quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Eugénio de Andrade

imagem retirada da internet



Texto sobre o centenário do nascimento de Eugénio de Andrade escrito para a edição especial do “Barbilho” dedicada ao poeta.







“Eugénio de Andrade viveu dentro das palavras. Ou delas. Talvez as duas coisas.” (…)

Eduardo Bettencourt Pinto(1)  


Eugénio de Andrade: um compromisso com o povo e a terra

A 19 de janeiro de 2023 o calendário das memórias regista o centenário do nascimento de José Fontinhas Neto, conhecido, honrado e agraciado, no país e no mundo da poesia, como Eugénio de Andrade.

E porque a geografia dos afetos determina muito do que viremos a ser, importa não olvidar que o beirão Eugénio de Andrade nasceu a Sul da Serra da Gardunha, na Póvoa da Atalaia, concelho do Fundão, onde viveu a sua meninice e ali retornava amiúde, se é que alguma vez dali se ausentou.

“Estive sempre sentado nesta pedra

escutando, por assim dizer, o silêncio (…)

(..) Estou onde sempre estive: à beira de ser água.

 Envelhecendo no rumor da bica

por onde corre apenas o silêncio.” (…)

(In Os sulcos da Sede)

Eugénio de Andrade cantou as gentes e a terra que o viu nascer. O amor pela Beira Baixa e pelo seu povo transbordam dos seus poemas. “Mulheres de Preto” e “Fim de Outono em Manhattan” são apenas dois exemplos onde podemos colher alguns versos que nos transportam para o sentir do seu povo, para os recantos da sua aldeia, para os sons, as cores, para a suave orografia dos campos que se estendem até à raia de Espanha, para as vertentes graníticas da Gardunha, ou para o pequeno monte onde se ergue Castelo Branco e “a passo largo se caminha para o Alentejo”.

“Há muito que são velhas, vestidas

de preto até à alma.


Contra o muro

defendem-se do sol de pedra;

ao lume

furtam-se ao frio do mundo.” (…) 

(excerto do poema “Mulheres de Preto”)


“Começo este poema em Manhattan

mas é das oliveiras de Virgílio

e da Póvoa da Atalaia que vou falar.

É à sombra das suas folhas

que os meus dias

cantam ainda ao sol.” (…)

(excerto do poema “Fim de Outono em Manhattan”)

Eugénio de Andrade viveu a maior parte da sua vida longe da Póvoa da Atalaia, mas esta aldeia beirã, as suas gentes, os seus labores e a paisagem moldaram o seu modo de sentir e estar na vida. É o próprio Eugénio de Andrade que o afirma: “A minha relação com as terras baixas e interiores da Beira é materna, quero dizer: poética. A tão grande distância do tempo em que ali vivi os primeiros oito anos da minha vida, o rosto de minha mãe confunde-se com a cor doirada do restolho e daquela terra obscura onde emergem uns penedinhos com umas giestas á roda, e alguns sobreiros de passo largo a caminho do Alentejo. (…) (…) camponeses na sua quase totalidade; e quando o não eram, o seu ofício era ainda o de uma relação privilegiada com as coisas da terra: pedreiros, carpinteiros, ferreiros. Fora destes mesteres, o restante da população lavrava, semeava, sachava, colhia. Ou pastava o gado, e fabricava queijo, azeite, vinho, pão. Lembro-me do cheiro dos lagares, das queijeiras, do forno, da forja - eram cheiros que entravam pelas narinas como tantos outros, mas só esses se infiltraram no sangue e aí ficaram, depositados em sucessivas camadas, para sempre, como ficou o aroma das estevas e do feno.” (…) (excertos do texto de Eugénio de Andrade, In Um Olhar Português)

A obra poética de Eugénio Andrade não sendo panfletária é, contudo, comprometida. Com algumas exceções, como por exemplo João de Mancelos (2), a maioria dos estudiosos eugenianos olha para a obra poética deste ilustre beirão apenas na sua faceta lírica vocacionada para o amor, o erotismo e a natureza. Mas a obra poética (de palavra preocupada) e a vida, (anti-institucional), de Eugénio de Andrade, talvez por isso arredada dos holofotes que projetam os encontros sociais e as tertúlias culturais, foi sempre de compromisso e de participação cívica. Os poemas a Chico Mendes e Vasco Gonçalves são, também eles, apenas dois exemplos desta faceta de compromisso cívico e político de Eugénio de Andrade.

(1) Eduardo Bettencourt Pinto, poeta de origem açoriana, nasceu em Angola, vive em Vancouver, Canadá. A epígrafe é um pequeno excerto do prefácio (pp 31) do livro de poemas Cântico sobre uma gota de água.

(2) “Uma palavra preocupada”: A escrita como ofício de cidadania em Eugénio de Andrade, de João de Mancelos.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 20 de dezembro de 2022


6 comentários:

Emilio Antunes Rodrigues disse...

Só uma imprecisão, a Póvoa da Atalaia fica do lado norte da Gardunha bem próximo do Fundão concelho a que pertence. Desculpe amigo apesar disto não ser importante para o conhecimento do poeta porque não foi o local de nascimento que fez o poeta mas as suas circunstâncias pessoais penso , mas sou completamente leigo.

Aníbal C. Pires disse...

Olá Emílio!
Boa noite,

Conheço bem a região, sou natural de Castelo Branco e passei parte da minha infância e juventude no Fundão. O que não significa, de todo, que não pudesse estar errado. Mas se for verificar num mapa irá verificar que a Póvoa da Atalaia, assim como a Atalaia do Campo, Castelo Novo, Soalheira etc., ficam a Sul da Gardunha.

Um grande abraço e obrigado,

Aníbal C. Pires

Emilio Antunes Rodrigues disse...

Entre a freguesia do Telhado e o Fundão mais ou menos a meio caminho há uma seta a indicar Póvoa da Atalaia, vou dar-me ao trabalho de retificar ou confirmar a ideia que tenho porque fica próximo do Souto da Casa e o lado norte da Gardunha enfrenta a Estrela ou estarei enganado nos pontos cardeais?

Aníbal C. Pires disse...

A Póvoa da Atalaia fica depois de Alpedrinha.
Indo pela EN n.º 18 fica depois do cruzamento para Castelo Novo e antes do cruzamento para a Soalheira.
Sai-se da EN n. 18 e vai-se em direção à Póvoa da Atalaia e à Atalaia do Campo.
Isto tudo a Sul da Gardunha.

O Telhado fica a NorOeste do Fundão e o Souto da Casa ligeiramente a SudOeste do Fundão. Quer o Telhado quer o Souto da Casa ficam a Norte da Gardunha. O Souto da Casa, melhor dizendo, fica na vertente/encosta Norte da Gardunha.

Grande abraço amigo Emílio e obrigado

Emilio Antunes Rodrigues disse...

Ok , desculpe lá a minha teimosia mas não teimo mais

Aníbal C. Pires disse...

Olá Emílio!

Boa noite,

Não tem que pedir desculpa.

Mas para não ficarmos com dúvidas confira e vá até à Póvoa da Atalaia e aproveite para visitar a "Casa da Poesia Eugénio de Andrade".

Ser teimoso não é um defeito.

Grande abraço,

Aníbal C. Pires