domingo, 1 de junho de 2025

mulheres da Palestina - a abrir junho

imagem retirada da internet
Podia trazer uma outra imagem de mulheres palestinianas para marcar o início do mês de junho. Imagens de morte e terror, optei por uma imagem de heroísmo, luta e resistência.

São mulheres palestinianas, são mulheres que lutam e resistem. São lindas como todas as mulheres que lutam.


quarta-feira, 28 de maio de 2025

O Mundo mudou, mas o Ocidente continua em negação.

imagem retirada da internet
    Os resultados eleitorais foram dissecados até ao tutano, ainda que, nem sempre ou quase sempre, o que lhe está verdadeiramente na origem não tenha sido tomado em devida conta. Nada tenho a acrescentar ao que, desde há muito, vou deixando grafado nestes e outros textos sobre as causas que podem justificar estes resultados eleitorais e, este não é o momento, de tentar desconstruir as narrativas dominantes.

    A proximidade do ato eleitoral, a euforia de alguns, a demissão de outros e a afirmação, institucional e na rua, de quem não se verga, nem desiste, mas resiste, dizem bem da forma como os diferentes partidos políticos se posicionam, ao que veem e ao que estão. E julgo que, para já, é suficiente, pois, qualquer tentativa de expressar opinião sobre o assunto seria completamente improdutiva, não passou tempo suficiente, a poeira ainda não assentou e, como tal, a visibilidade está aquém do que é desejável para tecer considerações sobre as contradições em que este novo quadro parlamentar se irá, com naturalidade, enredar. 

    Resta a firmeza da luta a que os resistentes nos habituaram ao longo dos seus 104 anos de existência em unidade com os amantes da liberdade, da democracia e de um Estado que continue a garantir os direitos sociais, laborais, culturais e políticos, tendo como referencial a Constituição da República Portuguesa que, apesar das sete revisões a que foi sujeito o texto fundador do Portugal de Abril e de todas as tentativas para lhe retirar o essencial das conquistas da Revolução, ainda mantém a matriz que a afirmou como uma das mais progressistas da Europa.

    Como já se percebeu não é sobre os resultados eleitorais e do que que se lhe segue que versa o texto que hoje partilho com os leitores.

    O mundo gira, e gira cada vez mais rápido. E o que está a acontecer fora das nossas fronteiras, muitas vezes ignorado ou manipulado, terá um impacto muito mais profundo na vida dos povos do que os acordos parlamentares internos. Portugal à semelhança do chamado Ocidente parece descurar todas as alterações que estão a acontecer um pouco por todo o Mundo. 

imagem retirada da internet

    O Mundo está a mudar, mas o Ocidente continua a fingir, ou não quer perceber que o Eurocentrismo e o Atlantismo estão à beira de perder protagonismo e os privilégios que lhe advinham de um modelo herdado do colonialismo e que os instrumentos financeiros, Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional e, bélicos, a OTAN, foram perpetuando.


    Vivemos tempos de viragem histórica. O mundo está a mudar diante dos nossos olhos, os centros de decisão estão a deslocar-se e os dirigentes políticos ocidentais atuam como se nada tivesse sido alterado e parecem continuar a viver no passado glorioso que já não existe. A arrogância geopolítica, a fé cega no dólar, a moral seletiva e a cegueira estratégica estão a deixar os dirigentes europeus e estado-unidenses à margem de uma nova ordem internacional em formação. Se os dirigentes políticos continuarem a ignorar as profundas alterações que se têm verificado no xadrez geopolítico mundial e a não participarem na mudança avizinham-se tempos difíceis para os povos do chamado ocidente ou, se preferirem, do Norte Global, embora existam diferenças concetuais entre um e outro, mas que neste caso, retirando as questões culturais e históricas, se pode considerar uma e a mesma coisa, pois, os países que não pertencem ao ocidente, mas fazem parte do chamado Norte Global, estão politicamente alinhados a ocidente. 

imagem retirada da internet

    Vejamos então algumas transformações e podemos começar pelos BRICS. Os BRICS alargaram-se e já deixaram de ser de ser apenas uma sigla económica para se tornar um projeto político em expansão, representa hoje uma alternativa real ao modelo imposto pelo Ocidente desde o fim da chamada Guerra Fria. A sua recente e continuada expansão, os movimentos coordenados para reduzir a dependência do dólar, a chamada desdolarização, e os acordos comerciais bilaterais em moedas locais, mostram que há vida (e poder) para lá de Washington e de Bruxelas. A multipolaridade deixou de ser um cenário hipotético e já está em construção, diria mais, o processo está em movimento acelerado.

    Enquanto isso, a União Europeia continua a agir como um apêndice político dos Estados Unidos. No caso do conflito na Ucrânia, os líderes europeus alinharam cegamente com a estratégia da OTAN, mesmo depois de se tornarem óbvios os custos económicos, sociais e energéticos dessa decisão. A diplomacia foi substituída por slogans, e o realismo geopolítico, pelo pensamento ilusório (wishful thinking). Veja-se por exemplo: a Rússia não foi derrotada, (como se desejava) a Ucrânia está devastada (como previa quem racionaliza o conflito) e a Europa mais dependente e dividida do que nunca, como era óbvio que viesse a acontecer face ao efeito boomerang das sanções impostas à Rússia.

imagem retirada da internet - Ibrahim Traoré,
Presidente do Burquina Faso

    Fora da bolha euro-atlântica, o mundo já começou a reagir. Em África, especialmente no Sahel e entre os países da CEDEAO, assistimos a um levantamento contra o neocolonialismo e as elites locais aliadas às antigas potências coloniais. Em alguns casos foram Golpes de Estado? Talvez. Mas também sinais claros de que uma nova geração rejeita o papel de marioneta num teatro montado em Paris, Londres ou Washington.


    Na América Latina, o mapa político mudou. México, Colômbia, Venezuela e Brasil estão a afirmar soberania e a questionar décadas de submissão ao Fundo Monetário Internacional e aos interesses estado-unidenses, não são mais o quintal do seu vizinho do Norte. O Sul Global está a criar as suas próprias alianças, os seus próprios fóruns, a sua própria linguagem política, e veja-se o despropósito, não está à espera da aprovação de ninguém.

imagem retirada da internet
    Mas talvez o exemplo mais gritante da falência moral do Ocidente seja a Palestina. O que está a acontecer em Gaza é um genocídio transmitido em direto. E mesmo assim, os líderes ocidentais hesitam, relativizam, justificam. O direito internacional, que durante décadas foi brandido como argumento de superioridade civilizacional, tornou-se irrelevante quando os aliados do Ocidente o pisam com as botas cardadas do sionismo. A hipocrisia é total. A humanidade, ausentou-se e os direitos humanos suspenderam-se.

    E no meio de tudo isto, a China observa, investe, negocia, constrói infraestruturas, assegura matérias-primas e alarga a sua esfera de influência sem precisar de usar bombas. Pequim não precisa de ser perfeita, basta-lhe ser consistente. E está a conseguir impor-se, pacificamente, como uma potência económica e tecnológica, mas também militar para afastar qualquer devaneio na agonia da unipolaridade.

