À volta da mesa e na degustação dos alimentos transmitem-se e herdam-se valores ancestrais. Valores que, por serem antigos, não devem ser confundidos com conservadorismo. E importa preservá-los, pois são estruturantes da educação e formação dos indivíduos, das famílias e das comunidades. Sentar a família à volta de uma refeição é um momento fundamental no quotidiano familiar, não pela satisfação da necessidade fisiológica, em si mesma, mas pelo simbolismo da partilha e, sobretudo, pelo encontro diário de pessoas unidas por laços de parentesco e pelo legado cultural e formativo que esses momentos proporcionam, se utilizados para esse efeito.
À modernidade não sobra tempo, dirão os mais cáusticos, nem para confecionar os alimentos quanto mais para conversar ou transmitir o que quer que seja durante uma refeição. À modernidade devia sobrar todo o tempo do Mundo para educar as nossas crianças e para as acompanhar em todos os aspetos do seu crescimento e formação pessoal e social. Direi eu, do cume da minha utopia!
Mas o Verão ainda aí está e a refeição deve ser leve!
Todavia, evitemos a “fast-food”. Há que aproveitar todos os momentos e circunstâncias para afirmar o que nos torna diferentes na globalização dos costumes, da cultura, da economia e do pensamento uniformizado.
A viagem pelos sabores da gastronomia popular é um percurso de descoberta de hábitos e culturas dos povos e da sua relação com o meio ambiente ao qual se foi juntando, em doses sabiamente adequadas, algumas técnicas e tecnologias.
A exiguidade de solo arável e de água determinou a “cachupa” cabo-verdiana, mais ou menos rica conforme a disponibilidade das proteínas animais. O tronco do cereal ampara a leguminosa no seu trepar em busca do sol que os irá amadurecer. O milho e o feijão passam dos campos para o prato numa simbiose perfeita e traduzem o quotidiano alimentar de um povo que, em condições de grande adversidade, soube construir os sabores da “morabeza”. Também a famosa e internacionalizada “pizza”, tal como a conhecemos hoje, teve a sua génese na ruralidade do Sul de Itália. A farinha de trigo, a cebola o tomate, o queijo, o azeite e algumas ervas aromáticas mediterrânicas, estão na sua base. Depois, bem depois foi-se industrializando e recriando sem no entanto perder a matriz que lhe esteve na origem, produtos da terra que alimentavam os povos do Sul pobre de Itália.
(*) Este texto foi escrito na Covilhã no serão do dia 11 de Agosto de 2007, após um repasto com iguarias beirãs, e publicado na imprensa regional alguns dias depois. Recuperei-o para este espaço pois a pequena reflexão que encerra é, digo eu, intemporal.
Ponta Delgada, 28 de Agosto de 2013
Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 29 de Maio de 2013, Angra do heroísmo
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