sábado, 25 de agosto de 2018

Palavras soltas e um texto de João de Melo para a Adelaide Freitas - crónicas radiofónicas

Adelaide Freitas (imagem retirada da Internet)
Do arquivo das crónicas radiofónicas na 105 FM

Esta crónica foi para a antena a 09 de Junho de 2018 que pode ser ouvida aqui





Palavras soltas e um texto de João de Melo para a Adelaide Freitas

Nas vésperas do dia em que se comemora Portugal, Camões e as Comunidades Portuguesas, mas não só, o dia 10 de Junho é também o dia das Forças Armadas, dia do Anjo Custódio de Portugal, dia da Língua Portuguesa e dia do Cidadão Nacional. Este ano todas estas comemorações são por aqui em Ponta Delgada, assim se eu lhe trouxer este tema para conversar consigo vai aceitar com toda a naturalidade.
Mas não conte com isso, não é por nada de especial, aliás tenho maior respeito pelas instituições, sem ser acrítico, quanto às comunidades e à língua portuguesa reconheço a sua importância e o seu valor enquanto um dos maiores ativos deste pequeno país moldado pela saudade, mas também pelo saudosismo de um passado não muito longínquo que, ainda hoje, continua a influenciar uma certa forma de ser português. E por aqui me fico.
Espere, espere. Fico por aqui quanto a uma certa forma de ser português e ao desperdício que Portugal faz destes ativos, a diáspora e a língua mãe, mas consigo vou continuar mais alguns minutos, não muitos, pode ficar que não vai ter tempo de se entediar pois, como já percebeu o assunto esgotou-se e, quando assim acontece não só o tempo voa, como as palavras se aligeiram para acompanhar o voo do tempo. Não será bem assim, mas fique comigo mais uns minutos que quero partilhar consigo um texto de João de Melo para a Adelaide Freitas.
A língua portuguesa por cá comemorou-se na passada quinta-feira, com a apresentação do recente romance de Joel Neto, Meridiano 28. Por cá a língua de Camões e Pessoa cultiva-se não necessita de dia, nem de calendário, Acontece naturalmente.
A apresentação do livro de Joel Neto em Ponta Delgada coincidiu com o dia do funeral de Adelaide Freitas, que também assinou como Adelaide Baptista. Uma mulher que no seu tempo, um tempo predominantemente masculino, se afirmou na academia, na política e na literatura, como disse Urbano Bettencourt numa singela homenagem à Adelaide que precedeu a apresentação do romance do Joel Neto.
Para prestar a minha homenagem à Adelaide vou socorrer-me do texto que João de Melo publicou no passado dia 7 de Junho a propósito desta última viagem da sua conterrânea e companheira das letras.

João de Melo (imagem retirada da Internet)
“E então ela, linda como sempre, com o mesmo sorriso da infância, o mesmo cabelo de ouro velho de quando a sentavam a meu lado, na mesma carteira da escola primária da Achadinha, chegou e disse: "Olá, João, sou a Adelaide, lembras-te de mim?". Ocorreu-me tudo de repente: estávamos em 1958 e em 1983 ao mesmo tempo. Ela continuava uma menina, mas trazia agora consigo um exemplar de "O Meu Mundo Não é Deste Reino" para eu autografar. Antes e depois, cobriu-me de honras, sorrisos, elogios, palavras de professora de literatura. Nunca mais deixámos de comungar de uma infância eterna e de uma ideia de literatura com os outros, para o mundo.
Agora, Adelaide está de volta à Achadinha, desta vez para não mais regressar à cidade, levada pela mão segura de Vamberto Freitas, com uma história de amor pelo meio e esta tragédia da morte para sempre e nunca. Porque será que o dia de hoje amanheceu tão triste em Lisboa, cinzento escuro e húmido de lágrimas, com esta brisa salgada de mar, com tão invisíveis cordas de luto a amarrar-nos o coração? Venha de lá, querida Adelaide, esse teu "Sorriso Dentro da Noite"! Que ele nos ilumine um pouco este dia da tua morte - e não se lhe sobreponha este sentimento de estarmos todos tão sós, sem o amparo da tua voz, sem a certeza suave da tua presença em nós.”
João de Melo

Volto no próximo sábado, assim o espero.
Até lá,
Fique bem.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 09 de Junho de 2018

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