sábado, 12 de março de 2022

Equívocos

imagem retirada da internet
Não tenho nada contra, bem pelo contrário estou disponível para participar em todas as manifestações pela paz no Mundo, não apenas pela paz na Palestina, na Ucrânia, no Iémen, na Síria, na Somália ou em qualquer outro rincão do planeta. Por mais distante que possa parecer a guerra afeta-nos. A mim perturba-me muito. Sou, por natureza, um pacifista. Mas não sou ingénuo.

As manifestações pela paz devem ser dirigidas contra os poderes (militar, político, económico e financeiro que dominam o Mundo), se assim for serão sempre a favor dos povos e pela paz. Quando tomo posição contra a ocupação da Palestina por Israel, manifesto-me contra as opções políticas de Israel e nunca contra o povo israelita. Se quero a paz para a Ucrânia é pelo povo ucraniano e pelo povo russo, não pelos seus governos.

As legítimas expressões de apoio e manifestações a favor da paz na Ucrânia onde, alguns, cidadãos expressam, genuína e generosamente, a sua preocupação sobre o sofrimento das populações afetadas, têm sido aproveitadas, de forma consciente e objetiva, por uma perigosa corrente política que serve interesses que não os da paz. Corrente política que oblitera alguns conflitos, desresponsabiliza os seus principais promotores (a oligarquia financeira que não tem, como se sabe, nacionalidade), e apoia medidas que se escudam na condenação da invasão russa, com a qual estamos todos de acordo, para continuar a promover a guerra com o anunciado reforço orçamental, pelos países europeus, para a militarização. Não é assim que se alcança a PAZ.

O formato destas manifestações tem provocado dois efeitos:  a promoção da guerra e a russofobia; qualquer deles lamentável e estou certo que a maioria dos manifestantes não é isso que pretende, mas há quem o faça de forma deliberada e para daí retirar dividendos políticos.

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O clima de crispação, provocado deliberadamente, tem provocado nas redes sociais e nas ruas o aumento da russofobia. Têm-se verificado situações graves com cidadãos russos residentes em Portugal, apenas pelo facto de serem russos. Insultos, evitamento e outros comportamentos discriminatórios. Lamentável que os cidadãos de boa vontade não percebam que a forma como se posicionam em relação à guerra na Ucrânia (a invasão russa teve início no fim de fevereiro, mas a guerra civil dura há 8 anos) prejudica os cidadãos russos que vivem e trabalham em Portugal.

Incompreensível é que alguns desses cidadãos que promovem, consciente ou inconscientemente, a russofobia, tenham, em algum momento das suas vidas e por diferentes motivos, sido vítimas de preconceito e discriminação. Estranho que esses cidadãos não tivessem, parado por uns instantes, para perceber que estão a incentivar comportamentos discriminatórios o que é, para mim, incompreensível. Agora com as imagens e notícias da discriminação de que alguns cidadãos estão a ser alvo, na sua tentativa de sair da Ucrânia, talvez percebam melhor o que quero dizer.

As sanções da União Europeia e dos Estados Unidos à Rússia foram anunciadas entraram em vigor, e os portugueses, não deixando os seus créditos por mãos alheias, já estão a pô-las em prática. Soube-se por estes dias que um restaurante lisboeta que tem na sua ementa pratos da gastronomia russa, como o bife tártaro e o frango Kiev, deixou de ser frequentado, isto é, e para que não subsistam dúvidas tem estado, como se oi dizer, “às moscas”. Percebo a atitude dos habituais e potenciais clientes: é russo não vamos, eles precisam perceber que não podem passar impunes. Percebo a intenção, mas neste como em outros casos, o desconhecimento da realidade nem sempre ajuda. Os postos de trabalho do restaurante são ocupados por cidadãos de origem portuguesa e ucraniana. Não trabalha lá um russo sequer. O boicote, a manter-se, terá como efeito a extinção dos postos de trabalho. Quem vai para o desemprego serão cidadãos ucranianos e portugueses. (fonte rtp.pt)

Os cidadãos sancionam com a recusa em adquirir produtos de origem russa, enquanto a Alemanha, como recentemente anunciou não se pode dar ao luxo de prescindir do gás russo. Gás que chega a 13 países europeus por um gasoduto que atravessa o território ucraniano e pelo o qual a Rússia paga, naturalmente, uma renda anual. Quanto ao petróleo bruto russo continua a ser comprado por empresas cujos países subscrevem as sanções à Rússia. A Shell adquiriu recentemente 100mil toneladas. A Shell derramou lágrimas de crocodilo, afirmou que foi uma decisão difícil, mas não tinha alternativa. Comprou, com desconto, a 28,50 dólares por barril. (fonte rtp.pt)

O efeito das sanções nos grandes grupos financeiros, sejam eles de que nacionalidade forem, será incipiente. Os negócios decorrem com normalidade, sem mediatismo como convém, e a circulação e acumulação de capital continua garantida pois, como os especialistas sabem, não há SWIFT que os impeça. O mesmo não se poderá dizer do cidadão comum e das pequenas empresas deste e do outro lado do Mundo, como sempre as grandes vítimas.

Ponta Delgada, 8 de março de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 9 de março de 2022

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