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A Palestina era, no final do século XIX, uma terra habitada maioritariamente por árabes palestinianos (muçulmanos, cristãos e judeus). Era parte do Império Otomano e, apesar das dificuldades inerentes à época e ao contexto político e económico, vivia-se ali com relativa estabilidade e harmonia inter-religiosa. Essa realidade começou a mudar com o surgimento do sionismo político, um movimento europeu que defendia a criação de um Estado judeu (leia-se: estado sionista, pois existem diferenças substantivas, diria mesmo incompatíveis, entre a religião judaica e a ideologia sionista).
No Congresso Sionista Mundial de 1897, em Basileia, Theodor Herzl lançou as bases desse projeto. A ideia era simples, mas a sua concretização brutal: resolver a questão judaica na Europa (perseguições, pogroms, discriminação) através da fundação de um Estado exclusivamente judeu, leia-se sionista. A Palestina, de entre outros que foram equacionados, foi o território escolhido, sem ter em devida conta que ali vivia um povo pacífico e com uma cultura secular.
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Durante o Mandato Britânico da Palestina (1920–1948), dezenas de milhares de judeus europeus migraram para a Palestina, na sua maioria financiados por organizações sionistas. Muitas dessas migrações foram pacíficas, mas outras envolveram compra forçada de terras, expropriação de camponeses e construção de enclaves fechados. As tensões foram-se avolumando. A população árabe resistia, organizava greves, revoltas e boicotes, mas era sufocada e reprimida com violência.
Foi neste contexto que ocorreu um episódio pouco conhecido e debatido, vá-se lá saber porquê, mas revelador da natureza sionista e do seu projeto colonial. Refiro-me ao Acordo de Haavara, assinado em 1933 entre o regime nazi alemão e alguns líderes sionistas. O objetivo era facilitar a emigração de judeus alemães para a Palestina, transferindo parte dos seus bens, o propósito alemão era contornar o boicote económico contra o nazismo, embora este boicote, ou sanções, tivesse sido incumprido por muitas empresas europeias e estado-unidenses. O Acordo de Haavara é sintomático da estratégia sionista, ou seja, longe de ser apenas uma resposta à perseguição do povo judeu, a migração de judeus para a Palestina era parte de um projeto sem valores nem princípios, pois, dispunha-se a fazer alianças moralmente questionáveis para alcançar o seu objetivo colonial.
Com o fim do mandato britânico e da Resolução 181/1947 das Nações Unidas, que criou dois estados, o movimento sionista, em 1948, deu corpo à criação do Estado de Israel (sionista), com a oposição dos países árabes. O nascimento desse estado aconteceu com a destruição de um território, de uma cultura e de uma sociedade onde muçulmanos, cristão e judeus tinham vivido, até então, em harmonia. Mais de 700 mil palestinianos foram expulsos, centenas de aldeias foram destruídas e apagadas do mapa, e massacres como o de Deir Yassin deram início ao regime de apartheid e do genocídio do povo palestiniano. Os bárbaros acontecimentos de 1948 ficaram conhecidos como Nakba, a Catástrofe. Que os palestinianos recordam e assinalam no dia 15 de maio.Israel não nasceu num vazio. Nasceu sobre as ruínas de outra sociedade. Os refugiados palestinianos foram impedidos de regressar às suas casas, contra todas as resoluções das Nações Unidas, configurando um crime internacional. A sua terra, as suas casas, os seus campos foram apropriados pelo novo Estado, que se autodefiniu como judeu, excluindo assim os nativos não judeus, ou seja, a maioria da população antes de 1948.
No seu início o movimento sionista era um movimento político laico, mas rapidamente incorporou a religião como legitimador do projeto colonial. A ideia de que Deus prometeu esta terra ao povo judeu foi, e tem sido, usada para justificar a expulsão de palestinianos. Os colonos armados na Cisjordânia, continuam a usar essa lógica messiânica para atacar, queimar, desalojar e matar palestinianos, com o apoio e a complacência do exército sionista.
Mas não são apenas os sionistas judeus a alimentar essa ideia. O sionismo cristão, especialmente no mundo evangélico dos EUA, é uma força determinante no apoio incondicional ao estado sionista de Israel. Ancorados em interpretações bíblicas apocalípticas, os sionistas cristãos, acreditam que o regresso dos judeus à Terra Santa é uma condição essencial para o retorno de Cristo à Terra. Os sionistas cristãos contribuem para o financiamento militar, influenciam decisões políticas, promovem vetos diplomáticos e promovem o silêncio cúmplice dos crimes de guerra e de lesa humanidade perpetrados pelo estado sionista.
A Nakba não foi um evento do passado. A Nakba é um processo em curso. A cada demolição de casa em Jerusalém Oriental, a cada colono que se apropria de terras na Cisjordânia, a cada veto dos EUA no Conselho de Segurança, a cada bomba em Gaza, a cada veto ao retorno dos refugiados, a cada criança palestiniana morta, a cada oliveira arrancada, é a Nakba a perpetuar-se com o silêncio cúmplice do Mundo.
Ignorar a história e reduzir a atual situação que se verifica em Gaza e nos territórios da Palestina ocupada a um evento do calendário recente é aceitar a opressão, o apartheid, o colonialismo e o genocídio, é aceitar a desumanização de um povo, é ser cúmplice do colonialismo, do apartheid e do genocídio. Datar o 7 de outubro de 2023 como o início do conflito é construir uma narrativa que mais não serve do que apagar décadas de colonização e de barbárie. A memória da Nakba não é apenas uma questão histórica, a Nakba é do presente e trazê-la para a discussão pública é lutar por justiça e pela humanidade. E a justiça exige que a verdade histórica seja reposta: a violência teve o seu início muito antes de 7 de outubro, a violência começou com a colonização da Palestina.
Ponta Delgada, 13 de maio de 2025
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