quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Primavera no outono

auto retrato - Aníbal C. Pires
O texto que esta semana partilho com os leitores é, direi eu, atípico. Não trata apenas de um assunto, o que não é uma novidade, mas está anarquicamente estruturado, embora seja legível e entendível por todos, como procuro que o seja sempre, por outro lado e com todas estas reservas iniciais que coloco aos leitores para, querendo, abandonar já a leitura e esperar por melhores dias, que é como quem diz: esperar por textos onde reine a estabilidade, a lógica e a sobriedade; julgo, porém, que alguns minutos nesta “Sala de Espera” não serão, de todo, desperdiçados. A continuidade ou não da leitura fica ao critério, como sempre, dos leitores.

1 - Uma viagem, uma reunião de trabalho, as brumas até à soleira, cancelamento de voos, défice de informação, falta de resposta adequada da infraestrutura aeroportuária, respostas diferenciadas das empresas de transporte aéreo, enfim um manancial de assuntos sobre os quais pensei escrever e refletir para partilhar, esta semana, com os leitores. Mas não o farei. 

As condições meteorológicas são o que são e, perante isso, pouco mais há a dizer, embora nem tudo tenha sido dito e muito há que poderia e deveria ser refletido, em particular, pelos passageiros afetados para que as suas escolhas possam ser as mais adequadas à realidade do viver insular e arquipelágico e, por outro lado poderem, com segurança, emitir opinião sobre esta ou aquela empresa de transporte aéreo e se devem, ou não, permanecer no domínio exclusivamente público.

foto de Aníbal C. Pires

A informação veiculada pela comunicação social de “referência”, sobre o assunto, vale o que vale, e bastas vezes, vale muito pouco ou mesmo nada. Vejam-se algumas manchetes, o JN dizia: “Avião da TAP esteve 15 horas a tentar aterrar na Terceira e não conseguiu”; o Expresso não resistiu e alinhou pelo mesmo diapasão, dizendo: “Avião da TAP com destino à Terceira andou mais de 15 horas às voltas para regressar a Lisboa”. Quem ler a notícia completa percebe que o título é enganoso, diria mesmo, o título é uma mentira, e que afinal a realidade é bem diferente do que nos é induzido pelas manchetes. Os cidadãos, com alguma informação, sabem que uma aeronave da tipologia utilizada no voo a que se referem as manchetes não se mantém em voo, sem reabastecer de combustível, durante tanto tempo. E se não souberem só necessitam de pensar um pouco, para concluir isso mesmo, não é possível. A comunicação social de “referência” é, cada vez menos uma referência para quem se quer manter informado e, sobretudo, livre.

Afirmei, no início, que não iria partilhar opinião e reflexão sobre os acontecimentos do passado fim de semana que afetaram voos, passageiros, transportadora aéreas e infraestruturas aeroportuárias, e mantenho o propósito. Depois da menção às manchetes, deixo mais uma nota sobre o transporte aéreo e a comodidade oferecida aos passageiros para depois “voar” para outra, ou outras questões, da atualidade, ou não.

Quem, nos passados dias de sexta, sábado e domingo, olhou para as cartas meteorológicas desta zona do Atlântico Norte, mesmo não sendo especialista no assunto facilmente constatava que as condições eram adversas para as operações aéreas, por outro lado quem costuma olhar para as aplicações que acompanham os voos em tempo real, também percebeu que algumas rotas tinham desvios, aparentemente, injustificados, pois, na mesma rota nem todos o faziam. Mesmo não sendo um especialista em aviação, nem em meteorologia, atrevo-me a dizer que: algumas transportadoras aéreas evitavam as zonas da atmosfera mais tempestuosas, ainda que tivessem de fazer um percurso mais longo, para garantir maior comodidade aos seus passageiros, outras nem por isso. As conclusões, se as houver, ficam a cargo dos leitores.

imagem retirada da internet
2 - Há muito tempo que comecei a notar que alguns, não poucos, perfis das redes sociais foram deixando cair uma bandeira que por razões diversas tinha sido adotada, pelos utilizadores, como sinal de apoio ou solidariedade, ou apenas, por ir na onda da opinião pública ocidentalizada em relação a um conflito bélico específico. Não pretendo encontrar razões, se é que as há, para este comportamento, nem isso será tão importante assim, mas aconteceu e não terei sido o único cidadão a constatar esse facto. Verdadeiramente estranho é que agora não se levante, pelos mesmos utilizadores, uma outra bandeira, ou ainda que os edifícios públicos que também optaram por erguer uma bandeira, entretanto já arriada, não icem uma outra. Esta duplicidade de comportamentos terá, seguramente, as suas justificações e todas elas, estou certo disso, estarão alicerçadas, tal como esteve a decisão de erguer uma, no conhecimento histórico, geopolítico e económico sem o qual não é possível analisar e compreender, de forma holística, o que se vai passando no mundo.

As redes “sociais” têm destas coisas. O algoritmo, ou o que quer que seja, mantém-nos numa bolha e mostra-nos uma seleção de conteúdos/publicações que encaixam nos nossos interesses, mas também escondem conteúdos/publicações através de um processo de “desterro para a sombra” (shadow ban) que permite “esconder” um usuário, um tema, uma palavra-chave, ou um hashtag (palavra-chave precedida do símbolo #). Este procedimento não é de imediato percecionado pelos usuários, mas com o tempo pode verificar-se que alguns conteúdos/publicações não são visíveis na página dos seguidores, embora esteja visível para todos na página do autor do conteúdo/publicação. Estes procedimentos não são divulgados junto dos utilizadores e configuram uma espécie de censura, ou pelo menos, uma escolha prévia, feita pela plataforma com instruções dos programadores, do que podemos e não podemos, ou devemos, ver. As democracias liberais têm destas coisas. Liberdade de expressão sim, mas sempre ao serviço da perpetuação de um modelo de pensamento que não dê muito que pensar e, sobretudo, que não seja divergente com o paradigma dominante.

3 – As artes performativas, a música, a produção audiovisual, a literatura a poesia, de entre outras manifestações culturais mais populares, ou mais eruditas, têm nos Açores uma expressão e dimensão que não encontra paralelo no país. Sei que poderá parecer imodesto, uma vez que vivo por aqui, mas a quantidade e qualidade da produção cultural açoriana merece esta nota pessoal de exultação e, um público e justo reconhecimento do muito e bom que se faz em todas as ilhas dos Açores, mas também do papel que as autarquias, ou pelo menos algumas, têm na promoção e no apoio a iniciativas culturais de diversa índole.

foto de Aníbal C. Pires

É raro referir-me a um evento ou iniciativa cultural em particular, mas hoje vou deixar uma pequena nota sobre um dos mais prestigiados encontros culturais da Região que não se confina às fronteiras do concelho e da ilha que o promove e acolhe, falo do “Outono Vivo”.

A XVIII edição do “Outono Vivo”, promovida pela Câmara Municipal da Praia da Vitória (CMPV), pela “Praia Cultural” e com o apoio de Carlos Lima (Papelaria 96) na organização da Feira do Livro, decorreu de 27 de outubro a 12 de novembro de 2023. A programação incluiu exposições, palestras, workshops e oficinas, atividades infantojuvenis, apresentações de livros e a presença de autores regionais e nacionais e, segundo Paula Sousa, vereadora da cultura da CMPV o ecletismo é uma das imagens de marca desta iniciativa cultural. E isso é bom, digo eu e os diferentes públicos que ali se deslocam para usufruir da oferta diversificada oferecida pelo “Outono Vivo”.

Participei este ano, pela terceira vez, no “Outono Vivo”. Continuo, a cada ano, a renovar a minha admiração pelo empenho e investimento da autarquia, com a diversidade da oferta da Feira do Livro, com a multiplicidade das iniciativas culturais, com o acolhimento. É justo que torne público este reconhecimento pessoal feito durante a minha participação e que expressei com seguintes palavras: … que este outono continue a ser uma imensa primavera para a música, a palavra, as artes plásticas e performativas, mas também para poesia e para a literatura.

Ponta Delgada, 28 de novembro de 2023 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 29 de novembro de 2023

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