quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

o que mudou, ou não

imagem retirada da internet
Os atos eleitorais têm como principal objetivo alterar os quadros políticos e parlamentares, mas sobretudo o rumo, ou assim deveria ser, das opções políticas do poder executivo assente em maiorias absolutas, em acordos de incidência parlamentar, ou como foi o caso de 2015 em acordos bilaterais de vários partidos (PCP, “Os Verdes” e o BE, com o PS). Com exceção deste último e concreto caso, pouco muda nos parlamentos portugueses (AR, ALRAA e ALRAM) e, por consequência, no poder executivo. As mudanças têm sido de protagonistas e não de políticas, por outro lado se atendermos à diversidade das representações verificam-se, substantivas, diferenças ainda que as agendas políticas dos partidos que foram ganhando assento parlamentar pouco, ou nada, tenham contribuído para que, o essencial, das opções se alterassem a favor dos trabalhadores e das populações. Satisfizeram-se clientelas segmentadas por reivindicações que em nada contribuíram para resolver o problema da exclusão, da pobreza, da precariedade, do desemprego, da produção nacional e dos micro, pequenos e médios empresários, da desertificação e promoveram a concentração da riqueza, isto para além de introduzirem na discussão política e mediática assuntos que, sendo importantes, não são prioritários para quem a grande luta diária é colocar pão na mesa para alimentar a família. 

Se considerarmos, apenas a Região Autónoma dos Açores, a situação é ainda mais gravosa. Para o comprovar basta atentar aos indicadores sociais e económicos, descodificá-los, procurar pelas razões (opções políticas) que lhe estão na origem e que a autonomia regional nunca quis ou soube resolver.

Houve um tempo em que, por força das responsabilidades políticas que detive, fazia as análises dos resultados eleitorais logo que eram conhecidos. Deixei de o fazer e, a norma tem sido evitar emitir opinião, no imediato, mas também depois de alguma reflexão. Desta vez vou quebrar a regra e tecer algumas considerações sobre as escolhas dos eleitores e o que daí adveio, mas também sobre eventuais cenários que possibilitem a formação do futuro governo, o seu significado e o que daí pode resultar para o futuro destas ilhas e deste povo.

imagem retirada da internet
Os efeitos pós-eleitorais, que resultam das opções do voto popular, no quotidiano da generalidade das populações não tem sofrido alterações de monta e, face aos resultados eleitorais dos Açores, do passado domingo, não se afigura que ocorram melhorias, por outro lado “o dito por não dito” das promessas eleitorais e a prática do exercício do poder afastam os cidadãos do direito e dever do voto, esta não será a única variável que justifica o fenómeno da abstenção, mas tem a sua importância. Sim, é verdade. A abstenção inverteu a sua tendência e baixou (55% em 2020; 50% em 2024), num quadro de aumento do número de eleitores (mais 11mil), o que pode ser justificado, por um lado pela habitual bipolarização e, por outro pelo voto de protesto que se concentrou, no essencial, no partido liderado por José Pacheco, mas também pela diversificada oferta eleitoral que terá mobilizado alguns eleitores a ir às urnas e exercer o direito e o dever de votar.

A vitória da coligação PSD, CDS e PPM, como era expetável, foi “expressiva”, mais 5300 votos que a soma dos votos obtida pelos três partidos em 2020 e, o mesmo número de deputados, ou seja 26 (em 2020 o PSD elegeu 21, o CDS 3 e o PPM 2) ou seja, a vitória tem um sabor agridoce:  faltam 3 deputados para a maioria absoluta. Contas feitas o PSD, o CDS e o PPM, não têm razões para grande contentamento.

foto de Aníbal C. Pires
As eleições regionais antecipadas foram provocadas pelo chumbo do orçamento regional para 2024 e pelos jogos de bastidor de Marcelo Rebelo de Sousa. A interrupção da governação, por norma, beneficia o(s) partido(s) que foram apeados do poder e penaliza quem esteve na origem da abrupta descontinuidade governativa. Os resultados eleitorais das eleições açorianas não confirmam a norma. O PSD/CDS/PPM mantêm o número de deputados e os responsáveis locais pela queda do governo foram premiados pelos eleitores. A IL aumentou a sua base apoio eleitoral (mais 470 votos) e o Chega, este sim com uma subida assinalável, cresceu para 5 deputados e dobrou o número de votos, ou seja, os parceiros parlamentares que estiveram na origem da queda do governo regional foram beneficiados pelos eleitores.

