domingo, 18 de fevereiro de 2024

(...) um jardim quase perfeito. (...)

“O Alfarrabista de Ponta Delgada” é uma narrativa construída a duas vozes em geografias e tempos diferentes.


«(…) Provocava-o: Porque não voas, Avelino? Aproximava-me, quase corpo a corpo, quando ele levantava a cabeça, dava-lhe um beijo. A ternura atarantava-o. Já longe, voltava-me, e via o meu amado a seguir-me com os olhos verdes, muito verdes, como os campos de Busteliberne. As mãos em concha ao redor da boca, para a palavras não se perderem no destino, gritava: “Voa Avelino. Voa para dentro do meu coração.” Um amor juvenil, doce, na extraordinária primavera, que tudo aviva, até as pedras da serra pareciam felizes no seu silêncio comunicante. (…)»


«(…) O Vento. Quem educa o vento terá um jardim quase perfeito. Educar não significa barrar-lhe o voo, uma sebe de pau branco ou louro açoriano resolveria o problema. Educar o vento é deixá-lo circular, limpo de bravuras, melodioso como um rouxinol. Trabalhando-o, ele ficará uma espécie de música. Falei uma vez do cultivo do vento ao proprietário do jardim, numa das suas passagens por S. Miguel, vindo de Paris. “Para poeta, basta-me o meu Camões”, disse.» (…)


«(…) Hei de voltar a esse sítio, quase mágico, onde julguei ser feliz, como se a juventude fosse infinita, onde beijei o único homem da minha vida. Eu não me casaria com o Avelino. Ele primeiro que eu, pressentiu: o nosso amor era como uma rabanada de vento, um capricho de Laurinha em tempo de férias. Por isso com a serenidade de quem escuta as penedias, disse para eu não voltar a procurá-lo. Nesse dia, Avelino olhou-me bem nos olhos, como se quisesse guardar a minha imagem no coração, e seguiu a falar ao rebanho e ao cão sem olhar para trás, sem nunca olhar para trás. (…)»


«Brown, meu bom amigo, não deixes cair os sonhos, mesmo que a teus pés a terra pareça fértil. Um jardineiro destituído de utopias desmerece a amizade das árvores, o canto dos pássaros sobre a manhã.»


Francisco Duarte Mangas brinda-nos com este romance que é, antes e depois de tudo, uma narrativa de singular beleza, mas também uma obra literária comprometida com as mulheres e homens de um país por construir. 


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