Foto - Madalena Pires |
Espreito o dia. Está cinzento visto da minha janela, a humidade está elevada e a visibilidade baixa. O gradiente de cinzento aproxima-se do preto quando procuro noutras janelas, a visibilidade é boa, É digital e HD. A informação chega em catadupa, textos, sons e imagens vindos dos mais remotos lugares do planeta. As novidades não são novas, a especulação continua a substituir-se à investigação, aos factos associam-se juízos num exercício de regurgitação editorial. A habitual caca informativa. O país e o mundo dependentes de Wall Street, o país e o mundo agonizantes, o país e o mundo entorpecidos como convém.
O orçamento …, o défice …, as filhas de Obama …, mercados em zoom impulsionam Wall Street, governo vai enviar 12 mil funcionários públicos para a mobilidade, participantes do big brother sueco expulsos por assédio sexual, Presidente da República lembra que todos gostariam de baixar impostos mas lembra restrições internacionais. Estes são alguns dos títulos que se podem ler por aí, nos OCS de referência. Sem dúvida interessantes e importantes mas todos na linha da imutabilidade, social, política, cultural e económica, que faz escola. É assim e sempre assim será.
A ausência de respostas, embora as alternativas existam com claras propostas de rutura, do chamado Mundo Ocidental a este, “é assim e sempre assim será”, promovem reações diferenciadas nos cidadãos. A atomização da sociedade, promovida até à exaustão nas últimas décadas, desencadeia respostas individuais para problemas comuns e que só com a mobilização coletiva terão solução, talvez por isso o Estado Islâmico (EI) seja tão atraente para alguns jovens ocidentais, é uma alternativa coletiva. O EI oferece respostas e um caminho diferente para o Mundo. Não são certamente as melhores, direi mesmo que, para além de outros fatores, o seu conservadorismo deveria ser suficiente para afastar os jovens ocidentais, existem outros caminhos de rutura sem a bênção divina.
Seria injusto se não referisse outros movimentos coletivos, aliás não faltam por aí e não me refiro a organizações partidárias ou sindicais. As organizações não-governamentais (ONG) e as seitas religiosas de inspiração cristã proliferaram como cogumelos quando em Washington, ao tempo de Henry Kissinger, dispararam algumas luzes vermelhas. Era o tempo da Teologia da Libertação na América do Sul e da tomada de consciência ambiental. Foi preciso dividir para reinar, mas não só. Cedo a velha raposa percebeu que a promoção e financiamento de movimentos cívicos despojados de matriz ideológica, ou seja, movimentos sem uma visão holística das necessárias transformações culturais, políticas, sociais e económicas que não colocariam em causa o poder hegemónico dos Estados Unidos sobre o Mundo Ocidental. Mas Henry Kissinger foi ainda mais longe no Chile e no Camboja, para só referir dois dos casos, aí patrocinou o terror e o massacre de centenas de milhares de pessoas servindo-se, respetivamente, de Pinochet e de Pol Pot.
Não fiquem os cidadãos com a ideia de que não considero as ONGs importantes e, sobretudo que não reconheço a nobreza de carácter de quem voluntária e genuinamente milita e se envolve na defesa de uma causa. Mas não tenho dúvidas sobre a instrumentalização que o poder instituído faz da generosidade desses cidadãos. Ou seja, as ONGs são assim como uma espécie de braço desburocratizado, mas executivo dos Estados, ou seja, as ONGs, inevitavelmente levam à prática as políticas oficiais, a sua independência está, assim, corrompida pelo poder.
Ponta Delgada, 14 de Outubro de 2014
Aníbal C. Pires, In Diário Insular et Açores 9, 15 de Outubro de 2014
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