    O mundo unipolar, centrado nos Estados Unidos, está a morrer. Diria que está no estertor final, ou já só lhe faltará a certidão de óbito. Os herdeiros desse mundo, os dirigentes ocidentais, recusam-se a aceitar o óbvio e o óbito e continuam a discursar como se tudo fosse reversível, como se bastasse manter as sanções, repetir mantras democráticos e financiar mais umas guerras por procuração de que a história está repleta, mas não precisamos recuar no tempo para encontrar exemplos, acontece na Ucrânia e, mais recentemente na Síria.

imagem retirada da internet

    O problema é que o mundo já não está a ouvir a Kaja Kallas, a Ursula von der Leyen, o António Costa, ou a Administração estado-unidense e muito menos os analistas que, por cá, repetem as palavras dos grandes centros de poder com atraso e a convicção que lhes é paga. O Sul Global está a libertar-se do jugo neocolonial e a afirmar-se sem tutelas. Não perceber, ou pelo menos, não prestar atenção às alterações na geopolítica mundial e, sobretudo, não participar e aceitar o fim da unilateralidade e participar no processo de construção de uma nova ordem mundial ancorada na multipolaridade é um erro. E os erros, como sabemos, costumam pagar-se bem caros.

Ponta Delgada, 27 de maio de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 28 de maio de 2025

terça-feira, 27 de maio de 2025

o mundo em mudança e... a Palestina

imagem retirada da internet



Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.




(...) Fora da bolha euro-atlântica, o mundo já começou a reagir. Em África, especialmente no Sahel e entre os países da CEDEAO, assistimos a um levantamento contra o neocolonialismo e as elites locais aliadas às antigas potências coloniais. Em alguns casos foram Golpes de Estado? Talvez. Mas também sinais claros de que uma nova geração rejeita o papel de marioneta num teatro montado em Paris, Londres ou Washington.

Na América Latina, o mapa político mudou. México, Colômbia, Venezuela e Brasil estão a afirmar soberania e a questionar décadas de submissão ao Fundo Monetário Internacional e aos interesses estado-unidenses, não são mais o quintal do seu vizinho do Norte. O Sul Global está a criar as suas próprias alianças, os seus próprios fóruns, a sua própria linguagem política, e veja-se o despropósito, não está à espera da aprovação de ninguém.

Mas talvez o exemplo mais gritante da falência moral do Ocidente seja a Palestina. O que está a acontecer em Gaza é um genocídio transmitido em direto. E mesmo assim, os líderes ocidentais hesitam, relativizam, justificam. O direito internacional, que durante décadas foi brandido como argumento de superioridade civilizacional, tornou-se irrelevante quando os aliados do Ocidente o pisam com as botas cardadas do sionismo. A hipocrisia é total. A humanidade, ausentou-se e os direitos humanos suspenderam-se. (...)


domingo, 18 de maio de 2025

Nakba - a catástrofe.

imagem retirada da internet
No discurso dominante ocidental, o conflito na Palestina parece ter nascido a 7 de outubro de 2023. Desde essa data, os noticiários e o mainstream passaram a repetir análises simplificadas e simplistas, retratando Israel como uma democracia alvo de ataques por forças bárbaras. Muitas imagens foram instrumentalizadas e algumas, no mínimo, manipuladas para induzir repulsa seletiva, desumanizar os palestinianos, legitimar uma campanha militar genocida em Gaza e um silêncio cúmplice, fez-se ouvir no Mundo, perante os crimes de guerra, perante a barbárie. Mas quem olha para o mundo para além da espuma mediática reconhece outra realidade. A narrativa dominante é falsa e serve para legitimar um processo colonial e genocida promovido pelo sionismo. A génese deste conflito não começou em 2023, nem em 2000, nem em 1967. O conflito não começou com o Hamas. O conflito começou com a Nakba, a Catástrofe palestiniana, e a origem deste projeto colonial é muito anterior a 1948, remonta ao fim do século XIX.

A Palestina era, no final do século XIX, uma terra habitada maioritariamente por árabes palestinianos (muçulmanos, cristãos e judeus). Era parte do Império Otomano e, apesar das dificuldades inerentes à época e ao contexto político e económico, vivia-se ali com relativa estabilidade e harmonia inter-religiosa. Essa realidade começou a mudar com o surgimento do sionismo político, um movimento europeu que defendia a criação de um Estado judeu (leia-se: estado sionista, pois existem diferenças substantivas, diria mesmo incompatíveis, entre a religião judaica e a ideologia sionista).

No Congresso Sionista Mundial de 1897, em Basileia, Theodor Herzl lançou as bases desse projeto. A ideia era simples, mas a sua concretização brutal: resolver a questão judaica na Europa (perseguições, pogroms, discriminação) através da fundação de um Estado exclusivamente judeu, leia-se sionista. A Palestina, de entre outros que foram equacionados, foi o território escolhido, sem ter em devida conta que ali vivia um povo pacífico e com uma cultura secular. 

imagem retirada da internet

Esta proposta foi ganhando apoio nas potências europeias, culminando na Declaração Balfour de 1917, quando o Império Britânico se comprometeu expressamente a apoiar a criação de um lar nacional para o povo judeu na Palestina. Tudo isto à margem do povo palestiniano, o destino daquele território e daquele povo foi decidido em Londres. A Palestina transformou-se, a partir daí, num território arquitetado para ser colonizado, com suporte político e militar de uma potência imperial, com os mesmos contornos e os mesmos efeitos de outros projetos coloniais. Este projeto colonial vem embrulhado numa mal disfarçada redenção europeia face às seculares perseguições aos judeus e ao Holocausto 

Durante o Mandato Britânico da Palestina (1920–1948), dezenas de milhares de judeus europeus migraram para a Palestina, na sua maioria financiados por organizações sionistas. Muitas dessas migrações foram pacíficas, mas outras envolveram compra forçada de terras, expropriação de camponeses e construção de enclaves fechados. As tensões foram-se avolumando. A população árabe resistia, organizava greves, revoltas e boicotes, mas era sufocada e reprimida com violência.

Foi neste contexto que ocorreu um episódio pouco conhecido e debatido, vá-se lá saber porquê, mas revelador da natureza sionista e do seu projeto colonial. Refiro-me ao Acordo de Haavara, assinado em 1933 entre o regime nazi alemão e alguns líderes sionistas. O objetivo era facilitar a emigração de judeus alemães para a Palestina, transferindo parte dos seus bens, o propósito alemão era contornar o boicote económico contra o nazismo, embora este boicote, ou sanções, tivesse sido incumprido por muitas empresas europeias e estado-unidenses. O Acordo de Haavara é sintomático da estratégia sionista, ou seja, longe de ser apenas uma resposta à perseguição do povo judeu, a migração de judeus para a Palestina era parte de um projeto sem valores nem princípios, pois, dispunha-se a fazer alianças moralmente questionáveis para alcançar o seu objetivo colonial.

