora o grande branco: o clarão velado e difuso
que guarda e distribui a memória embaciada do azul
e do verde, do oiro e da prata — uma lembrança vã.

Tu escreves no visível do mundo essa névoa branca e desolada

que o motor da paisagem produz. As folhas do ar são como
se fossem as levíssimas pétalas, as vagas sílabas de uma neve –
e essa névoa engolfa, atrasa e apaga na travessia os simulacros

das coisas supostas e imaginadas que o mundo te envia
enquanto esperas por alguém que não virá

a questão das questões

foto de Aníbal C. Pires
“Como podemos ter sucesso educativo e ser felizes? Esta foi a questão das questões que ontem (dia 8 de novembro e 2023) foi colocada, por uma jovem aluna, durante um encontro debate da CDU Açores com a comunidade educativa da Escola Secundária da Ribeira Grande.

A pergunta foi feita por uma jovem aluna que assistia ao debate, por sinal com uma participação que excedeu a minha expetativa pois, tratava-se de ocupar o serão (ou parte dele) a discutir e refletir sobre a educação, a escola, os alunos, os pais e encarregados de educação, as autarquias, os docentes e não docentes, e todos os que o desejassem, pois, a entrada era livre, como livres foram as diferentes opiniões manifestadas pelos participantes. 

A minha expetativa excedeu-se, pois, o tema sendo do interesse de todos é, porém, complexo e as soluções não se prescrevem como uma receita médica, ou seja, corre-se sempre o risco de sair destas iniciativas com um sentimento perda de tempo, mas sobretudo de impotência na procura de respostas para a resolução dos diversos problemas, por vezes conflituais, que as comunidades educativas têm como preocupações.

Cheguei atrasado, como se isso fosse uma novidade dirão alguns dos presentes no debate, mas a tempo de ouvir as intervenções de abertura que estiveram a cargo da Presidente da Associação de Estudantes, de uma professora da escola e de uma representante da organização promotora do debate.

A minha participação, estava mais ou menos estruturada mentalmente, tinha como objetivo provocar consciências e promover alguma reflexão crítica. Assim fiz, ainda que não tivesse tido grande retorno face a preocupações mais pragmáticas e legítimas da audiência e que urgem por respostas no imediato.

Depois! Bem, depois a Raquel pediu a palavra para perguntar: - Como podemos ter sucesso educativo e ser felizes? 

Não vou tentar qualquer abordagem na procura de uma resposta para a Raquel, conquanto, o tenha feito, quiçá de forma atabalhoada, durante o debate. Mas sempre direi que a pergunta revela uma inquietação que deve (deveria) preocupar, desde logo, os pais e encarregados de educação, mas também os professores, a administração educativa, e os teóricos das ciências da educação. 

Pode inferir-se da pergunta da Raquel que nem sempre o sucesso (não só o educativo) se enlaça com a felicidade, ou seja, os bons resultados não garantem, de per si, que sejamos felizes.

Obrigado Raquel!

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 9 de novembro de 2023


quarta-feira, 8 de novembro de 2023

(Papelaria 96) não é o livreiro da Praia, mas podia ser

Carlos Lima - imagem retirada da internet
Uma das imagens de marca do “Outono Vivo” é a feira do livro. 

Como todas as feiras que celebram o livro, os autores e as editoras, também esta tem alguns pilares. O Carlos Lima é uma figura incontornável desta feira do livro 

Não o fiz na altura em que estive na edição do “Outono Vivo” 2023, mas faço-o agora deixando neste espaço público uma palavra de reconhecimento e agradecimento ao Carlos Lima que anualmente continua a colaborar com esta excelente e diversificada mostra de livros.

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Outono Vivo 2023

foto de Fernando Vicente
Fragmento da intervenção de apresentação dos livros: "nova antologia de autores açorianos" e "9 poetas 9 línguas, de Helena Chrystello.

O evento decorreu no bar da Academia da Juventude, na Praia da Vitória, dia 5 de novembro, pelas 15h, integrado na XVIII edição do "Outono Vivo"


aspeto da feira do livro (Outono Vivo) - foto de Aníbal C. Pires








(...) Quero também agradecer, em meu nome e em nome da autora das obras que vou apresentar, o convite da organização do “Outono Vivo” e saudar a Câmara Municipal da Praia da Vitória 




por manter bem vivo este outono que continua a ser uma imensa primavera para as artes plásticas e performativas, mas também para poesia e para a literatura. 


