imagem retirada da internet |
Os humanos vivem no mesmo planeta, mas em mundos diferentes. Não se trata de diversidade cultural. Também, mas não só. Os mundos diferentes de que falo são: o mundo dos excessos, do luxo, da futilidade, do acessório; e o mundo da escassez onde as necessidades básicas não são satisfeitas. E não deixa de ser paradoxal que o mundo da escassez seja o que detém as maiores reservas de metais preciosos e, não me refiro apenas ao ouro. Minerais como o lítio, o cobalto e o níquel são igualmente preciosos pois, constituem-se como os principais componentes das baterias dos telemóveis e dos carros elétricos, para além de outros produtos que se constituem como fundamentais para alcançar as metas de emissões de carbono zero até 2030, no mundo dos excessos. O mundo da escassez não tem metas para reduzir as emissões de carbono, as metas do mundo da escassez são mais básicas: acesso a água potável, a alimentos, à educação e à saúde.
Não é meu propósito, e assim vai ser, aprofundar muito a questão da transição energética, mas algumas questões ligadas à exploração mineira o lítio do cobalto e do níquel colocam-me sérias dúvidas sobre o balanço ambiental e social dessa mudança de paradigma, desde logo em virtude das reservas desses minerais se situarem, na sua maioria, nos países do Sul global e as vantagens económicas se destinarem ao Norte global e outras economias emergentes.
imagem retirada da internet |
E não são, apenas, a geografia e as caraterísticas culturais diferenciadoras dos grupos humanos que separam estes mundos que coexistem no mesmo planeta. Por estes dias aconteceu a entrega de prémios, promovida por uma televisão nacional, aos vencedores de distintas áreas das artes, por estes dias aconteceu uma manifestação reivindicando habitação e dignidade para quem vive e trabalha em Lisboa, por estes dias o número de cidadãos a dormir nas ruas e praças da capital aumentou, por estes dias, também aconteceu uma manifestação racista e xenófoba que só teve impacto público pela cobertura mediática que foi dada a pouco mais de uma centena de pessoas que foram manifestar a sua intolerância, pode ler-se ignorância, aliás a exposição da insciência está na moda e ganha cada vez mais adeptos. Os donos disto tudo gostam, apoiam e promovem. Estes são alguns exemplos, na mesma geografia, de mundos diferentes.
imagem retirada da internet |
O recurso a acontecimentos que nos são próximos e de que todos ouvimos falar, até eu que não vejo televisão, não foi por acaso. Podia até referenciar alguns exemplos da cidade onde vivo para dar maior proximidade a realidades que vão ao encontro da ideia central com que iniciei este texto: vivemos todos no mesmo planeta, mas em mundos diferentes; tais são as assimetrias que se verificam e onde uns têm mais valor que outros.
E não, não me estou a referir à desvalorização social dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção RSI, nem aos inúmeros sem abrigo que vivem nas ruas e praças de Ponta Delgada e que tanto incomodam as consciências da “classe média”, ou seja, a consciência dos cidadãos assalariados com salários acima da média regional e nacional, o salário médio regional é tão baixo que para estabelecer o paralelismo socorri-me do salário médio nacional, mas a questão central são as diferenças sociais e económicas que, dentro da mesma cidade, nos separam. Para os mais distraídos e para não perder o fio à meada estou a referir-me aos pobres, sejam eles os beneficiários do RSI, os sem abrigo, os trabalhadores, os reformados e as crianças. Também na nossa proximidade há um mundo de excessos, de luxo e de acessórios a conviver, mantendo uma distância de segurança, com o mundo da escassez.
Se nos alheamos do que se passa à nossa volta e continuamos a valorizar, no sentido de manter tudo como está, o que é acessório e fútil, então a indiferença aos dramas humanitários, mais ou menos distantes, não nos inquieta e a desumanização instala-se.
A agenda 2030, aprovada pela Organização das Nações Unidas, contem um conjunto de Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), são 17, e, como não podia deixar de ser, não se limitam, apenas e só, às questões ambientais, conquanto lhes dê uma particular enfâse. Os objetivos e as medidas que constam deste documento estão por aí à distância de um clique, mas sempre direi que acabar com a pobreza e com a fome são os dois primeiros objetivos, a saúde, o trabalho, a educação, a redução das desigualdades, fazem parte desta “generosa” lista de intenções que, como nos temos habituado não passará disso mesmo: uma lista de intenções. Não quero dizer com isto que não é importante, claro que é; antes ter estas referências do que nenhumas, mas não sou ingénuo e tenho consciência de que só é possível atingir os ODS com alterações profundas na ordem mundial, e essas demoram o seu tempo, não sei sequer se virão a tempo, o que não me inibe de continuar a acreditar e lutar por essas transformações.
Ponta Delgada, 1 de outubro de 2024
2 comentários:
O problema é que somos poucos a lutar por um mundo mais justo, muitos dizem que defendem um mundo mais justo mas neste caso defender não é lutar. Já duvido de ainda viver num mundo justo e com paz, não há justiça sem paz.
Olá Emílio!
Boa tarde,
Estamos e acordo. O mundo não é um lugar justo nem pacífico, mas temos de continuar a lutar contra a corrente.
Abraço
Enviar um comentário