Com o fim do mandato britânico e da Resolução 181/1947 das Nações Unidas, que criou dois estados, o movimento sionista, em 1948, deu corpo à criação do Estado de Israel (sionista), com a oposição dos países árabes. O nascimento desse estado aconteceu com a destruição de um território, de uma cultura e de uma sociedade onde muçulmanos, cristão e judeus tinham vivido, até então, em harmonia. Mais de 700 mil palestinianos foram expulsos, centenas de aldeias foram destruídas e apagadas do mapa, e massacres como o de Deir Yassin deram início ao regime de apartheid e do genocídio do povo palestiniano. Os bárbaros acontecimentos de 1948 ficaram conhecidos como Nakba, a Catástrofe. Que os palestinianos recordam e assinalam no dia 15 de maio.

Israel não nasceu num vazio. Nasceu sobre as ruínas de outra sociedade. Os refugiados palestinianos foram impedidos de regressar às suas casas, contra todas as resoluções das Nações Unidas, configurando um crime internacional. A sua terra, as suas casas, os seus campos foram apropriados pelo novo Estado, que se autodefiniu como judeu, excluindo assim os nativos não judeus, ou seja, a maioria da população antes de 1948.

No seu início o movimento sionista era um movimento político laico, mas rapidamente incorporou a religião como legitimador do projeto colonial. A ideia de que Deus prometeu esta terra ao povo judeu foi, e tem sido, usada para justificar a expulsão de palestinianos. Os colonos armados na Cisjordânia, continuam a usar essa lógica messiânica para atacar, queimar, desalojar e matar palestinianos, com o apoio e a complacência do exército sionista.

Mas não são apenas os sionistas judeus a alimentar essa ideia. O sionismo cristão, especialmente no mundo evangélico dos EUA, é uma força determinante no apoio incondicional ao estado sionista de Israel. Ancorados em interpretações bíblicas apocalípticas, os sionistas cristãos, acreditam que o regresso dos judeus à Terra Santa é uma condição essencial para o retorno de Cristo à Terra. Os sionistas cristãos contribuem para o financiamento militar, influenciam decisões políticas, promovem vetos diplomáticos e promovem o silêncio cúmplice dos crimes de guerra e de lesa humanidade perpetrados pelo estado sionista. 

Chamar conflito ao que se passa na Palestina é, por si só, uma falsificação. Não se trata de dois lados iguais em guerra. Trata-se de um povo colonizado e ocupado, e de um Estado que exerce dominação militar, territorial e legal sobre milhões de pessoas. Israel controla fronteiras, água, ar, eletricidade, deslocações, nascimentos, agricultura, comércio. Implementou um regime de apartheid denunciado por diferentes organizações internacionais e por alguns Estados.

A Nakba não foi um evento do passado. A Nakba é um processo em curso. A cada demolição de casa em Jerusalém Oriental, a cada colono que se apropria de terras na Cisjordânia, a cada veto dos EUA no Conselho de Segurança, a cada bomba em Gaza, a cada veto ao retorno dos refugiados, a cada criança palestiniana morta, a cada oliveira arrancada, é a Nakba a perpetuar-se com o silêncio cúmplice do Mundo.

Ignorar a história e reduzir a atual situação que se verifica em Gaza e nos territórios da Palestina ocupada a um evento do calendário recente é aceitar a opressão, o apartheid, o colonialismo e o genocídio, é aceitar a desumanização de um povo, é ser cúmplice do colonialismo, do apartheid e do genocídio. Datar o 7 de outubro de 2023 como o início do conflito é construir uma narrativa que mais não serve do que apagar décadas de colonização e de barbárie. A memória da Nakba não é apenas uma questão histórica, a Nakba é do presente e trazê-la para a discussão pública é lutar por justiça e pela humanidade. E a justiça exige que a verdade histórica seja reposta: a violência teve o seu início muito antes de 7 de outubro, a violência começou com a colonização da Palestina.

Ponta Delgada, 13 de maio de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 14 de maio de 2025

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Pepe Mujica - 1935/2025

Imagem retirada da internet

José Alberto Mujica Cordano
, popularmente conhecido por Pepe Mujica partiu hoje para a última viajem, e o Mundo ficou mais pobre.

Sobre este Homem singular já tudo terá sido dito e são conhecidos os seus pensamentos e ensinamentos. Nada tenho a acrescentar deixo, porém, uma sugestão cinéfila: “A Noite de 12 Anos”. Ver este filme é, não só, perceber a fibra de que são feitos alguns Homens, mas também um tributo a Pepe Mujica.

Até sempre Pepe!


terça-feira, 13 de maio de 2025

não é de agora

imagem retirada da internet


Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.




(...) Durante o Mandato Britânico da Palestina (1920–1948), dezenas de milhares de judeus europeus migraram para a Palestina, na sua maioria financiados por organizações sionistas. Muitas dessas migrações foram pacíficas, mas outras envolveram compra forçada de terras, expropriação de camponeses e construção de enclaves fechados. As tensões foram-se avolumando. A população árabe resistia, organizava greves, revoltas e boicotes, mas era sufocada e reprimida com violência.

Foi neste contexto que ocorreu um episódio pouco conhecido e debatido, vá-se lá saber porquê, mas revelador da natureza sionista e do seu projeto colonial. Refiro-me ao Acordo de Haavara, assinado em 1933 entre o regime nazi alemão e alguns líderes sionistas. O objetivo era facilitar a emigração de judeus alemães para a Palestina, transferindo parte dos seus bens, o propósito alemão era contornar o boicote económico contra o nazismo, embora este boicote, ou sanções, tivesse sido incumprido por muitas empresas europeias e estado-unidenses. O Acordo de Haavara é sintomático da estratégia sionista, ou seja, longe de ser apenas uma resposta à perseguição do povo judeu, a migração de judeus para a Palestina era parte de um projeto sem valores nem princípios, pois, dispunha-se a fazer alianças moralmente questionáveis para alcançar o seu objetivo colonial. (...)


“ENTRE PAUSAS – Crónicas do Dário Insular (2022-2024)”

Não sei se será o último, mas é o mais recente e já se encontra disponível, na Livraria Letras Lavadas, para quem o desejar adquirir.

Apenas três apontamentos extraídos da nota introdutória que abre o livro.


(…) A edição deste livro não era uma prioridade. Outros livros de crónicas, contos e poesia já estavam – e estão – em preparação. No entanto, o convite, que muito me honrou, e a oportunidade de integrar a coleção da Letras Lavadas, coordenada por Vamberto Freitas e com capa(s) de Urbano, foram razões suficientes para dar primazia a este trabalho. (…)


(…) Não passou tempo suficiente para que alguns textos, que abordam temas e acontecimentos datados, perdessem interesse, ou se verificassem alterações que colocassem em causa a oportunidade da sua publicação. (…)


(…) Este livro reúne as crónicas publicadas no Diário Insular entre janeiro de 2022 e dezembro de 2024. Embora tenham passado por uma cuidada revisão, as alterações não mudaram a essência nem o propósito original de cada texto. Estão aqui reunidas, por ordem cronológica, todas as crónicas publicadas no intervalo de tempo referido, o que significa que não houve seleção de textos, (…)


sexta-feira, 9 de maio de 2025

pelo 80.º aniversário do Dia da Vitória

“Todo o ser humano que ama a liberdade deve ao Exército Vermelho mais do que conseguirá pagar em uma vida”

Ernest Hemingway




O Exército Vermelho, oficialmente designado por: “Exército Vermelho dos Operários e dos Camponeses.

