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As civilizações não colapsam de um dia para o outro, a sua decadência vai-se instalando. Há, contudo, sinais de declínio tão evidentes que só a cegueira voluntária impede o seu reconhecimento. A insistência em estratagemas de domínio apenas irão acelerar um desfecho catastrófico. O chamado Norte Global, tendo como principais protagonistas os EUA, a União Europeia (UE) e o Reino Unido, atravessa uma crise profunda, de contornos económicos, sociais, políticos e estratégicos. Os pilares da hegemonia construída no pós-guerra, mas com as velhas caraterísticas imperiais e coloniais, há muito começaram a ceder. E o mundo é muito mais do que o Norte Global, ou seja, à sua volta tem havido alterações substantivas que, salvo melhor e douta opinião, não têm sido devidamente atendidas e a insistência na supremacia eurocêntrica e atlantista está a corroer as instituições. Veja-se o descrédito, devido à subserviência da Comissão Europeia e do Conselho Europeu ao capital financeiro dos oligopólios e à política externa dos EUA, mormente, no caso da questão ucraniana e da Palestina ocupada.
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Um outro fator está relacionado com a desindustrialização iniciada nos anos 1980, processo que esvaziou comunidades inteiras, provocando a degradação das condições de vida e o colapso da chamada classe média. A economia produtiva foi substituída por um modelo centrado nos serviços, finanças e tecnologia, altamente lucrativo para poucos e estruturalmente desigual. Os resultados desta opção são bem visíveis: precariedade, pobreza urbana, desigualdade crescente e um mal-estar social que alimenta fenómenos políticos populistas e disruptivos.
Numa tentativa pouco eficaz para travar os efeitos da desindustrialização, os EUA optaram por políticas protecionistas, as famosas taxas sobre as importações, tentando assim um regresso à economia produtiva, mas os resultados têm sido escassos e o regresso à industrialização demora o seu tempo, o capital prefere (quer) lucros fáceis e rápidos, por outro lado os efeitos mais visíveis da política protecionista são: o aumento dos preços, o aumento da pobreza e da exclusão social e uma disfunção nas cadeias de abastecimento.
A desdolarização é já um dado adquirido, e este deveria ser um dos fatores mais preocupante para os EUA. A celebração de acordos comerciais em moedas próprias, no âmbito do BRICS alargado, mas não só. A moeda estado-unidense está a perder o seu estatuto de referência e à medida em que esse fenómeno crescer os EUA irão enfrentar sérias dificuldades para suportar o seu défice externo e o nível de vida assente no consumo financiado pelo endividamento.imagem retirada da internet
Por estas longitudes e latitudes, isto é, na outra margem do Atlântico a União Europeia mostra-se incapaz de definir um rumo próprio. A resposta à guerra na Ucrânia foi marcada por um alinhamento cego com Washington. A rutura energética com a Rússia, compensada por importações de gás natural liquefeito, sobretudo dos EUA, fragilizou a economia europeia, aumentando os custos energéticos e comprometendo a sua competitividade industrial. A opção da UE pela continuidade do conflito russo-ucraniano ao invés de procurar soluções diplomáticas para a sua resolução tem sido, e continua a ser, um sorvedouro de recursos públicos. A economia da UE já debilitada, em grande medida pela questão russo-ucraniana e pelo efeito boomerang das sanções à Rússia, que o 18.º pacote vai agravar, desde logo, com a proibição da importação de fertilizantes russos, e a economia na UE vai-se afundando a um ritmo preocupante. Vejam-se também os cortes no apoio à agricultura para continuar a financiar a guerra na Ucrânia, bem assim como os cortes na coesão social.
A UE renunciou, na prática, a uma política externa autónoma. A dependência da NATO, cada vez mais orientada pelos interesses estado-unidenses, impede uma política externa europeia própria. A diplomacia perdeu voz, e a russofobia generalizada impede qualquer reconfiguração estratégica a leste. A UE, economicamente poderosa e aparentemente uma referência de liberdade e de paz, tornou-se um ator político secundário no mundo multipolar em formação.
O atual momento da política internacional é mais, muito mais, do que apenas uma crise económica ou geopolítica, estamos à beira do colapso da legitimidade do modelo ocidental e não será difícil prever que essa derrocada irá provocar uma grande instabilidade mundial de consequências, algumas delas, imprevisíveis. As promessas de progresso e estabilidade, que animaram a ordem europeísta pós-Segunda Guerra Mundial, esgotaram-se com o recrudescimento do liberalismo e subsequente rescrição da história. Os pactos sociais que sustentavam a coesão interna foram rompidos. E os povos, sentindo-se traídos, oscilam entre a apatia e a radicalização à direita.
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O que está em causa não é apenas a perda de poder, mas a incapacidade de participar na construção de um novo mundo de respeito pela diversidade e de cooperação entre os povos. Os EUA persistem na lógica imperial, confiando na sua força militar e no dólar. A UE vacila entre a nostalgia do seu antigo papel colonial e imperial e no seguidismo cego dos interesses estado-unidenses. Mas o tempo das hegemonias unipolares é já passado.
O processo de estupidificação das massas, deliberado e tolerado, tem sido reforçado por dois instrumentos complementares: a comunicação social mainstream e as chamadas redes sociais. A primeira, largamente capturada por interesses corporativos e políticos, abdicou do seu papel informativo e crítico para se tornar numa caixa de ressonância das agendas e pensamento dominantes. O jornalismo de investigação foi substituído por narrativas superficiais, que misturam informação e entretenimento (infotainment), e ainda com campanhas de manipulação emocional dirigidas às crenças e com fortes apelos ao sentimentalismo.
As redes sociais, por seu turno, que poderiam constituir-se como espaços de pluralismo e mobilização, tornaram-se num laboratório de vício, desinformação e polarização. A lógica algorítmica privilegia o escândalo e a reação impulsiva, promovendo o ruído em vez da reflexão. A política transformou-se em espetáculo e os cidadãos em consumidores fragmentados, atolados num fluxo constante de irrelevância, medo e distração. Neste cenário condicionado pelos algoritmos e pela decadência da comunicação social mainstream, torna-se mais difícil resistir, pensar criticamente e, sobretudo, mobilizar para alternativas políticas que, verdadeiramente, estão centradas na dignidade humana e na salvaguarda do planeta. Mas, também, é sabido que as lutas nunca foram fáceis, mas continua a existir quem esteja disposto a lutar.
As alterações na ordem política mundial, face aos indicadores conhecidos, são irreversíveis, porém, não se espere que um Mundo novo, mais justo e humano, nos caia no regaço. Nunca assim foi, a única coisa que cai do céu é a chuva tudo o resto é resultado da luta organizada dos povos, esses sim, os grandes motores das transformações sociais da história da humanidade.
Ponta Delgada, 22 de julho de 2025