quarta-feira, 23 de abril de 2014

Omissão

Mário Soares, na sua última coluna da Visão, oferta-nos com mais um dos seus escritos branqueadores da história. Se é certo que o Movimento das Forças Armadas (MFA) executou a ação que levou à queda do regime fascista, e que o reconhecimento e agradecimento do povo português é (deve) ser ilimitado a todos os oficiais, sargentos e praças que integraram, não é menos verdade que a revolta militar não aconteceu por acaso e que a Revolução Democrática que se lhe seguiu não aconteceu apenas por vontade dos militares que lideraram e participaram no derrube do regime.
Mário Soares, ao seu melhor estilo, obliterou toda a resistência organizada que ao longo de 48 anos fez frente ao regime de Salazar e Caetano, um regime que perseguiu, encarcerou, torturou e assassinou muitos resistentes antifascistas, assim como obliterou que o MFA era constituído por militares que tinham consciência social e política, e que essa consciência era democrática e progressista, o que se comprova, desde logo com as linhas orientadoras do seu programa: “Descolonizar, Democratizar, Desenvolver”.
O antigo primeiro-ministro, responsável em 1983 pelos primeiros cortes salariais na administração pública e pela introdução dos contratos a prazo, obliterou que, o que poderia não ter passado por uma revolta militar se transformou numa Revolução Nacional e Democrática porque o Povo português encheu as ruas, avenidas e praças do país, demonstrando o seu apoio ao derrube do regime e participando no processo revolucionário que se lhe seguiu.
O antigo Presidente da República esqueceu, e não terá sido pela sua provecta idade, de se referir ao seu papel na contra revolução, na sua aliança com Carlucci e a CIA, ou ainda nas suas ligações espúrias à UNITA de Savimbi, de entre muitas outras do seu extenso currículo.
Mário Soares tem vindo nos últimos anos a afirmar o seu descontentamento pela situação que se vive no país. Descontentamento que é partilhado por um número crescente de portugueses, também por mim. Todavia não posso esquecer, não podemos nem devemos esquecer, que Mário Soares tem uma incomensurável responsabilidade pelo presente que se vive em Portugal, sendo certo que os protagonistas de hoje dão pelo nome de Coelho e Portas, nos protagonistas de ontem Mário Soares (com cravo à lapela) e Cavaco Silva (que nunca colocou cravo na lapela) têm responsabilidades que não esqueço, embora a história oficial tenha tendência a branquear o seu comprometimento com o diretório financeiro e político que dominava e domina a Europa.
Mário Soares negociou a adesão de Portugal à então CEE, e iniciou o processo de integração, ou seja, foi com Mário Soares que em Portugal se encetou o processo de desmantelamento da economia produtiva, mais tarde Cavaco Silva deu-lhe a machadada final.
A situação dramática que vivemos em Portugal tem uma história. Uma história que é anterior aos PECs de José Sócrates, à troika, e ao governo de Passos Coelho e Paulo Portas. História que, apesar dos “revolucionários” escritos e ditos de Mário Soares, eu não esqueço. O 25 de Abril é tempo de unidade e Mário Soares será bem-vindo às comemorações populares dos 40 anos da Revolução mas, começa a ser tempo desta personalidade fazer o seu “mea culpa” e assumir as responsabilidades que tem no processo que transformou Portugal num país isolado no extremo ocidental da Europa, com a sua soberania mutilada.
Ponta Delgada, 22 de Abril de 2014

Aníbal C. Pires, In Diário Insular et Açores 9, 23 de Abril de 2014

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