quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Memorial

No sul da ilha de Manhattan, num losango arborizado, quedas de água alimentam dois lagos simétricos localizados exactamente no local onde se erguiam as torres gémeas do World Trade Center. À noite, duas colunas de luz projectam-se da água, perdendo-se no céu, formando a imagem espectral das torres que tombaram.
Em torno dos lagos, cerca de 3000 nomes foram recortados em placas de bronze. Nas palavras dos seus criadores, o memorial “reflecte a ausência”, a ausência dos que se perderam nos ataques de 11 de Setembro de 2001 e nunca foram encontrados, a ausência deixada pelas histórias pessoais interrompidas, a ausência pela queda súbita e inesperada de um mundo que a América julgava seguro e intocável.
Nesta forma poética de lembrar os que pereceram no Ground Zero, vítimas inocentes – que o são sem dúvida, para lá de toda a maquinação política antes e pós 11 de Setembro – fica também a ausência de todas as outras vítimas, directas ou indirectas mas igualmente inocentes, dos ataques desse dia.
A ausência dos nomes que não estão lá. Os nomes dos que viram as suas casas e aldeias bombardeadas por um poderio militar desvairado em busca de um culpado conveniente. Os nomes dos muitos homens e mulheres de Basra, Mosul, Fallujah ou Bagdade que não tiveram o direito a ser vítimas, apenas “danos colaterais”. Os nomes dos guerrilheiros Peshmerga que depressa viram traído o seu sonho de um Curdistão livre e independente. Os nomes secretos dos anónimos vestidos de laranja que foram arrancados às suas famílias para serem lançados no esquecimento das celas de Guantánamo. Ou os nomes dos que continuam a morrer, desta vez no Afeganistão, em Kabul ou Kandahar.
Para mim, a ausência que vejo neste memorial traz também, forçosamente, todos estes nomes que desconheço.
A política tem destas coisas: o sangue de uns não vale o sangue de outros e vítimas só há do nosso lado. Do lado de lá só há inimigos. Por isso não gostei de ver Barack Obama ao lado de George Bush, elogiando o autor de tantos e tantos dos crimes cometidos em nome das vítimas silenciosas do 11 de Setembro.
Gostei, sim, de o ouvir falar da necessidade de construir a paz e de encerrar uma longa e sangrenta década de guerra que a América moveu sobre os povos do mundo. E gostaria ainda mais de ver essas palavras transpostas em actos concretos. Mas a política tem destas coisas.
A dor dos que ficaram, essa, sim, está para lá da política. E essa, irrecusavelmente, não podemos deixar de, humanamente, partilhar.
Ponta Delgada, 12 de setembro de 2011

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 14 de setembro de 2011, Angra do Heroísmo 

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