O Exército Vermelho" lutou contra 200 divisões nazis. Para se ter ideia da magnitude do conflito e do papel do Exército Vermelho, importa saber que, os Estados Unidos e o Reino Unido enfrentaram 10 divisões nazis.

A União Soviética foi o país que mais contribuiu para a derrota do nazismo, tendo o maior contingente de combatentes (2,6 vezes mais do que todos os outros aliados somados). A União Soviética foi o país que mais sofreu baixas: cerca de 27 milhões de soviéticos foram mortos durante a guerra, o equivalente a quase 14% da população do país.

A Segunda Guerra Mundial recebeu, na União Soviética, o nome de “Grande Guerra Patriótica”, porque afetou toda a população do país. Todas as famílias soviéticas perderam alguém ou teve familiares feridos ou desaparecidos.

A narrativa ocidental tem vindo, desde há muito, a menorizar o papel da União Soviética na derrota do nazismo. Nada que não tivesse sido previsto pelo Marechal Georgy Zhukov que afirmou:  “Libertamos a Europa do fascismo, mas eles nunca nos perdoarão por isso”.

Foi perante o Marechal Zhukov, às 0h43 (horário de Moscovo) do dia 9 de Maio de 1945 que General Wilhelm Keitel, em representação da Alemanha, assinou a rendição incondicional do exército nazi perante o Exército Vermelho, representado pelo Marechal Georgy Zhukov, pondo fim assim à Segunda Guerra Mundial. 

Há uma tentativa de reescrição da história, mas factos são factos, e por mais que a propaganda, emanada dos centros de poder herdeiros do nazismo, tente não vai conseguir apagá-los.

Viva o 80.º aniversário da vitória sobre o nazifascismo!

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Maria da Conceição Matos - a abrir Maio

Hoje celebra-se, em luta, o Dia Internacional dos Trabalhadores.

O “momentos” junta-se a esta celebração e luta com uma daquelas mulheres lindas, porque lindas são as mulheres que lutam.

A Maria da Conceição Matos é uma dessas mulheres lindas.

Os visitantes do “momentos” podem conhecer melhor a Conceição Matos clicando aqui


quarta-feira, 30 de abril de 2025

Privatização da ANA: o assalto aos aeroportos

    As edições “Avante” publicaram em livro o “Dossier Privatização da ANA – o assalto aos aeroportos”. Este livro é um trabalho estruturado e ancorado em factos, ou seja, sustenta as suas teses numa sólida e incontestável base documental e todos os dados nele contido são conferíveis.

    O propósito deste dossier é demonstrar que a privatização da ANA – Aeroportos de Portugal (ANA) foi prejudicial para o interesse público nacional, e todo o procedimento foi conduzido de forma opaca, com favorecimentos, omissões e manipulação do processo de concessão da exploração da ANA. Trata-se, pois, da denúncia política e económica, e, da exposição dos prejuízos que este processo acarretou para o interesse público nacional.

    A narrativa e a cronologia dos acontecimentos são rigorosas, mas simples e entendíveis por não especialistas, e mostra passo a passo todo o caminho trilhado, primeiro pelo PS, depois em ritmo mais acelerado pelo PSD e o CDS com a pressão e à sombra da troika, denuncia as alteração de última hora, para beneficiar a compradora e a análise económica demonstra, com clareza, como o escandaloso lucro da Vinci (empresa a quem foi entregue a concessão), resultou num obsceno prejuízo para o Estado português, em relação ao valor pago pela concessão, isto para além da passagem de um importante setor estratégico do domínio público para o domínio privado.

    Se é verdade que esta narrativa de denúncia que visa a responsabilização dos autores deste pode ser caraterizada pela carga ideológica, não é menos rigoroso que foram as opções ideológicas neoliberais que estiveram na base do processo de concessão da ANA e, como tal, a argumentação não poderia deixar de ser uma afirmação ideológica de defesa do setor público nacional, em particular de empresas estratégicas para a economia e soberania nacionais.

foto de Aníbal C. Pires

Um outro aspeto de que este estudo poderá vir a ser criticado relaciona-se com a ausência de uma enumeração de aspetos positivos desta transferência da ANA da esfera pública para a esfera privada. Não existe, ao longo do estudo, uma lista de vantagens ou benefícios por elas serem inexistentes, o que se verificou foi um aumento da exploração laboral e um aumento das taxas aeroportuárias.

Este estudo é importante pois, presta um serviço público e político ao registar, analisar e denunciar um processo que foi, de facto, conduzido de forma profundamente lesiva para o interesse nacional.

    A privatização da ANA — Aeroportos de Portugal foi um processo, à semelhança de outros, prejudicial para o interesse nacional. Mais do que um simples negócio de venda de ativos públicos, o que seria sempre questionável face à importância estratégica das infraestruturas aeroportuárias, representou a entrega, a preço de saldo, de uma empresa que pelas suas caraterísticas, objeto social e empresarial, é vital para o desenvolvimento do país e para a sua coesão territorial. Dos nove aeroportos da Região Autónoma dos Açores, quatro são da ANA (flores, Faial, S. Miguel e Santa Maria), o que para o povo açoriano não deixa de ser um fator que deverá ser tomado em conta na luta pela reversão da privatização.

    O Estado, ao invés de reforçar a sua capacidade de planificar e investir num setor fundamental, hipotecou o futuro dos seus aeroportos em troca de receitas imediatas — receitas que, como demonstra a auditoria do Tribunal de Contas, não compensam os prejuízos, para as finanças públicas. 

    O caso da privatização da ANA insere-se numa lógica mais vasta de entrega de setores estratégicos ao mercado, cujas consequências vão muito além das infraestruturas aeroportuárias. O apagão de 28 de abril é um exemplo alarmante das fragilidades criadas pela desregulação e pela perda de controlo público sobre setores estratégicos como seja o da energia.

    O apagão que se verificou no passado dia 28 de abril é uma prova indiscutível de que setores como o da energia não são compagináveis com o mercado, os interesse e a gestão privada. A ligação à rede elétrica europeia e a dependência de terceiros, quando o país tem capacidade instalada para garantir a soberania na produção de energia elétrica é incompreensível e deixa a descoberto os erros da privatização dos setores estratégicos como sejam, por exemplo os transportes aéreos, rodoviários, ferroviários e marítimos, ou ainda, sem que aqui se esgotem os exemplos, a distribuição postal, isto é, os CTT. Privatizações que importa impedir (TAP e SATA) ou reverter como seja a própria ANA e o já aludido serviço de distribuição postal.

foto de Aníbal C. Pires
    O processo de privatização da ANA, como nos é descrito neste livro, foi conduzido num ambiente de opacidade, com sucessivas alterações às regras iniciais, sempre para beneficiar o comprador privado, a multinacional Vinci. A promessa de um novo Aeroporto de Lisboa, essencial para o país, foi adiada indefinidamente, refém da lógica de maximização de lucros privados. Os aeroportos regionais foram sujeitos a desinvestimento. As taxas aeroportuárias aumentaram significativamente. E os trabalhadores viram os seus direitos comprimidos em nome da rentabilidade. Por outro lado, a privatização da ANA não satisfez alguns dos argumentos utilizados pelos defensores da passagem deste ativo estratégico para o domínio privado, ou seja, não reduziu a dívida pública, não melhorou o serviço, não democratizou a gestão — fez apenas o que se previa: transformou um bem público numa fonte de lucro astronómico para um grupo privado estrangeiro.

    A Auditoria do Tribunal de Contas é clara: “a privatização não salvaguardou o interesse público e enfraqueceu a soberania nacional." Os responsáveis políticos pelo processo de privatização e os seus aliados face à Auditoria do Tribunal de Contas e à consequente proposta de um Comissão Parlamenta de Inquérito, proposta pelo PCP, inviabilizaram a sua constituição e assim o apuramento e, por conseguinte, a imputação de responsabilidades por este negócio danoso para Portugal.

    O processo de privatização da ANA, como evidenciado no Dossier agora publicado, foi conduzido num ambiente de opacidade e favorecimento dos interesses privados, hipotecando um ativo estratégico vital para o país. Este processo não serviu o interesse público, mas também comprometeu a capacidade de planificação e desenvolvimento de um setor determinante para a coesão nacional e a soberania económica. O impacto foi duplamente nocivo: impediu a modernização da infraestrutura aeroportuária nacional e entregou, por preço de saldo, uma fonte de receita e de decisão estratégica a um grupo privado estrangeiro.

    A Auditoria do Tribunal de Contas confirma: a privatização da ANA fragilizou o Estado, prejudicou o interesse nacional e serviu apenas interesses financeiros. De tão claro e contundente os responsáveis pela privatização chegaram mesmo a colocar em causa o próprio Tribunal de Contas.

    Perante esta realidade, é necessário ir além da denúncia. Impõe-se defender a renacionalização da ANA como parte de um processo político de recuperação dos setores estratégicos para o domínio público, em nome da soberania, do desenvolvimento harmonioso e do futuro de Portugal. Este dossier prova que a privatização da ANA não foi apenas um erro: foi um atentado contra o interesse nacional, que exige memória, denúncia e reversão. Não se trata apenas de corrigir um erro passado, trata-se de afirmar um caminho de responsabilidade, de soberania e de compromisso com as gerações futuras. Não estamos condenados a ser reféns da lógica do lucro.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 29 de abril de 2025 


poder podia


Pelos 50 anos da vitória do Vietname sobre o imperialismo estado-unidense — ou, se preferirmos, a vitória da formiga sobre o elefante..

Podia ter optado por outra imagem. Podia, mas esta encerra uma dimensão sem paralelo: O regresso a casa de um casal de combatentes vietnamitas e todo o amor e a convicção do dever cumprido. O encargo de ter lutado pela libertação do seu povo e do seu território, da sua pátria.

Podia ter optado por outra imagem. Podia, mas nenhuma outra me comoveria como esta me comove.

terça-feira, 29 de abril de 2025

das "virtualidades" do mercado



Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.




(...) O caso da privatização da ANA insere-se numa lógica mais vasta de entrega de setores estratégicos ao mercado, cujas consequências vão muito além das infraestruturas aeroportuárias. O apagão de 28 de abril é um exemplo alarmante das fragilidades criadas pela desregulação e pela perda de controlo público sobre setores estratégicos como seja o da energia.

O apagão que se verificou no passado dia 28 de abril é uma prova indiscutível de que setores como o da energia não são compagináveis com o mercado, os interesse e a gestão privada. A ligação à rede elétrica europeia e a dependência de terceiros, quando o país tem capacidade instalada para garantir a soberania na produção de energia elétrica é incompreensível e deixa a descoberto os erros da privatização dos setores estratégicos como sejam, por exemplo os transportes aéreos, rodoviários, ferroviários e marítimos, ou ainda, sem que aqui se esgotem os exemplos, a distribuição postal, isto é, os CTT. Privatizações que importa impedir (TAP e SATA) ou reverter como seja a própria ANA e o já aludido serviço de distribuição postal. (...)


domingo, 20 de abril de 2025

dos silêncios cúmplices

do que resta


felicidade e prosperidade 
palavras volúveis
ecos na penumbra do quotidiano
extintos com o brilho dos fogos de artifício

restam os gestos
ao fim da tarde
o pão partilhado
as palavras livres
as mãos que afagam
cumplicidades

resta a luz que alimenta
a esperança
o olhar que anima
não pede desculpa
não diz obrigado
nem cansa

resta a esperança
a renascer dia após dia
na perene luta
pela humanidade
perdida na Palestina
dos silêncios cúmplices

Ponta Delgada, 6 de janeiro de 2025

quarta-feira, 16 de abril de 2025

com os pés na terra e os olhos no mundo

    O centenário do nascimento do professor e escritor Dias de Melo tem sido e vai continuar a ser lembrado e celebrado. A calendarização das celebrações, ou parte dela, é do conhecimento público e está ao alcance de todos os que desejem participar. 

    Em véspera do dia do centenário do seu nascimento, 8 de abril, li numa página de uma popular rede social de um dos seus amigos e camaradas, o Eng. Mário Abrantes, um pequeno texto em jeito de homenagem que é assim como uma espécie de retrato falado de Dias de Melo. Transcrevo esse pequeno texto pois, quem conheceu o homem e o escritor, estou certo, concordará com o que Mário Abrantes sobre ele disse.

    “Não era um modelo de simpatia, mas era um modelo de sinceridade; De poucas palavras e muitas pausas, mas deslizava pela escrita sem hesitar; De muitas dúvidas e poucas certezas, mas sempre com a certeza do lado da vida em que se situava; Não se considerava dono do saber, mas ensinava tudo o que aprendia; Não se achava o centro do mundo, mas sentia-o e vivia-o de corpo inteiro;

    Foi um privilégio e uma honra conhecê-lo e trabalhar com ele...”

    E assim era o homem que eu conheci e com quem tive a honra de privar já nos anos 2000. 

    Dias de Melo é uma figura incontornável da literatura portuguesa. No ano em que se assinala o centenário do seu nascimento, é um dever de memória que o seu nome e a sua obra sejam objeto de celebração, sobretudo, por quem com ele partilha(va) uma certa visão do mundo e da sua transformação libertando, como ele próprio dizia, os povos da canga da servidão.

do arquivo da Ana Loura

Esta sua visão do mundo e o seu posicionamento político tinha raízes diversas, mas terá sido através do exemplo do seu pai e das histórias que lhe ouviu contar, do tempo em que esteve emigrado na Califórnia, que Dias de Melo foi consolidando as suas opções cívicas e políticas.