Ainda antes de me referir a outros resultados importa dizer que este cenário implica, sempre, o necessário apoio do Chega para que a coligação de direita possa vir a manter-se no poder, isto se a opção, passar por formar um governo minoritário, pois, mesmo com o eventual apoio da IL (um deputado) e do PAN (um deputado) isso perfaz, apenas, vinte e oito deputados, faltando um para a maioria absoluta, de onde resulta que o Chega será sempre determinante na sobrevivência de um governo da coligação PSD/CDS/PPM, ou para a formação de uma coligação governamental alargada ao Chega. 

As declarações de José Manuel Bolieiro e de José Pacheco, na noite eleitoral, valem o que costumam valer: muito pouco; é por estes dias que tudo se irá resolver e encontrar justificações para que seja encontrada uma solução governativa, pois, não estou em crer que a coligação abdique do poder e, muito menos que o Chega queira desperdiçar o resultado que obteve e poderá, num outro cenário, não voltar a repetir-se. 

Sobre a gestão que o PSD/CDS/PPM irá fazer para formar governo com ou sem o Chega, abstenho-me de fazer qualquer comentário, embora considere que o PSD tem aqui, mais uma vez, uma situação muito delicada para gerir internamente. Quanto ao CDS e ao PPM é indiferente, desde logo, por não existirem enquanto partidos para além dos líderes e, por outro lado, pelo oportunismo político que os carateriza e da sua disponibilidade para tudo aceitar e não serem arredados do poder que, em 2020, lhes caiu no colo.

foto de Aníbal C. Pires

O PS aumentou o número de eleitores e perdeu dois deputados, sendo um resultado esperado, ou seja, perder as eleições para a coligação, não configura um afundamento eleitoral e, quiçá voltará a ter o maior grupo parlamentar na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, uma vez que os partidos da coligação constituirão os seus próprios grupos. A incapacidade do PS em se libertar do passado, não se ter assumido uma oposição forte e com um projeto alternativo, esperando, sem levantar muitas ondas, que o desgaste da solução governativa “arranjada” em 2020 se esboroasse eleitoralmente. O que, como se verificou, não veio a acontecer, aliás sem surpresa.

O resultado do BE não me surpreendeu. Perdeu um deputado e mais de mil votos. A inconsistência política deste agrupamento partidário e passado que foi o auge de resposta às agendas dos movimentos sociais inorgânicos, justifica o seu declínio eleitoral nos Açores.

Por fim algumas palavras sobre os resultados obtidos pela CDU (coligação PCP/PEV). Ao contrário do sempre anunciado e desejado não submergiu eleitoralmente, tendo mesmo aumentado ligeiramente o número de votos, ainda que não tivesse sido suficiente para a eleição de um deputado. 

A CDU é a terceira força política mais votada em quatro (Corvo, Flores, Faial e S. Jorge) das nove ilhas açorianas o que não é um dado de somenos importância e comprova uma dimensão regional que outros partidos não dispõem e que beneficiaram do voto urbano de Ponta Delgada para garantir a eleição de um deputado.

Passada a euforia da noite eleitoral e dos discursos inflamados abate-se a realidade sobre os vencedores e os perdedores e, afinal, o que mudou foi muito pouco. As mesmas forças políticas representadas na ALRAA. O PSD/CDS/PPM a depender de terceiros, politicamente pouco confiáveis, para sobreviver. A esperada continuidade das políticas que colocam em causa a sustentabilidade de um modelo de desenvolvimento inclusivo e de promoção do bem-estar para quem aqui reside e trabalha.

Ponta Delgada, 6 de fevereiro de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 7 de fevereiro de 2024

Sem comentários: