quinta-feira, 16 de novembro de 2023

o pormenor

imagem retirada da internet
As anunciadas crises políticas tardavam, mas chegaram e instalaram-se. Uma já tem desfecho calendarizado sem, contudo, se poder prever que mudanças políticas efetivas possam daí resultar, os protagonistas serão outros, certamente, mas isso é acessório, relevante mesmo será interromper as políticas liberais que estão a destruir a Escola Pública, o Serviço Nacional de Saúde, a depauperar o país e a alimentar populismos. É essa a rutura que se deseja e que só depende do voto, sem condicionalismos, dos portugueses. 

A outra (a regional) está numa prolongada agonia e, face ao que tem sido afirmado, só terá o seu óbito em outubro de 2024. Por cá acumulam-se tensões que geram mau estar nas hostes partidárias dos partidos da coligação, em particular no seio do PSD/Açores que está profundamente dividido e sem soluções para se libertar dos aliados de ocasião. Uma parte do PSD/Açores contorciona-se para evitar perder o poder que lhe caiu no regaço sem ter feito nada, ou muito pouco, para a construção da atual solução governativa, submetendo-se à vontade e aos desvarios dos apêndices políticos de contexto que se enquistaram no poder regional, mas no PSD/Açores, nem todos os militantes e dirigentes se sentem confortáveis, não só pelos contornos da génese da coligação governamental, mas sobretudo por todos os acontecimentos que têm marcado estes três anos de governação e pela sujeição do PSD/Açores a agendas políticas determinadas por partidos que até às vésperas do ato eleitoral de 2020 eram, mais do que qualquer outros, os seus viscerais adversários políticos.

O PSD meteu-se numa camisa de “sete varas” da qual é cada vez mais difícil sair sem graves prejuízos políticos e eleitorais, isto para além da fragmentação interna que corrói. Mas esse é um assunto interno que o PSD saberá resolver.

foto de Aníbal C. Pires


Os resultados eleitorais de 2020, perda de votos e mandatos do PS, aconteceram pela incapacidade de ouvir os cidadãos e por um acentuado distanciamento do poder executivo às populações e aos seus representantes. A erosão eleitoral aconteceu por demérito da governação do PS e não pelo mérito do PSD, do CDS/PP ou do PPM, desgaste que só não foi mais penoso devido ao grave problema de saúde pública que nos afetou em 2020 e que beneficiou o partido que exercia o poder executivo.

Sei que são águas passadas, mas as revisitações têm sempre uma grande utilidade. Fui ao meu arquivo recente (março de 2023) e encontrei uma nota publicada no meu blogue que, ainda hoje, se pode utilizar quando se analisa a situação política regional. A decisão de Nuno Barata, votar contra a proposta de orçamento de 2024, estava mais do que anunciada quando, à entrada do primeiro trimestre do ano, a Iniciativa Liberal, pela voz do seu líder “rompeu” o acordo bilateral com o PSD. Numa publicação de 8 de março escrevi: “(…) Face à retirada do apoio político, da IL e do deputado independente ao Governo Regional, faria todo o sentido que o Senhor Representante da República, a quem de deve a bênção da atual solução governativa açoriana, convocasse os 5 partidos que, com apoios globais e bilaterais, garantiram a estabilidade do governo PSD/CDS/PPM, para que a situação fosse politicamente clarificada. Faria todo o sentido e é legítimo que os cidadãos tenham essa expetativa, mas tenho dúvidas que isso venha a acontecer. O Senhor Embaixador Pedro Catarino depende diretamente do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa tendo sido tão lesto a construir esta solução, não terá agora a mesma disponibilidade, agilidade e a coerência para mandar fazer o que deveria ser feito. (…)”

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Se na altura em que a IL e Carlos Furtado, o deputado independente, tomaram esta decisão os efeitos terão sido apenas e tão-somente mediáticos, a situação que se avizinha poderá ser mais complexa, uma vez que, e embora Carlos Furtado tenha vindo dar o dito por não dito, a IL já anunciou que vai votar contra o orçamento apresentado pelo governo da coligação PSD/CDS/PPM. O Chega, ainda não terá uma posição acabada, a confiabilidade do PAN é a que se conhece, ou seja, não se pode assegurar que o orçamento não venha a ser aprovado, nem esse facto é relevante pois, o essencial ficará assegurado pela lei de enquadramento orçamental e pela gestão por duodécimos, caso o orçamento venha a ser chumbado, aliás face às taxas de execução dos planos e orçamentos anteriores não fará qualquer diferença, veja-se a posição do PSD Açores que já jurou a pés juntos que o cenário da demissão não se coloca, com ou sem orçamento aprovado. Estatutária e regimentalmente, não tem de o fazer. Eticamente só lhe ficaria bem, mas essa é uma outra discussão. O que releva na atual situação política regional é saber se o governo da coligação PSD/CDS/PPM continua a ter a legitimidade política que dispunha quando foi empossado!

Nunca coloquei em causa a legitimidade política e democrática aquando da solução construída, com base em acordos globais e bilaterais, entre os cinco partidos que viabilizaram a formação do atual governo da Região, ainda que tenha algumas reservas quanto aos procedimentos desenhados pelo Representante da República, a mando de Marcelo Rebelo de Sousa.

A legitimidade política e democrática da coligação de governo resulta e alicerça-se no quadro parlamentar ditado pelas regionais de 2020 e dos subsequentes acordos partidários, globais e bilaterais, entre cinco partidos que representavam uma maioria parlamentar. Representavam, já não representam desde que a IL “rompeu” o acordo com o PSD/Açores, o que aconteceu há oito meses, sem que daí resultasse, como seria concordante com o papel, protagonismo e compromisso que assumiu em 2020, uma iniciativa de clarificação do Senhor Representante da República.

foto de Aníbal C. Pires

Com ou sem orçamento regional o governo não se demite, disse o PSD/Açores, e não tem, como já referi, de o fazer, o que também pode significar que não apresentará uma “Moção de Confiança ao parlamento regional, por outro lado não se configura que o PS ou BE, só os grupos parlamentares o podem fazer, apresentem uma “Moção de Censura”. A rejeição de uma “Moção de Confiança” ou a aprovação de uma “Moção de Censura”, são os dois mecanismos parlamentares para provocar a queda de um governo na Região. 

Não tenho acompanhado com proximidade a vida política regional, o que significa, que a informação que detenho é pouca, contudo, não parece que se desenhe qualquer cenário parlamentar que leve à queda do governo, o que não significa que o governo da coligação PDD/CDS/PPM continue a ter a legitimidade política que tinha na génese da sua investidura. Não tem.

As interpretações podem ser as mais diversas, ou seja, com ou sem aprovação do orçamento regional para 2024 nada virá a ser diferente, o PSD/Açores mantém-se no governo, o CDS/PP e o PPM quanto ao assunto sacodem a água do capote para os partidos da oposição, em particular para o BE e para o PS, transferindo para terceiros as suas próprias responsabilidades. Por outro lado, não se vislumbra a apresentação de uma “Moção de Confiança” ou de uma “Moção de Censura” e, como tal, os órgãos de governo próprio da Região irão manter-se em funções até ao fim da legislatura, como se tudo se mantivesse como em 2020 quando o governo tomou posse. Esta é uma interpretação possível e legítima, mas outras são possíveis e igualmente legitimas.

Existe um dado objetivo que se alterou: - o governo da coligação não dispõe da maioria parlamentar que justificou a sua posse. Pode parecer apenas um pormenor, mas não é. O Senhor Representante da República validou, por este pormenor, a existência de uma maioria parlamentar e, em consequência disso a constituição do governo PSD/CDS/PPM. Tendo a premissa (o pormenor) deixado de existir cai, com ela, a legitimidade política do governo da coligação.

Ponta Delgada, 14 de novembro de 2023 

Aníbal C. Pires, in Diário Insular, 16 de novembro de 2023

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