Numa longa entrevista concedida a Vamberto Freitas publicada no Imaginário dos Escritores Açorianos, intitulada A Educação de um Escritor: Dias de Melo, afirma-o de forma clara e inequívoca e passo a citar, a pergunta de Vamberto Freitas e um excerto da resposta de Dias de Melo:

“Vamberto Freitas – A sua visita à América em 1988 foi, tal como você viria a escrever, emocionante. Acho isso uma reacção muito interessante para um europeu de “esquerda”. Quase todos os europeus de semelhante opção política tendem a olhar os EUA com certa reserva, quando não desdém. Quer falar dessa sua experiência? Com que ideia ficou deste país?

    Dias de Melo – Confirmo: sou um homem de esquerda e como tal, sem aspas nem reticências, me assumo. O que você não sabe, com certeza, é que me firmei definitivamente na minha opção de esquerda quando, já homem, meu pai me falou das grandes lutas operárias desencadeadas pelos sindicatos – as uniões, como na América lhes chamam – precisamente na Califórnia. Lutas por reivindicações várias, entre elas, duas principais: o dia, não me recordo se já das oito se ainda das dez horas de trabalho, e os salários. Em tais lutas, tomou ele parte bastante responsável. Chegou a ser chefe de piquete de greve.  (…) “

    Dias de Melo é um dos escritores açorianos com maior projeção regional e nacional, a sua escrita assume caraterísticas singulares na literatura portuguesa da segunda metade do século XX, e, na sua vasta obra, 27 títulos publicados, encontramos romance, conto, poesia, crónica, relato de viagem e recolha etnográfica.

    Vamberto Freitas escreveu sobre alguns títulos da obra de Dias de Melo e reconhece ao autor, que nunca viveu fora do seu país, uma grande sensibilidade e conhecimento sobre o fenómeno migratório açoriano, desde logo em Pedras Negras, que não é apenas um romance sobre a baleação, mas também em Das Velas de Lona às Asas de Alumínio, a esse propósito diz Vamberto Freitas, em A Ilha em Frente – textos do cerco e da fuga, edições Salamandra, 1999 : “(…) Só Dias de Melo, muito antes de visitar a América, mas como resultado de saber escutar um pai que por cá tinha vivido de corpo inteiro, atento a tudo o que o rodeava, conseguiu transmitir um pouco da verdade dessa aventura na América no seu romance Pedras Negras, e mais tarde no livro de viagens Das Velas de Lona às Asas de Alumínio. (…)”

    Dos títulos publicados destacam-se os livros que integram o que J. H. Santos Barros, em 1977, numa recensão a Mar Pela Proa, designou: O Ciclo da Baleia, - Mar Rubro, 1958; Pedras Negras, 1964, e Mar Pela Proa, 1976; mas que Dias de Melo considerava, para que o ciclo se completasse, se lhe deveriam juntar Toadas do Mar e da Terra, poesia e o seu primeiro livro, bem assim como o trabalho futuro que já tinha planeado e que veio a ser concretizado na obra Na Memória das Gentes, como nos dá conta Urbano Bettencourt num dos vários ensaios que publicou sobre Dias de Melo. Independentemente do debate em torno dessa questão, importa referenciar que a obra de Dias de Melo é muito mais vasta do que os títulos já referidos, embora, tenham sido os livros do chamado O Ciclo da Baleia que lhe deram projeção nacional e internacional. Pedras Negras foi traduzido para inglês e japonês e teve, à semelhança de Mar Pela Proa 4 edições, tendo as crónicas romanceadas Mar Rubro, Baleeiros do Pico, 3 edições. A Imprensa Nacional, reuniu, numa edição de 2024, coordenada por Luís Fagundes Duarte, os três títulos de O Ciclo da Baleia e sobre a qual, na nota editorial o coordenador desta edição diz:  “(…) Pretende-se com esta edição conjunta, em boa hora assumida pela Imprensa Nacional, resgatar Dias de Melo da etiqueta simpática mas redutora de «escritor açoriano» - que o é por natureza e essência -, o inscrever no vasto cânone da literatura portuguesa a que, com as suas caraterísticas próprias, resultantes das circunstâncias em que viveu e escreveu deve pertencer.” (…).

    Urbano Bettencourt, também ele um picoense, tem vários ensaios publicados sobre Dias de Melo que se constituem como um significante contributo para conhecer melhor a obra e o homem. No texto Das Pedras Negras ao Negro da Montanha, em Sala de Espelhos, Urbano conduz-nos por alguns dos livros e analisa aquele que foi um percurso literário diverso, terminando com uma narrativa/romance sobre a Montanha… que deu nome às Pedras Negras.

    A escrita de Dias de Melo, desde sempre, foi um ato de comprometimento, de denúncia e de luta. Dias de Melo foi um escritor militante que tomou sempre o lado dos injustiçados, dos explorados, aspeto em que também os ensaístas e investigadores convergem nas suas apreciações.

A fundação da Associação Cultural Académica (Horta, 1944) e da cooperativa Sextante (1970), em S. Miguel e a sua participação regular em títulos da imprensa (regional e nacional), confirmam o seu compromisso social e político assumindo, em pleno, o seu dever de cidadão empenhado na luta pela liberdade, pela democracia e por um mundo melhor.

Hoje, ao lermos Dias de Melo, reencontramos não só um cronista e romancista da baleação ou um contador de histórias do Atlântico ao Pacífico, mas um homem que nunca separou a literatura da vida. A sua escrita — feita de palavras nascidas do povo e para o povo — continua a lembrar-nos que a literatura pode ser um gesto de resistência, uma memória viva e um ato de pertença como, ainda hoje ecoa nos debates sobre migração, desigualdade ou a identidade açoriana. A melhor homenagem que lhe podemos fazer será, como diz, Urbano Bettencourt: “Pôr a circular a obra de Dias de Melo, trazê-la ao espaço público, colocá-la sob o olhar dos (potenciais) leitores será sempre o modo mais eficaz de homenagear o autor e evitar que se lhe perca o rasto na avalanche dos dias.” 

Ponta Delgada, 15 de abril de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 16 de abril de 2025

da obra de Dias de Melo


Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.


