Foto - João Pires |
Sendo professor de profissão sou, por opção, um eterno aprendiz, Gosto de aprender mais do que ensinar, e pronto. Sou um cidadão de convicções, embora me engane e tenha muitas dúvidas. Não tenho uma visão unilateral do Mundo, sou tolerante mas não tolero a intolerância. Sou por natureza desassossegado sem ser hiperativo e, inquieto-me perante a dor e o sofrimento que a iniquidade inflige, ainda que por vezes os flagelados pela injustiça sejam os seus próprios carrascos.
Não sei bem qual o propósito do parágrafo anterior para o que vem a seguir mas já que está escrito, assim fica. Fica como introdução ao tema que continua a animar apaixonadas e extremadas discussões. Não, não se trata do discurso de António Costa aos empresários chineses, nada do que foi dito pelo Secretário-geral do PS me espantou e muito menos me surpreendeu. O PS mantém-se igual a si próprio não importa com que António. Não, também não é sobre a dívida do cidadão Pedro Passos Coelho à Segurança Social, basta lembrar o caso Tecnoforma para perceber a dimensão do personagem que preside ao Conselho de Ministros. A animada discussão a que me refiro é mais comezinha e não tem dimensão nacional, dirão alguns. Eu direi que sendo regional é uma questão nacional e que tratando-se do novo modelo de transportes aéreos para a Região não é, seguramente, um assunto trivial.
O direito à mobilidade e ao não isolamento das açorianas e açorianos está diretamente relacionado com o custo do transporte. Numa Região insular, arquipelágica e distante dos continentes o transporte aéreo e marítimo assumem-se como um fatores determinantes para garantir a mobilidade, mas também como potenciadores de um modelo de desenvolvimento sustentável e harmonioso. A reivindicação da melhoria da acessibilidade por via da diminuição dos custos do transporte aéreo associada à exigência de uma rede de transportes marítimos de passageiros, carga e viaturas são, por consequência, reivindicações antigas. As respostas face às caraterísticas do “mercado” conduziram a opções diversas e todas elas, por certo, criticáveis. Não se compreende o elevado custo do transporte aéreo dentro da Região, nem o elevado preço de uma passagem aérea para o continente português, assim como ninguém compreende que numa região insular e arquipelágica não existam ligações marítimas de transporte de pessoas e viaturas a ligar todas as ilhas, durante todo o ano.
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Mas centremo-nos no transporte aéreo e no novo modelo que no final deste mês entra em vigor na Região. Até agora todas as rotas do continente para a Região e vice-versa, para qualquer das gateways, estava obrigada à prestação de serviço público. Estas Obrigações de Serviço Público (OSP) garantiam um número mínimo de frequências, a disponibilização de lugares e carga, as transportadoras recebiam a chamada indemnização compensatória por residente transportado, sendo que a tarifa de residente tinha associada um conjunto de serviços e garantias ao passageiro, o resto ditava-o o “mercado”. É bom que fique claro que as transportadoras não recebiam indemnizações pelo serviço público mas por passageiro transportado, isto porque há por aí muitos equívocos decorrentes da ignorância ou, quiçá, da má-fé.
O novo modelo não obriga a nada nas rotas liberalizadas, ou seja, a Terceira e S. Miguel ficam por conta do “mercado”, para que fique claro nenhum residente irá despender mais de 134 euros para viajar para o continente português o que não significa que não tenha de “investir” muitas centenas de euros para efetuar a viagem, uma vez que não existe um teto máximo para a tarifa, vindo posteriormente a ser ressarcido do diferencial. Tirando o facto de que as transportadoras de baixo custo não mostraram interesse em voar para a Terceira tudo parece ir funcionar. Eu diria que não, e os sinais já começam a ser visíveis. Veja-se o caso da TAP que só não abandonou a rota da Terceira à semelhança do que fez com o Faial e o Pico porque, ainda tem algumas obrigações com os Açores enquanto transportadora aérea nacional. Por outro lado o abandono das rotas do Faial e do Pico, bem assim como o reforço das ligações a S. Miguel demonstra que nem as rotas com OSP são apetecíveis comercialmente e que, à TAP privatizada lhe interessa, sobretudo, o “mercado”.
Pelas rotas que não foram liberalizadas, ou seja, as que ficam sujeitas às OSP, nenhuma transportadora aérea privada ou a privatizar (TAP) manifestou qualquer interesse. O que não deixa de ter um profundo significado se associarmos esse facto às reivindicações de que a SATA tem de garantir o serviço com a mesma qualidade (frequências, disponibilidade de lugares, etc.). Significa desde logo a importância que têm a SATA e a TAP enquanto transportadoras aéreas públicas, a SATA porque irá garantir o serviço e a TAP porque está num processo de privatização e, como tal, está a libertar-se de obrigações deficitárias, coisa que não aconteceria se a TAP se mantivesse no domínio público.
Os dogmáticos defensores da liberalização do transporte aéreo e da privatização também vivem no Faial, no Pico e na Terceira e não deixa de ser curioso que, mesmos esses, agora bradem aos céus pelas obrigações das transportadoras aéreas públicas e pela exigência que cumpram, a qualquer preço, o seus deveres sem olhar ao “mercado”.
Incongruências, diria.
Ponta Delgada, 02 de Março de 2015
Aníbal C. Pires, In Diário Insular e Açores 9, 03 de Março de 2015
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