quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Vale tudo

Foto - Aníbal C. Pires
Vale saúde, vale educação, Vale tudo. Vale tudo o que seja abrir portas à atividade privada em substituição do que é público, vale tudo para promover a proliferação de estabelecimentos escolares privados, vale tudo para promover a proliferação de clinicas médicas privadas, vale tudo para promover seguros de doença e planos de reforma. Vale mesmo tudo para destruir os sistemas públicos de educação, de saúde e de segurança social.
Nesta altura já os mais preconceituosos leitores terão vociferado, Lá está ele com o dogmatismo ideológico a atirar-se à iniciativa privada, E ainda antes deste parágrafo já abandonaram a leitura. Outros leitores mais tolerantes ainda aqui continuam e pensam para com os seus botões, Vamos lá ver onde é que ele quer chegar com esta entrada pouco avisada para quem pretende partilhar opinião.
Pois bem, para os leitores mais indulgentes e também para os outros que leem por obrigação, Sim também existem estes fiéis leitores que, por dever, vasculham tudo o que é publicado nos jornais, blogues e redes sociais, para esses leitores e todos os que conseguirem chegar até ao fim, vou tentar. Tentar desconstruir a ideia que, legitimamente, pode ter ferido algumas almas devotas ao mercado. Não é pela cegueira dogmática mas, sim pela defesa do interesse público e contra opções de investimento público. Não há nenhum paradoxo, nem me perdi. A propriedade é privada mas o investimento é público e, a receita virá, no essencial, do erário público, isto no que concerne à educação e à saúde. No que diz respeito à segurança social a estratégia é diferente mas de uma forma ou de outra quem paga são sempre os mesmos.
Voltemos à questão da educação e da saúde. Os investimentos nas infraestruturas e equipamentos são apoiados a fundo perdido pela panóplia de programas públicos de apoio ao investimento, à competitividade, ao empreendedorismo. O que for. É só escolher da paleta o que mais convier. Por outro lado alguns dos investimentos privados na educação e na saúde foram, ainda, objeto de classificação PIR (Projeto de Interesse Regional), o que teve como efeito a majoração do financiamento público, ou seja, o capital privado investido é residual. Dirão, e eu também diria, ainda bem. O apoio às empresas e a iniciativa privada é bem-vindo. Eu diria que sim, ainda bem, não fosse tratar-se de setores onde não existe carência de oferta pública. Na educação como se sabe a rede pública assegura as necessidades do sistema. Sendo assim deixa de fazer qualquer sentido o financiamento público, mas não fica por aqui o desperdício de dinheiros públicos. A receita destas empresas/escolas privadas está garantida pelo apoio público que lhes é concedido por cada cliente/aluno que utiliza os seus serviços. O risco do investimento é nulo e a receita está assegurada. Os orçamentos da Escola Pública e a qualidade do ensino público ressentem-se destes desmandos. 
Na saúde o princípio é o mesmo. Os investimentos privados são feitos, quase na totalidade, com financiamento público e depois convencionam-se serviços do setor público às clínicas privadas por suposta incapacidade de resposta do Serviço Regional de Saúde. Neste setor acresce o facto, que não é despiciente, de que os profissionais do serviço público são os mesmos que mantêm em funcionamento os serviços de saúde privados. Os orçamentos dos EPEs e das Unidades de Saúde de Ilha e, as respostas do serviço público ressentem-se destes desmandos.
Talvez não tenha sido claro. Fazendo uma revisão à matéria e sintetizando, a saúde e a educação devem ser assegurados por serviços públicos. A iniciativa privada, nestes setores sociais, só deve ser apoiada pelo orçamento regional quando assume um caráter supletivo dos serviços públicos, ou seja, na falta de oferta pública. A oferta privada na educação e na saúde, como qualquer outra atividade privada, deve submeter-se às tão apregoadas leis do mercado. É que isto de ter iniciativa privada com financiamento público nada tem a ver com mercado, digo eu. E não colhe, neste caso não vale tudo, o argumento da eficiência do setor privado. Exemplos da ineficiência no setor privado não faltam com os resultados que são de todos conhecidos. 
Ponta Delgada, 29 de Setembro de 2014

Aníbal C. Pires, In Diário Insular et Açores 9, 01 Outubro de 2014

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