(...) Dos títulos publicados destacam-se os livros que integram o que J. H. Santos Barros, em 1977, numa recensão a Mar Pela Proa, designou: O Ciclo da Baleia, - Mar Rubro, 1958; Pedras Negras, 1964, e Mar Pela Proa, 1976; mas que Dias de Melo considerava, para que o ciclo se completasse, se lhe deveriam juntar Toadas do Mar e da Terra, poesia e o seu primeiro livro, bem assim como o trabalho futuro que já tinha planeado e que veio a ser concretizado na obra Na Memória das Gentes, como nos dá conta Urbano Bettencourt num dos vários ensaios que publicou sobre Dias de Melo. Independentemente do debate em torno dessa questão, importa referenciar que a obra de Dias de Melo é muito mais vasta do que os títulos já referidos, embora, tenham sido os livros do chamado O Ciclo da Baleia que lhe deram projeção nacional e internacional. Pedras Negras foi traduzido para inglês e japonês e teve, à semelhança de Mar Pela Proa 4 edições, tendo as crónicas romanceadas Mar Rubro, Baleeiros do Pico, 3 edições. A Imprensa Nacional, reuniu, numa edição de 2024, coordenada por Luís Fagundes Duarte, os três títulos de O Ciclo da Baleia e sobre a qual, na nota editorial o coordenador desta edição diz:  “(…) Pretende-se com esta edição conjunta, em boa hora assumida pela Imprensa Nacional, resgatar Dias de Melo da etiqueta simpática mas redutora de «escritor açoriano» - que o é por natureza e essência -, o inscrever no vasto cânone da literatura portuguesa a que, com as suas caraterísticas próprias, resultantes das circunstâncias em que viveu e escreveu deve pertencer.” (…).

quarta-feira, 9 de abril de 2025

de Dias de Melo

Excerto da nota de abertura ao livro Mar Pela Proa, de Dias de Melo.


(...) Por eles - e para eles – foi o que escrevi. Pelo muito que sofrem e lutam. Pelo muito que sonham e esperam. Pelo muito que se negam a deixar-se vencer pelo sofrimento e pela injustiça e continuam esperando, certos de que, apesar de tudo e para além de tudo, dia virá em que as estrelas baixarão do Céu à Terra – às mãos, aos olhos, aos lábios, às almas de todos os homens – e para todos os homens haverá então na Terra a Paz, a Alegria, a Abundância, a Felicidade, a Liberdade, pelas quais, milénio após milénio, as multidões dos deserdados derramaram o sangue e sacrificaram a vida. Com eles. Com os homens todos – os autênticos homens – de todos os tempos.


Dias de Melo, Calheta de Nesquim, Alto da Rocha do canto da Baía, 23 de Agosto de 1973 


terça-feira, 8 de abril de 2025

pelo centenário de Dias de Melo

Dias de Melo por Tomaz Borba Vieira (1972)

Fragmento de um texto a ser publicado na imprensa e que visa assinalar o centenário do nascimento de Dias de Melo. 


Hoje, ao relermos Dias de Melo, reencontramos não só um cronista e romancista da baleação ou um contador de histórias do Atlântico, mas um homem que nunca separou a literatura da vida. A sua escrita — feita de palavras nascidas do povo e para o povo — continua a lembrar-nos que a literatura pode ser um gesto de resistência, uma memória viva e um ato de pertença. A melhor homenagem será continuar a lê-lo. Ou como diz Urbano Bettencourt: “Pôr a circular a obra de Dias de Melo, trazê-la ao espaço público, colocá-la sob o olhar dos (potenciais) leitores será sempre o modo mais eficaz de homenagear o autor e evitar que se lhe perca o rasto na avalanche dos dias.” 

quarta-feira, 2 de abril de 2025

a força imagética da palavra poética – Infinito sem Nome, Carlos Enes.

foto de Paulo R. Cabral
    Carlos Enes é um terceirense da Vila Nova, um açoriano da Terceira, um português dos Açores, mas Carlos Enes é, sobretudo, um cidadão do Mundo que não deixa o tempo e a vida passarem-lhe ao lado. Foi professor do ensino secundário e superior e continua a ser um ativista social, cultural e político.

A sua vasta obra publicada traduz um espírito atento e irrequieto, mas também a diversidade dos seus interesses, de onde resultaram obras em áreas tão diversas como a historiografia - colaboração na Enciclopédia Açoriana e na História dos Açores, e a publicação do livro Temas da História Açoriana -, na etnografia insular - Carnaval e as Festas do Espírito Santo, na ilha Terceira -, mas também da escrita fora dos cânones literários como seja o seu livro A Galope Numa Noite de Búzios, ou dentro do cânone pois, não sou muito dado a catalogar a forma como os autores utilizam e organizam as palavras. Há uma outra obra que gostaria de referenciar antes de referir as incursões do Carlos Enes na ficção e na poesia, e anteriores a este Infinito Sem Nome.

Trata-se da obra A Oposição Democrática em Ponta Delgada - Das eleições de 1969 à Cooperativa Sextante, onde Carlos Enes com o rigor do historiador, ainda que comprometido, grafou um importante período da história política e cultural dos Açores que permite aos leitores conhecerem alguns episódios e personalidades que, na Região, lutaram contra o fascismo português. Esta obra à semelhança do já referenciados livros A Galope Numa Noite de Búzios e Temas da História Açoriana foram editados com a chancela da Letras Lavadas. 

foto de Paulo R. Cabral

    Carlos Enes tem explorado outros territórios literários, como a ficção, no romance A Terra do Bravo, e na poesia, em Cicatriz de Chuva. Agora, regressa ao universo poético com Infinito Sem Nome.

    A capa merece, desde logo, uma apreciação pois é, diria, o primeiro contato que temos com o objeto literário. A composição gráfica utilizada e o título podem aproximar ou afastar, potenciais leitores e, por essa e outras razões deve ser devidamente considerada pelos autores e editores. Neste caso e no que diz respeito à imagem - uma colagem de recortes fotográficos, criada pelo autor -, muito se poderá dizer, mas eu ficar-me-ei apenas por alguns apontamentos mais ou menos subjetivos, que ouso a partilhar com os leitores.

- Em virtude da fragmentação de um corpo humano composto por elementos que dele não fazem parte e da sua própria assimetria, esta imagem convoca sentimentos de estranheza e até desconforto, poderá ser entendida como uma crítica à padronização dos corpos, por outro lado o uso de partes do corpo humano e a sua fusão com elementos naturais e artificiais podem induzir à reflexão sobre a relação do corpo com a natureza;

-  A mistura entre estes elementos cria um corpo que parece ao mesmo tempo orgânico e artificial, como se estivesse num estado de mutação ou adaptação. Os galhos secos que substituem os membros inferiores sugerem raízes, crescimento ou até mesmo fragilidade, enquanto os pés desiguais podem remeter à instabilidade ou a uma caminhada desigual pelo mundo.

- A imagem sugere, ou pode sugerir, que a comunicação não se limita à fala ou aos gestos convencionais, mas pode emergir de formas não lineares, simbólicas e até desconfortáveis. A boca entrelaçada ao cabelo pode representar uma expressão através da memória, da cultura ou da ancestralidade.

Por fim, no que concerne à imagem da capa, e por se tratar de um livro de poesia direi que a imagem poderá ainda significar que: - A forma poética que o autor utiliza não necessita, nem tem obrigação, de seguir padrões literários e líricos, sendo que esta é uma premissa que julgo ser comum a todos os poetas.

foto de Paulo R. Cabral

    Quanto ao título diria que, Infinito Sem Nome sugere um antagonismo poético estimulante. O infinito, por definição, escapa aos limites e classificações, mas ao qualificá-lo como sem nome, o título reforça a ideia de algo inatingível, impossível de definir, uma vastidão de silêncios, ou seja, de interioridade que o poeta ousa partilhar.