Neste agradecimento incluo todos os trabalhadores e voluntários que anualmente erguem e mantêm este festival das artes que é uma referência regional e nacional. (...)


 foto de Aníbal C. Pires

pormenor da exposição “Rostos de Vidas” de Maria Jorge Pinho e Melo 

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

como escrever um poema (1)

imagem retirada da internet
o canto mavioso 
das aves
o silvo aterrador
dos misseis

como escrever um poema
se o ruído do bombardeio
cala o canto das aves 
e a dor
e a morte
silenciam as palavras

como escrever um poema
se as palavras se perdem
na dor profunda de um povo
martirizado




como escrever um poema
com 
o rumor da morte
na noite
iluminada pelo fósforo branco
do bombardeio

imagem retirada da internet
como escrever um poema 
com o ensurdecedor 
clamor
das lágrimas
da mãe
que abraça o filho
morto
pelo silêncio
do mundo

como escrever um poema
se preciso ouvir
o canto das aves
se careço escutar
o riso das crianças
      a felicidade das mães
se necessito sentir
a quietude da    paz
      da paz em Gaza 
   
como escrever um poema
sem o riso das crianças     e o canto das aves


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 30 de outubro de 2023

(1) Inspirado no poema “Para escrever um poema/ Que não seja político/ Deve escutar os pássaros/ Mas para escutar os pássaros/ É preciso que cesse o bombardeio”, de Marwan Makhoul 

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

não em meu nome

imagem retirada da internet
As denúncias feitas por grupos, por personalidades e, sobretudo, pelas manifestações populares, um pouco por todo o mundo, e que nas capitais e cidades europeias, estado-unidenses, canadianas e australianas assumem uma significação mais profunda pois, contrariam a posição dos governos e das elites do chamado “ocidente”, e são, por um lado, uma clara demostração de apoio ao povo palestiniano e às suas razões, mas constituem, sobretudo, um sinal claro da clivagem entre governantes e governados. Mas se estas manifestações são impactantes, pela sua dimensão e significados, as tomadas de posição da diáspora judaica, com particular relevância nos Estados Unidos, confirmam que este não é, nem nunca foi, um conflito religioso. As comunidades judaicas, por todo o mundo, têm vindo a afirmar, inequivocamente e sob o lema “não em nosso nome”, que não se identificam com o estado sionista de Israel e defendem a existência de um Estado Palestiniano livre e soberano.

imagem retirada da internet

As corporações mediáticas continuam a construir uma narrativa de demonização do povo palestiniano e de vitimização dos israelitas alimentando equívocos e deixando no limbo as razões profundas da origem de um conflito que dura há 75 anos, mas que se começou a desenhar no final do século XIX, com a fundação do movimento sionista mundial e a realização do Primeiro Congresso Sionista em 1897, em Basileia, na Suíça, mais tarde (1917) com a “Declaração de Balfour” em que a Inglaterra se comprometeu com os dirigentes sionistas a criar o estado de Israel no território da Palestina, ou ainda o “Acordo de Haavara”, assinado em 25 de agosto de 1933, entre o Terceiro Reich e organizações sionistas, e que permitia que alguns judeus, os que podiam pagar, emigrassem para a Palestina. 

mapa da década de 40 (National Geographic)

O movimento sionista proclamou no seu congresso de Basileia a criação do estado de Israel na Palestina ancorando-se na ideia do “povo eleito”, ou seja, tinha, e tem, subjacente o conceito da supremacia do povo de “Israel” sobre outros povos. Algo semelhante ao que esteve na origem da barbárie nazi e do Holocausto Judeu durante a II Guerra Mundial. Não terá sido por acaso que a Assembleia Geral da ONU, em 1975, tenha aprovado a Resolução n.º 3379, onde se declarava o sionismo como uma forma de racismo e discriminação racial. A Resolução n.º 3379, foi revogada em 1991, pela Resolução n.º 4686. Revogação que ficou a dever-se às alterações geopolíticas que se verificaram na época. O que mudou foi o mundo, o sionismo manteve os seus princípios supremacistas.



Uma das estratégias do movimento sionista, promovida por um dos seus líderes (Max Nordau), para justificar o a fundação do sionismo, enquanto movimento político e ideológico, foi a disseminação da ideia que esta era a melhor forma de responder ao antissemitismo crescente na Europa e, assim reverter o declínio da influência da comunidade judaica.

Nem eu, nem qualquer outro cidadão minimamente esclarecido, podemos ser considerados antissemitas pois, o adjetivo semítico refere-se aos povos que falavam (ou falam) línguas semíticas, como sejam, por exemplo, os antigos Fenícios, Hebreus, Amoritas, Acadianos, Assírios, Sírios, Caldeus, Arameus e Árabes, e que entre si partilham, para além da linguística, uma ancestralidade genética. Ser antissemita é ser contra o legado cultural e científico destes povos, coisa que, está bom de ver, não sou.  

