Conheci o Jeremias Tavares em 1983, ano em que o acaso me trouxe até à ilha do Arcanjo mas que a paixão transformou em opção de vida. Colegas de grupo disciplinar - hoje pomposamente Departamento - e de Escola, a Roberto Ivens, passado que foi o lapso de tempo necessário para quebrar ideias feitas, sobre quem vem de fora e quem aqui nasceu e sempre viveu, logo se iniciou a construção de uma sólida amizade que perdura, para lá dos percursos que cada um de nós foi trilhando, ao longo destes quase 30 anos. Amizade construída na cumplicidade e no exercício da profissão. Isto quando ser professor era um exercício de liberdade e criatividade e, quando a Escola para lá de transmitir saberes era uma incubadora de cultura e de exercício de cidadania.
Vivemos na mesma cidade mas raramente nos cruzamos. Os nossos caminhos há muito se afastaram. Foi a mudança de Escola, foi o fim dos encontros anuais de professores, foi a escassez de oportunidades, foi a vida escravizada pelo tempo.
Hoje ao fim da tarde libertei-me do tempo e fui visitar o Jeremias. Sabia onde encontrá-lo. Numa das salas do Hotel Avenida, em Ponta Delgada, o Jeremias Tavares expunha, uma vez mais, os seus trabalhos em vidro. Conhecia outros, os trabalhos em cerâmica, também presépios e outras temáticas, mas os de vidro não. Este foi o pretexto para sair à procura de um amigo que fazia tempo não abraçava.
O vidro tomou forma, luz e cor! Foi o que me ocorreu enquanto olhava cada objeto moldado pelo fogo e pela criatividade do artista. Artesão! Como o próprio faz questão de dizer quando se refere à sua atividade artística.
Depois de uma visita guiada à exposição com a explicação minuciosa das técnicas e dos materiais utilizados, porque o resto não se explica nasce do âmago do criador, foi incontornável uma rápida viagem ao passado. Aos elaborados e monumentais presépios da escola, aos seminários temáticos, ao convívio e, ao grandioso desfile do Carnaval de 1984 organizado pela Escola Roberto Ivens e que esteve na génese do Corso que as Escolas passaram a promover anualmente.
Foi um tempo em que a Escola fervilhava de ideias, um tempo de interação com o meio que a envolvia, um tempo em que se recuperavam e integravam os alunos num exercício pleno da função docente, sem a coação das coimas, sem a ameaça do corte de apoios sociais, um tempo de educação pela cultura, um tempo em que mais do que um momento se avaliava todo o percurso de aprendizagens, um tempo de respeito pelas diferenças e ritmos de cada aluno, um tempo em que tudo se relativizava e contextualizava sem a pressão da avaliação externa, interna e do desempenho, um tempo com tempo para ser professor, um tempo com tempo para crescer e aprender livre das amarras da ditadura dos números sem atributos, um tempo em que cada aluno era o centro de toda a atividade escolar.
E foi pouco, o tempo. Pouco mas suficiente para sentir que eu e o Jeremias continuamos a comungar do mesmo conceito de Escola e que a nossa amizade se continua a perpetuar no tempo. Foi bom estar com o Jeremias e com a sua arte. Fez-me bem este encontro com um amigo.
Ponta Delgada, 09 de Dezembro de 2012
Aníbal C. Pires, In Jornal Diário, 10 de Dezembro de 2012, Ponta Delgada
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