quarta-feira, 8 de março de 2023

Equívocos

imagem retirada da internet
As relações interpessoais em contexto familiar, como em outras conjunturas, sejam no ambiente de trabalho, na escola, no clube ou associação, não são imunes a gerarem alguma conflitualidade. O que não tem de ser dramático, afinal convivem interesses díspares e, estranho seria que em determinados momentos não tivesse lugar um choque entre distintas vontades, agendas, temperamentos. Enfim um sem número de diferenças que acabam, mais tarde ou mais cedo, por colidirem, dando assim origem a contendas que podem acarretar problemas, por vezes, insanáveis e o relacionamento ser afetado temporária ou definitivamente. Não há como evitar os litígios que se geram nas relações interpessoais, há certamente formas de os minimizar e, sobretudo, estratégias para os gerir. Não é, contudo, uma abordagem holística à gestão de conflitos nas relações interpessoais que, esta semana, trago para partilhar convosco. Este não é o espaço indicado para o efeito e o autor, tendo alguma experiência, não tem conhecimento que lhe permita fazê-lo.

As causas que, bastas vezes, estão na origem dos conflitos nas relações interpessoais, mesmo dentro do casamento, são motivados por imprecisões na comunicação ou, pela ausência dela. A comunicação, como a camaradagem, a amizade e o amor, deve ser fertilizada com clareza e utilizada sem subterfúgios ou códigos. Se assim não for os equívocos têm campo para medrar, o conflito instala-se e o afastamento acontece. Quantas e quantas vezes nos damos conta que os nossos relacionamentos, com quem tínhamos uma ligação de amizade, de trabalho, familiar (mais ou menos próxima), ou outra, esfriou e o afastamento, ou mesmo o corte de relações, acontece. Nem sempre procuramos a raiz que fez germinar a ausência, o evitamento, o afastamento ou fim de uma relação. Tenho para mim que se procurássemos encontraríamos, com alguma frequência, um mal-entendido comunicacional. Não só, mas também. 

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As razões porque não procuramos as causas são de vária índole, desde logo, por não nos sentirmos culpados pois, no nosso entendimento nunca fomos incorretos ou desleais. Eu, por exemplo, costumo dizer: problema deles, comigo só se dá mal quem quer, e, eu não disse, nem fiz nada que justifique tamanha desconsideração. Esta expressão mais não significa do que sacudir a água do capote, isto é, estou, com este procedimento, a afastar qualquer responsabilidade pelo afastamento ou corte relacional. Mas será que não tenho!? É bem possível que sim, num qualquer momento a comunicação pode ter sido mal-entendida e resultar numa reação negativa do meu interlocutor. Ou então ignoramos, de todo, pois, a vida é complexa e entendemos que a situação não merece atenção nem desperdício de energia. São procedimentos legítimos e comuns e daí não vem mal ao mundo se a contenda não assumir outros contornos, e dela não resultar mais prejuízo para as partes do que aquele que advém do fim de uma relação, ou tão somente o evitamento. 

Tudo isto é aceitável. Existem, no entanto, alguns contextos em que é possível, mas não desejável, o evitamento, mas não o afastamento. Quem partilha o mesmo ambiente de trabalho, espaços onde se desenvolvem atividades comuns, ou dentro das famílias, pode evitar, mas não se pode afastar pois, acabam sempre por acontecer momentos de interação. Nestes casos o melhor é procurar o esclarecimento e se a deterioração do relacionamento tiver resultado de um mal-entendido, provocado por uma atitude, gesto, ou palavras que, por razões diversas, foram interpretadas como uma “agressão” ou desrespeito, então o melhor mesmo é procurar desfazer o equívoco e normalizar o relacionamento. Nem sempre é possível, mas é sempre desejável.

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A comunicação oral, visual e corporal, até mesmo a escrita, é, como sabemos, sujeita a interpretações diversas. Por vezes por falta de alguns elementos comunicacionais, como por exemplo: - “não te esqueças/dizes enquanto te afastas/ainda esboço uma tentativa para /lá longe/te ouvir dizer o que não devo esquecer/já não me ouves/já não me vês/fico sem saber do que não esquecer/quero lembrar-me/tenho tanto para não esquecer/e lembro-me/mas como será que me posso lembrar/como queres que não esqueça/se te esqueceste de me dizer do que me devia lembrar.” Aníbal C. Pires, In Esperança Velha e outros poemas. A informação não se completou e pode acontecer um desentendimento, legítimo, pois faltava um elemento importante: alguém se esqueceu de dizer do que outro tinha de se lembrar. Coisa aparentemente de somenos importância, mas dependendo das circunstâncias pode ser suficiente para graves desentendimentos.  

A falta de elementos comunicacionais é mais frequente do que se possa pensar, não só pela informação estar incompleta, mas também por partirmos do pressuposto de que o que dizemos é suficiente para o entendimento do que queremos ou desejamos, ou ainda pelas diferenças na matriz cultural dos intervenientes, a interpretação do que fazemos ou dizemos nem sempre é entendida da mesma forma. Não sendo fácil eliminar todo ruído comunicacional, mas se queremos ser compreendidos sem interpretações obtusas devemos procurar que a nossa linguagem (oral, escrita, corporal) não dê aso a equívocos que possam levar a problemas nos nossos relacionamentos interpessoais. Como já referi, não é fácil. Ter consciência de que acontece é um primeiro passo para evitar mal-entendidos que podem prejudicar o relacionamento interpessoal.

Ponta Delgada, 7 de março de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 8 de março de 2023

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