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Acusar de antissemitismo quem é contra as políticas sionistas do governo de Israel é, portanto, uma construção social sem qualquer fundamento histórico e científico, como outras representações que justificaram o racismo e a escravatura dos povos da África subsariana, o apartheid na África do Sul, os zoos humanos na Bélgica, a segregação racial nos Estados Unidos, o Holocausto (dos judeus), o Porajmos (dos ciganos), o genocídio dos povos originários nas Américas, de entre muitos outros crimes contra a humanidade, sem que nenhum deles tenha sido iniciado ou perpetrado pelos povos árabes.

As referências históricas à Palestina são seculares, o que não significa que esse território tenha sido sempre ocupado e governado pelo mesmo povo, mas essa é uma situação comum a outros territórios, regiões e países, veja-se o caso da história dos povos do continente europeu. 

Hebreus, israelitas e judeus, designam o mesmo povo e servem o mesmo propósito, embora tenham origens etimológicas diferentes. A história dá-nos conta das vagas diaspóricas deste povo e da sua dispersão pela Europa, Américas e Norte de África, mas nem todas as comunidades hebraicas saíram da região que, em determinado momento histórico, foi conhecido como o reino de Israel. As comunidades judaicas que por ali ficaram conviveram pacificamente com cristãos e muçulmanos, sendo, contudo, a comunidade menos representada. A questão religiosa não faz parte desta equação, conquanto, nos queiram de forma sistemática fazer querer que assim é. As atuais motivações do governo sionista de Israel e o apoio incondicional dos seus aliados (Estados Unidos, Inglaterra e União Europeia) são bem mais terrenas, mas a explicação fica para uma próxima oportunidade.  O assunto é complexo e esta abordagem, como é habitual com outros assuntos, quer-se objetiva sem, contudo, deixar de expressar aqui e além a minha opinião.

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Em 1947, através da Resolução n.º 181 da Assembleia Geral da ONU, aprovada em 29 de novembro, por proposta da Inglaterra foi decidida criação de dois estados na Palestina. Um estado judaico (Israel) e um estado árabe (Palestina). Esta solução foi rejeitada pelos palestinianos e pelos estados árabes. A 14 de maio de 1948 foi declarada pelos dirigentes do Movimento Sionista Mundial a criação do estado de Israel. Estas duas datas são a chave da questão palestiniana. A primeira resultou do fim da Mandato Britânico para a Palestina e da satisfação do compromisso inglês com os sionistas (Declaração de Balfour), mas também do fim da II Guerra Mundial e serviu como uma espécie de obrigação moral do ocidente para compensar o povo judeu pelo Holocausto, a segunda marca o início da Nabka e da colonização dos territórios palestinianos e do seu extermínio.

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Entre 1947 e 1948 foram deslocados mais de 700mil palestinianos e destruídas mais de 500 vilas e aldeias palestinianas pelos sionistas. O drama dos refugiados palestinianos tem aí o seu início, e ainda não teve fim pois, continuam a existir campos de refugiados palestinianos, sendo que alguns cidadãos vivem lá toda a sua vida. Algumas famílias palestinianas guardam a chave e o registo de propriedade das casas e das sua terras das quais foram despojadas pelos colonos israelitas. O conflito não se iniciou no passado dia 7 de outubro, o pecado original foi cometido há 75 anos ao qual se pode, legitimamente, aduzir a impunidade por todos os crimes cometidos contra o povo palestiniano ao longo deste período.

Antes de terminar importaria ainda acrescentar que o Hamas surgiu e ganhou força no confronto político com a Fatah (acrónimo de Movimento de Libertação Nacional da Palestina), em virtude do não cumprimento, por Israel, das Resoluções da ONU, em particular a Resolução n.º 242, de 1967. 

Como surgem e a quem servem os grupos extremistas!? Esta é uma pergunta a que Israel e os seus fiéis aliados devem responder. O que desde há 75 anos se passa na Palestina é a colonização de um território e o genocídio de um povo. Ficar apenas pelo dia 7 de outubro é redutor e não justifica, nada justifica, o que se está a passar em Gaza.

Ponta Delgada, 31 de outubro de 2023 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 1 de novembro de 2023

mães de Gaza - a abrir novembro

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as mães de Gaza
choram a morte
dos seus filhos
e padecem
e morrem
às mãos  
da indiferença do mundo
à diferença

as mães de Gaza
em pranto
não se resignam
ao destino 
que as mata
que as faz chorar
sobre as ruínas da sua terra 
roubada
colonizada

as mães de Gaza
choram 
o sangue dos inocentes
o seu pranto
em silêncio
ecoa
como um grito
na consciência
da humanidade

as mães de Gaza
sabem que a terra
é de quem por ela morre
não é de quem por ela mata

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 31 de outubro de 2023