Porquê, perguntarão, os Objetivos do Milénio (ODM) quando o tema é desenvolvimento social nos Açores. Porquê falar de ODM em Portugal, na Europa, enfim no Mundo desenvolvido. Porquê se os ODM se destinam aos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento e o nosso Mundo é, o Mundo desenvolvido. Talvez se justifique, vamos a um breve olhar sobre eles.
Dos 8 ODM, 1 coloca o problema do emprego e do rendimento, ou seja, a erradicação da fome e da pobreza extrema, 2 colocam as questões da educação e formação e 1, destes 2 enfatiza a igualdade de géneros, 3 referem-se explicitamente à saúde, 1 dedica-se às questões ambientais e ao desenvolvimento sustentável e, o ultimo à regulação dos mercados financeiros, às dívidas soberanas, ao acesso a medicamentos e à informação globalizada.
Dos relatórios de avaliação da sua execução evidenciam-se alguns avanços nos países com economias emergentes mas, na sua generalidade o que se verifica é que estão muito longe de ser atingidos nos países a que se destinavam, verificando-se, por outro lado, que nos chamados países desenvolvidos o aparecimento e aumento de alguns problemas que, teoricamente, só se apuravam nos países dos outros mundos, que não o nosso Mundo. Senão, vejamos:
- O desemprego, a fome e a pobreza (ODM 1) - verifica-se na Região e no País e a tendência é para aumentar;
- Acesso à educação e ao ensino (ODM’s 2 e 3) - na Região e no País verifica-se o crescimento da taxa de abandono e a conclusão de ciclos do ensino básico está desvirtuada com a generalização da oferta de vias diferenciadas de ensino;
- Acesso à saúde e ao medicamento (ODM’s 4, 5, 6 e 8) - todos têm conhecimento das dificuldades, por indisponibilidade de rendimento, no acesso aos medicamentos e aos serviços de saúde, desde logo pela introdução das taxas moderadoras.
- Igualdade de género (ODM 3) - estando consagrado na Constituição e no Código Civil a verdade é que estamos muito longe de atingirmos a igualdade de género, designadamente no acesso ao trabalho.
- Ambiente e desenvolvimento sustentável (ODM 7) - este será na Região, não no País, o ODM sobre o qual os problemas são menos evidentes.
- Regulação dos mercados financeiros, dívida soberana e acesso à informação (ODM 8) - sobre os mercados financeiros e dívida soberana, nada a dizer, que todos nós não saibamos. Estamos a pagar bem caro os efeitos da subserviência do poder político ao poder dos oligopólios financeiros.
Penso que faz todo o sentido olhar para os ODM para se perceber a dimensão do retrocesso civilizacional quando falamos em desenvolvimento social, na Região e no País.
Agora uma breve incursão à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Atente-se ao ponto 1 do art.º 25 e que passo a citar: “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.” Importante, não é. Vejamos agora o art.º 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “1 - Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego; 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho; 3. Todo ser humano que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social; e 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.”
Como se percebe o artigo 25.º depende, no essencial, da satisfação do artigo 23.º, isto é, só com a satisfação do direito ao trabalho, justamente remunerado será possível satisfazer as necessidades básicas que o artigo 25.º reconhece como um direito elementar.
Penso que estas referências são suficientes para recolocar a discussão do desenvolvimento social no seu lugar próprio: no campo dos Direitos Humanos Fundamentais. E vale a pena refletir sobre a natureza de uma sociedade que, como a nossa, resolve suspender estes Direitos em nome de outras considerações, designadamente o pagamento de uma suposta dívida ao setor financeiro. Dívida que atinge valores incomportáveis, não pelo seu valor real mas, do valor que decorre da especulação financeira e de taxas de juro impagáveis.
Ponta Delgada, 27 de Outubro de 2013
Aníbal C. Pires, In Jornal Diário, 28 de Outubro de 2013, Ponta Delgada
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