As autonomias regionais constituem-se como a resposta do estado democrático às aspirações autonomistas dos povos insulares. A consagração constitucional conferiu às autonomias dos Açores e da Madeira o desígnio de projeto nacional e representam uma das mais bem conseguidas conquistas de Abril. Conquistas de Abril que sistematicamente têm sido alvo de uma ofensiva e sobre as quais pende uma ameaça sem precedentes e, obviamente é também sobre as autonomias regionais que incide a presente onda de destruição do Estado consagrado na Constituição.
Nos Açores a autonomia constitucional permitiu vencer atrasos seculares e possibilitou transformações sociais, culturais e económicas assinaláveis, aliás numa breve consulta comparativa aos indicadores sociais e económicos bastará para que a esta afirmação seja comprovada. Os Açores e os açorianos souberam apropriar-se de novas oportunidades e ferramentas proporcionadas pelos avanços científicos e tecnológicos e pela autonomia sem que a açorianidade tenha ficado molestada. A açorianidade, passado que foi o impacto da uniformidade reinante a partir do fim década de 90 da centúria anterior, renovou-se e reafirmou-se.
O projeto autonómico não é, seguramente, alheio a esta reafirmação da açorianidade e, também ele se consolidou e evoluiu enquanto aspiração regional, mas também, e enquanto, desígnio político nacional a autonomia dotou-se de um quadro jurídico e constitucional que lhe confere estabilidade financeira e orçamental (Lei das Finanças Regionais) e de alargadas competências legislativas que a revisão constitucional de 2004 lhe concedeu e que a 3.ª revisão do estatuto consagrou.
Neste processo histórico recente a identidade regional foi reforçada e a autonomia regista um assinalável caminho de aprofundamento e aperfeiçoamento, porém a este quadro de sucessos não corresponde um esperado desenvolvimento harmonioso interno. Os custos do viver insular têm vindo a acentuar-se. É mais caro viver nos Açores e o salário médio dos trabalhadores açorianos é inferior ao salário médio nacional, as assimetrias regionais não só se mantêm como se tem verificado, nos últimos anos, um claro retrocesso naquele que é afinal um dos fundamentos da própria autonomia – a coesão territorial, económica e social.
Os transportes aéreos e marítimos, o desenvolvimento harmonioso da Região, a redução da dependência externa, designadamente a alimentar, a dinamização do comércio interno e externo, a valorização da agricultura e das pescas, um novo paradigma para o sector do turismo, a diversificação de acordos bilaterais com países e regiões da bacia Atlântica são desafios do presente.
Sendo desafios do presente não são, todavia, novos desafios. Os constrangimentos endógenos e exógenos da economia regional são de há muito conhecidos e só a adoção de um modelo de desenvolvimento anacrónico justifica que os Açores continuem a ser hoje tão permeáveis às conjunturas externas como o eram à 4 séculos atrás.
O debate em torno da autonomia é, não só atual, como premente. Tenho vindo a afirmar que uma aparente decorrência da crise está a constituir-se numa ofensiva, sem precedentes, ao adquirido autonómico. A imposição da redução da diferenciação fiscal de 30 para 20%, o limite de atos dos órgãos de governo próprio e uma norma interpretativa que se sobrepõe à Lei das Finanças Regionais são, alguns exemplos que decorrem do “memorando de entendimento” e do Orçamento de Estado, que comprovam que a afirmação anterior não é, de todo, uma asserção gratuita.
Para além dos desafios internos a que aludi o povo açoriano está, uma vez mais, confrontado com um governo central que na sua essência não passa de um mero cobrador de impostos e tem do país uma visão macrocéfala. O futuro é de luta na defesa do adquirido autonómico e de construção de um paradigma de desenvolvimento sustentável para os Açores.
Ponta Delgada, 13 de novembro de 2011
Aníbal C. Pires, In Mundo Açoriano, 27 de janeiro de 2012
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