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A tomada de posse do novo inquilino da Casa Branca. Trata-se, como se sabe, de um regresso a que o mundo, por diferentes razões, não fica indiferente. Por mim, e para já, nada tenho a dizer, a escolha, quer se goste ou não goste, foi do povo estado-unidense e, como tal, respeitável como outras escolhas populares, digo eu que tenho uma visão diferente dos democratas encartados que por aí pululam e para os quais os resultados eleitorais só são aceitáveis quando servem os “seus” propósitos. A referência a um dos eventos está feita, sobre o que vier a acontecer decorrente da atuação da nova administração estado-unidense será, na devida altura, objeto de uma ou outra nota conforme os seus impactos internos e externos.
O dia da aludida tomada de posse coincidiu com um feriado, um de três, nos Estados Unidos dedicado a uma personalidade, neste caso é dia de Martin Luther King, uma paradoxal coincidência. O feriado dedicado a Luther King assinala-se na terceira segunda-feira de janeiro, pela proximidade com a data do seu nascimento, este ano, por acaso do calendário, aconteceu ser empossado como presidente dos Estados Unidos uma personalidade que está nos antípodas de grande humanista e símbolo da luta pelos direitos civis naquele país. Sobre Martin Luther King já esta semana foi publicado, num jornal da Região, um texto de Diniz Borges que julgo ser suficiente para honrar a sua memória e a sua luta. Dedico as próximas palavras a uma outra personalidade que, tal como Luther King, perdura para além da sua morte: Amílcar Cabral.
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“(…) isto chegou ao fim, mas depois vimos que não era o fim. É aí que reside o valor de Cabral: projetar-se para além da sua morte (…)”. Zezinha Chantre.
“(…) perdemos um grande homem, mas ele soube transmitir-nos a sua força de tal forma que a nossa luta redobrou de intensidade e chegamos à independência sem a sua presença, mas com ele no coração. (…), Amélia Araújo.
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O regime fascista e colonial português chamava terrorista a Amílcar Cabral, mas foi esse mesmo regime que empurrou os movimentos de libertação para a luta armada ao recusar todas as propostas de solução pacífica para a descolonização e a independência. No que concerne ao PAIGC e á luta pela independência de Cabo Verde e da Guiné-Bissau é bom que tenhamos em consideração o memorando enviado ao Governo português em 1960 e a nota aberta, em 1961, os quais foram ignorados, tendo a ação do governo de Salazar passado por aumentar a repressão sobre as populações e o reforço da presença militar numa clara demonstração de que o caminho da paz estava arredado dos propósitos do país colonizador.
Amílcar Cabral foi uma personalidade multifacetada e um humanista. Sei que parece um lugar-comum, mas ainda assim, direi que Cabral era um homem muito à frente do seu tempo. As questões da igualdade de género, do desenvolvimento sustentável e, por conseguinte, as questões ambientais eram, a par da justiça social, da eliminação de todas as formas de discriminação e da luta contra o colonialismo algumas das suas bandeiras e que influenciaram toda a sua vida e a sua luta.
Um aspeto do pensamento de Amílcar Cabral que a maioria dos portugueses não terá conhecimento, ou pelo menos uma consciência apurada, relaciona-se com o seu opinião em relação ao fim do regime fascista em Portugal e a luta de libertação, sobre o qual diz o seguinte: (…) Nós estamos absolutamente convencidos de que, se em Portugal se instalasse amanhã um governo que não fosse fascista, mas fosse democrático, progressista, reconhecedor dos direitos dos povos à autodeterminação e à independência, a nossa luta não teria razão de ser. Aí está a ligação íntima que pode existir entre a nossa luta e a luta antifascista em Portugal; mas também, estamos absolutamente convencidos de que, na medida em que os povos das colónias portuguesas avancem com a sua luta e se libertem totalmente de dominação colonial portuguesa, estarão contribuindo de uma maneira muito eficaz para a liquidação do regime fascista em Portugal. (…).
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A faceta poética de Amílcar Cabral não será, de todo, desconhecida dos portugueses e trago-a aqui, para ilustrar uma dimensão menos referida deste homem de cultura, este poema que se intitula: A minha poesia sou eu.
… Não, Poesia:/Não te escondas nas grutas de meu ser,/não fujas à Vida./Quebra as grades invisíveis da minha prisão,/abre de par em par as portas do meu ser/— sai…/Sai para a luta (a vida é luta)/os homens lá fora chamam por ti,/e tu, Poesia és também um Homem./Ama as Poesias de todo o Mundo,/— ama os Homens/Solta teus poemas para todas as raças,/para todas as coisas./Confunde-te comigo…/Vai, Poesia:/Toma os meus braços para abraçares o Mundo,/dá-me os teus braços para que abrace a Vida./A minha Poesia sou eu.
Poema publicado na revista “Seara nova”, em 1946. Amílcar Cabral estudava agronomia em Lisboa e tinha 22 anos.
Ponta Delgada, 20 de janeiro de 2025
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