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Não é de agora que tenho a sensação de que o mundo se está a afundar, como se nos estivessem a encaminhar para uma conformação do pensamento e da história moldada em laboratórios de ideias (think tanks). Os sinais são preocupantes, como preocupante é a permeabilidade e a atitude de sobranceria de uma camada importante da população que vive a “ocidente” da maioria da população mundial. Permeabilidade face à informação e formação que, bastas vezes, contradiz e tenta reescrever a história, sobranceria, face a quem não aceita a imposição de uma certa forma de viver e ser, e uma recusa arrogante perante a evidência da multipolaridade mundial. O mundo é muito mais do que o idílico “jardim” de Borrel construído com a pilhagem das riquezas da “selva”.
É, para mim, claro que estamos a viver um processo de recessão civilizacional, entendendo civilização como os progressos sociais que, em particular no terceiro quarto do século XX se conquistaram e implementaram nas sociedades ditas ocidentais e o reconhecimento de um mundo de múltiplas vozes, ainda que, desse reconhecimento não tenham advindo alterações de monta nas relações entre as potências colonizadoras e os países colonizados. Veja-se, por exemplo: 90% da população do Níger não tem acesso a energia elétrica, mas 30% do urânio que alimenta as centrais nucleares francesas é extraído naquele país africano. A França foi a potência europeia colonizadora, o Níger libertou-se recentemente do jugo neocolonial francês.
A este propósito, ou despropósito, trago hoje para a “Sala de Espera” quatro acontecimentos que vou ordenar por ordem cronológica e que ilustram o que quero deixar para reflexão e discussão.
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O então primeiro-ministro de Israel, nessa intervenção que antecedia uma visita à Alemanha, acrescentou, ainda que: “(…) Hitler não planeava exterminar os judeus, foi o Grande Mufti de Jerusalém, Haj Amin Al-Husseini que o convenceu. (…)”
Haj Amin Al-Husseini, palestiniano e muçulmano, foi nomeado em 1921, pela Inglaterra, Grande Mufti de Jerusalém e foi, de facto, um apoiante de Hitler, mas daí a Benjamin Netanyahu tentar reescrever a história para justificar a ocupação da Palestina e o massacre dos palestinianos, inocentando o verdadeiro responsável pelo extermínio de seis milhões de judeus durante a II Guerra Mundial é, em si mesmo, um vergonhoso ensaio para mistificar um facto histórico.
Benjamin Netanyahu, face às críticas internas e externas, teve de se retratar e quando chegou a Berlim já levava consigo um outro discurso, ou seja, a verdade histórica.
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Disse, a determinada altura, Ursula Von der Leyen: “(…) Muitos dos vossos familiares perderam a vida quando a bomba atómica arrasou Hiroshima. Você cresceu com as histórias de sobreviventes. E você queria que ouvíssemos as mesmas histórias, que enfrentássemos o passado e aprendêssemos algo sobre o futuro. Foi um início preocupante para o G7 e que não esquecerei, especialmente numa altura em que a Rússia ameaça utilizar novamente armas nucleares. É hediondo, é perigoso – e à sombra de Hiroshima, é imperdoável. Ninguém está melhor preparado do que o Japão para nos alertar sobre o perigo extremo desta imprudência. (…)”.
A presidente da Comissão Europeia, em momento algum da sua intervenção enunciou os autores do bombardeamento (Estados Unidos), mas deixou no limbo uma ideia que pode induzir em erro os mais incautos. As reações de contestação não se fizeram esperar, tendo sido mesmo pedida a sua demissão da presidência da Comissão Europeia, mas a russofobia dominante depressa abafou mais esta tentativa de branqueamento das responsabilidades históricas.
Este episódio foi de imediato contestado e teve como efeito imediato a demissão de Anthony Rota que assumiu toda a responsabilidade pelo sucedido escudando-se no desconhecimento sobre o passado de Yaroslav Hunka na 14.ª Divisão da Waffen SS Galícia. Eu diria que o desconhecimento não pode servir de desculpa, nem a Anthony Rota, nem a Justin Trudeau, nem a nenhum dos presentes pois, como já referi a idade e o contexto do passado do cidadão de nacionalidade ucraniana-canadiana que ali foi celebrado, não deixa margem para dúvidas quanto ao lado pelo qual lutou durante a II Guerra Mundial. O Canadá enxovalhou a comunidade judaica e a comunidade internacional, bem assim como traiu a memória dos soldados canadianos que lutaram e morreram na luta contra o nazismo durante a II Guerra Mundial.
4 – Por fim a publicidade de uma distribuidora de televisão por cabo, internet e rede telefónica fixa e móvel que tem como mote: “faz amor por amor à seleção”; pretende-se, com esta campanha publicitária, incentivar o aumento da natalidade em Portugal, mas o seu propósito é apenas a angariação de mais clientes.Perguntarão os leitores, mas o que tem a ver “faz amor por amor à seleção” com os registos anteriores!? E eu direi: tem tudo. Não pode valer tudo para vender um produto, um serviço, uma ideia ou para distorcer a verdade histórica. A luta contra a mentira, a meia-verdade, a estupidificação e a falta de ética não é de agora, mas na atualidade assume-se como uma prioridade.
Este é o mundo em que vivemos a “ocidente” de um mundo que está a dar pequenos passos para, sem tutelas, escolher o seu caminho. E não pode valer tudo para continuar a vender, exportar e impor modelos sociais, culturais, políticos e económicos a um mundo culturalmente diverso.
Ponta Delgada, 3 de outubro de 2023
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