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Texto sobre o centenário do nascimento de Eugénio de Andrade escrito para a edição especial do “Barbilho” dedicada ao poeta.
“Eugénio de Andrade viveu dentro das palavras. Ou delas. Talvez as duas coisas.” (…)
Eduardo Bettencourt Pinto(1)
Eugénio de Andrade: um compromisso com o povo e a terra
A 19 de janeiro de 2023 o calendário das memórias regista o centenário do nascimento de José Fontinhas Neto, conhecido, honrado e agraciado, no país e no mundo da poesia, como Eugénio de Andrade.
E porque a geografia dos afetos determina muito do que viremos a ser, importa não olvidar que o beirão Eugénio de Andrade nasceu a Sul da Serra da Gardunha, na Póvoa da Atalaia, concelho do Fundão, onde viveu a sua meninice e ali retornava amiúde, se é que alguma vez dali se ausentou.
“Estive sempre sentado nesta pedra
escutando, por assim dizer, o silêncio (…)
(..) Estou onde sempre estive: à beira de ser água.
Envelhecendo no rumor da bica
por onde corre apenas o silêncio.” (…)
(In Os sulcos da Sede)
Eugénio de Andrade cantou as gentes e a terra que o viu nascer. O amor pela Beira Baixa e pelo seu povo transbordam dos seus poemas. “Mulheres de Preto” e “Fim de Outono em Manhattan” são apenas dois exemplos onde podemos colher alguns versos que nos transportam para o sentir do seu povo, para os recantos da sua aldeia, para os sons, as cores, para a suave orografia dos campos que se estendem até à raia de Espanha, para as vertentes graníticas da Gardunha, ou para o pequeno monte onde se ergue Castelo Branco e “a passo largo se caminha para o Alentejo”.
“Há muito que são velhas, vestidas
de preto até à alma.
Contra o muro
defendem-se do sol de pedra;
ao lume
furtam-se ao frio do mundo.” (…)
(excerto do poema “Mulheres de Preto”)
“Começo este poema em Manhattan
mas é das oliveiras de Virgílio
e da Póvoa da Atalaia que vou falar.
É à sombra das suas folhas
que os meus dias
cantam ainda ao sol.” (…)
(excerto do poema “Fim de Outono em Manhattan”)
Eugénio de Andrade viveu a maior parte da sua vida longe da Póvoa da Atalaia, mas esta aldeia beirã, as suas gentes, os seus labores e a paisagem moldaram o seu modo de sentir e estar na vida. É o próprio Eugénio de Andrade que o afirma: “A minha relação com as terras baixas e interiores da Beira é materna, quero dizer: poética. A tão grande distância do tempo em que ali vivi os primeiros oito anos da minha vida, o rosto de minha mãe confunde-se com a cor doirada do restolho e daquela terra obscura onde emergem uns penedinhos com umas giestas á roda, e alguns sobreiros de passo largo a caminho do Alentejo. (…) (…) camponeses na sua quase totalidade; e quando o não eram, o seu ofício era ainda o de uma relação privilegiada com as coisas da terra: pedreiros, carpinteiros, ferreiros. Fora destes mesteres, o restante da população lavrava, semeava, sachava, colhia. Ou pastava o gado, e fabricava queijo, azeite, vinho, pão. Lembro-me do cheiro dos lagares, das queijeiras, do forno, da forja - eram cheiros que entravam pelas narinas como tantos outros, mas só esses se infiltraram no sangue e aí ficaram, depositados em sucessivas camadas, para sempre, como ficou o aroma das estevas e do feno.” (…) (excertos do texto de Eugénio de Andrade, In Um Olhar Português)A obra poética de Eugénio Andrade não sendo panfletária é, contudo, comprometida. Com algumas exceções, como por exemplo João de Mancelos (2), a maioria dos estudiosos eugenianos olha para a obra poética deste ilustre beirão apenas na sua faceta lírica vocacionada para o amor, o erotismo e a natureza. Mas a obra poética (de palavra preocupada) e a vida, (anti-institucional), de Eugénio de Andrade, talvez por isso arredada dos holofotes que projetam os encontros sociais e as tertúlias culturais, foi sempre de compromisso e de participação cívica. Os poemas a Chico Mendes e Vasco Gonçalves são, também eles, apenas dois exemplos desta faceta de compromisso cívico e político de Eugénio de Andrade.
(1) Eduardo Bettencourt Pinto, poeta de origem açoriana, nasceu em Angola, vive em Vancouver, Canadá. A epígrafe é um pequeno excerto do prefácio (pp 31) do livro de poemas Cântico sobre uma gota de água.
(2) “Uma palavra preocupada”: A escrita como ofício de cidadania em Eugénio de Andrade, de João de Mancelos.
Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 20 de dezembro de 2022
6 comentários:
Só uma imprecisão, a Póvoa da Atalaia fica do lado norte da Gardunha bem próximo do Fundão concelho a que pertence. Desculpe amigo apesar disto não ser importante para o conhecimento do poeta porque não foi o local de nascimento que fez o poeta mas as suas circunstâncias pessoais penso , mas sou completamente leigo.
Olá Emílio!
Boa noite,
Conheço bem a região, sou natural de Castelo Branco e passei parte da minha infância e juventude no Fundão. O que não significa, de todo, que não pudesse estar errado. Mas se for verificar num mapa irá verificar que a Póvoa da Atalaia, assim como a Atalaia do Campo, Castelo Novo, Soalheira etc., ficam a Sul da Gardunha.
Um grande abraço e obrigado,
Aníbal C. Pires
Entre a freguesia do Telhado e o Fundão mais ou menos a meio caminho há uma seta a indicar Póvoa da Atalaia, vou dar-me ao trabalho de retificar ou confirmar a ideia que tenho porque fica próximo do Souto da Casa e o lado norte da Gardunha enfrenta a Estrela ou estarei enganado nos pontos cardeais?
A Póvoa da Atalaia fica depois de Alpedrinha.
Indo pela EN n.º 18 fica depois do cruzamento para Castelo Novo e antes do cruzamento para a Soalheira.
Sai-se da EN n. 18 e vai-se em direção à Póvoa da Atalaia e à Atalaia do Campo.
Isto tudo a Sul da Gardunha.
O Telhado fica a NorOeste do Fundão e o Souto da Casa ligeiramente a SudOeste do Fundão. Quer o Telhado quer o Souto da Casa ficam a Norte da Gardunha. O Souto da Casa, melhor dizendo, fica na vertente/encosta Norte da Gardunha.
Grande abraço amigo Emílio e obrigado
Ok , desculpe lá a minha teimosia mas não teimo mais
Olá Emílio!
Boa noite,
Não tem que pedir desculpa.
Mas para não ficarmos com dúvidas confira e vá até à Póvoa da Atalaia e aproveite para visitar a "Casa da Poesia Eugénio de Andrade".
Ser teimoso não é um defeito.
Grande abraço,
Aníbal C. Pires
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