    A ausência de nome neste infinito pode remeter àquilo que existe antes ou além da linguagem, ao indizível que a poesia tenta capturar sem nunca se deixar aprisionar. Há uma musicalidade e uma leveza no título, mas também um certo mistério, como se o autor convidasse o leitor a explorar um território de liberdade sem limites.

    Sobre a poesia de Carlos Enes já muito foi dito, mormente, pelo Vítor Rui Dores e pelo Acácio Pinto, o que me deixa pouco espaço para tecer algumas considerações sem papaguear algumas apreciações já feitas ou ser tentado a dizer o óbvio, daí ter recorrido ao objeto gráfico,  em particular à imagem da capa, e ao título deste belo poemário que o autor, em boa hora, decidiu partilhar connosco.

Mas vamos aos poemas. Carlos Enes apresenta, em Infinito Sem Nome, uma poesia visceralmente táctil, marcada por imagens evocativas, onde o universo natural e as emoções se enlaçam. O autor transita entre a contemplação do efémero e a busca pelo essencial, traduzindo as suas inquietudes em imagens poéticas.

foto de Paulo R. Cabral
    A poesia de Carlos Enes navega entre a nostalgia e o desejo como se cada poema fosse uma tentativa de resgate do passado com o futuro presente.

    O mar, o vento, a luz e os ciclos naturais são uma presença constante, ocasionalmente como espelhos da condição humana e das suas transformações. O poeta questiona-se sobre o tempo, a memória e o amor, mas sem buscar respostas definitivas e conduz-nos pela incerteza como sendo, e assim é, uma parte das nossas vidas.

A linguagem, por vezes crua, por vezes delicada, confere um ritmo envolvente à obra. A fragmentação de imagens e a riqueza sensorial criam uma atmosfera que oscila entre o real e o utópico, mas Carlos Enes, na sua poesia, aflora também uma dimensão social e crítica que reflete um olhar atento às contradições do nosso mundo.

Os poemas de Carlos Enes têm uma força imagética poderosa e relevante à qual não se fica indiferente. A estrutura livre, com versos curtos e pausas potenciam a absorção de imagens e sentimentos, a ausência de rimas regulares deixa um espaço de liberdade para que o ritmo seja construído pela musicalidade própria das palavras.

Julgo poder afirmar-se que Infinito Sem Nome não se limita a uma única identidade poética, mas flutua entre o íntimo e o universal, entre a contemplação e a inquietação, num jogo constante de metáforas que nos desafiam a sentir, muito mais do que a qualquer tentativa de compreender. Neste Infinito Sem Nome, Carlos Enes oferece-nos uma poesia de múltiplas camadas, que desafia a perceção linear e convida a sentir antes de interpretar. Um livro para ser relido, sentido e reinventado a cada leitura.

Ponta Delgada, 28 de março de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 2 de abril de 2025

terça-feira, 1 de abril de 2025

ousadias poéticas

foto de Paulo R. Cabral

Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.







(...) Por fim, no que concerne à imagem da capa, e por se tratar de um livro de poesia direi que a imagem poderá ainda significar que: - A forma poética que o autor utiliza não necessita, nem tem obrigação, de seguir padrões literários e líricos, sendo que esta é uma premissa que julgo ser comum a todos os poetas.

Quanto ao título diria que, Infinito Sem Nome sugere um antagonismo poético estimulante. O infinito, por definição, escapa aos limites e classificações, mas ao qualificá-lo como sem nome, o título reforça a ideia de algo inatingível, impossível de definir, uma vastidão de silêncios, ou seja, de interioridade que o poeta ousa partilhar.

A ausência de nome neste infinito pode remeter àquilo que existe antes ou além da linguagem, ao indizível que a poesia tenta capturar sem nunca se deixar aprisionar. Há uma musicalidade e uma leveza no título, mas também um certo mistério, como se o autor convidasse o leitor a explorar um território de liberdade sem limites. (...)


mulheres antifascistas - a abrir Abril


 "(…) Menos conhecidos..., são os nomes das mulheres que ficaram para a história do feminismo antifascista português, como Maria Lamas, que foi presa, torturada e viu-se obrigada a exilar-se; ou as ‘Três Marias’, julgadas pela obra censurada ‘Novas Cartas Portuguesas’"

Muito menos sabemos da luta de mulheres militantes comunistas como Conceição Matos, Fernanda Tomás ou mesmo Catarina Eufémia, sendo que atividade clandestina de Eufémia acabou quando foi assassinada numa greve em que ceifeiras reivindicavam melhores condições de trabalho (Samara, 2021). Pouco destaque se dá a mulheres como Maria Custódia Chibante, torturada nas prisões do fascismo, Isabel Aboim Inglês, Julieta Gandra, entre as 1755 mulheres que estiveram nas cadeias do fascismo português (Cova e Costa Pinto, 1997). Compreende-se, então, que o papel subalterno das mulheres nas sociedades traduz-se (também) na subalternização das suas conquistas e lutas – desde a escala à relevância. (...)"

Este excerto foi retirado do sítio "ORBIS" e o artigo completo pode ser acedido aqui


segunda-feira, 31 de março de 2025

da cretinice reinante

A quantidade de lixo publicado nas redes sociais é assustadora. Prezo e defendo a liberdade de expressão, pela qual sempre lutei e lutarei, mas não posso pactuar com a estupidificação reinante ancorada no revisionismo histórico e na narrativa reprodutiva da asneira, atrás de asneira que faz doutrina entre os analfabetos funcionais que por aí pululam. 

Vou ter de dar corpo a uma campanha de higienização para evitar os dislates de supostos especialistas que mais não fazem do que regurgitar o discurso dominante que, como se sabe, é o da ideologia dominante da qual quero distância, ou seja, distância de Trump, Macron, Le Pen, Kallas, Ursulla, Costa, Biden, Starmer, Montenegro, Rui Tavares, de entre e outros (muitos) quejandos que surfam a onda da cretinice, mas sobretudo dos imbecis que papagueiam até ao vómito as mais insólitas imbecilidades.  


sábado, 22 de março de 2025

poemas com propósito

renovar


da verde árvore
cai a folha morta
renova-se a árvore
putrefaz a folha


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 15 de Outubro de 2016, (in Esperança Velha e outros poemas, Letras Lavadas, 2020)



perfídia


o poeta 
trocou o futuro
pelo passado

o poeta
trocou o sonho
pelo pesadelo

o poeta
acabou só
só, como um prostituto
num quarto vazio de ideias

o poeta
acabou só
só, como um prostituto
num quarto lotado pela perfídia

o poeta
acabou só
só, como um prostituto
num quarto sem palavras      nem poesia


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 19 de Outubro de 2016, (in Destroços à Deriva, Letras Lavadas, 2024)