A disseminação da doutrina europeísta e a uniformizadora cultura dominante veiculada pelos instrumentos da globalização afectaram, nas últimas décadas, profundamente o modo de vida nos Açores e, se num primeiro momento se verificou uma adesão generalizada e acrítica ao “novo”: - diferente, moderno e disponível para todos; porque propiciador da materialização do sonho, assim como se fosse um processo inverso, mas também complementar, ao do histórico fado açoriano de o procurar (o sonho) para lá do horizonte.
As transformações sociais e culturais ocorreram e evoluíram sem que o ser açoriano tivesse sido despojado da condição singular a que Nemésio chamou de açorianidade, ou seja, passado que foi o impacto da novidade iniciou-se um processo de recriação e valorização destas ilhas, das suas gentes e dos seus costumes. Nesta competição entre a imposição de tudo uniformizar e a matriz cultural açoriana, ganhou a açorianidade.
Ao apropriar-se de novas oportunidades e ferramentas a açorianidade não só sobreviveu, como se renovou e reafirmou, ainda que num olhar pelo “sky-line” dos centros urbanos de maior dimensão e pelos costumes seja naturalmente visível a penetração e adopção de novos conceitos de ocupação do espaço, arquitectónicos e de organização económica e, naturalmente, de modos de vida. Conceitos importados e nem sempre os mais apropriados para uma Região que beneficia de uma singularidade paisagística, ambiental e cultural que lhe confere um potencial económico ainda por rentabilizar de forma sustentável.
O projecto autonómico não é de todo alheio a esta reafirmação da açorianidade e, também ele se consolidou e evoluiu, enquanto aspiração regional, mas também como desígnio político nacional, a autonomia dotou-se de um quadro jurídico e constitucional que lhe confere estabilidade financeira e orçamental (Lei das Finanças Regionais) e de alargadas competências legislativas que a revisão constitucional de 2004 lhe concedeu e que o estatuto consagrou.
Neste processo histórico recente a identidade regional foi reforçada e a autonomia regista um assinalável caminho de aprofundamento e aperfeiçoamento, porém a este quadro de sucessos não corresponde um esperado desenvolvimento harmonioso interno, nem o ritmo de convergência com o país e com a União Europeia corresponde ao que seria expectável e desejável. Os custos do viver insular têm vindo a acentuar-se. É mais caro viver nos Açores e o salário médio dos trabalhadores açorianos é inferior ao salário médio nacional, as assimetrias regionais não só se mantêm como se tem verificado, nos últimos anos, um claro retrocesso naquele que é afinal um dos fundamentos da própria autonomia – a coesão territorial, económica e social.
O desenvolvimento harmonioso da Região, a redução da dependência externa, designadamente a alimentar, a dinamização do comércio interno e externo, a valorização da agricultura e das pescas, um novo paradigma para o sector do turismo, a diversificação de acordos bilaterais com países e regiões da bacia Atlântica são desafios do presente. Mas o maior repto relaciona-se com os transportes, enquanto a Região não for dotada de um modelo integrado de transportes marítimos e aéreos de passageiros e mercadorias de baixo custo, que sirva os cidadãos insulares garantindo-lhes, assim o direito à mobilidade e ao não isolamento e assumindo-se de uma vez por todas como o factor estruturante da dinamização da economia regional. Enquanto este secular constrangimento não for solucionado nenhum dos desafios que enunciei para o presente poderá ser bem sucedido.
Sendo desafios do presente não são, todavia, novos desafios. Os constrangimentos endógenos e exógenos da economia regional são de há muito conhecidos e só a adopção de um modelo de desenvolvimento anacrónico justifica que os Açores continuem a ser hoje tão permeáveis às conjunturas externas como o eram à 4 séculos atrás.
A crise instalada e as respostas políticas que o País e a Região têm adoptado para a sua resolução não passam da reconfiguração de um modelo económico falido e do reforço dos especulativos oligopólios financeiros e, por conseguinte, o resultado só pode ser a continuidade da recessão económica e o aprofundamento das desigualdades sociais, a perda de direitos conquistados e a destruição do Estado.
Vivemos um momento complexo. A soberania nacional está diluída entre o Tratado da União Europeia, a união monetária e, mais recentemente, aos termos do resgate financeiro. Neste quadro e com um governo na República que se predispõe a abdicar do património material e imaterial do País, indo para além do que foi “negociado” externamente. Neste contexto também sobre as autonomias regionais pendem ameaças de retrocessos.
Ficam apenas 3 exemplos que representam, por um lado o desrespeito pelo quadro jurídico e constitucional e, por outro o abandono do princípio de que as autonomias são um projecto político nacional com o qual o regime democrático respondeu às aspirações autonomistas dos povos insulares
A imposição, em sede de memorando de entendimento com FMI/UE/BCE, da redução de 30 para 20% como limite máximo para as opções de política fiscal nas Regiões; a alocação ao Estado das receitas que vierem a ser cobradas na Região em sede do imposto extraordinário sobre o 13.º mês; e, a tentativa, em curso, de liquidação da RTP Açores enquanto garante do cumprimento do serviço público de televisão na Região numa clara atitude de desresponsabilização de competências que ao Estado estão cometidas.
Para além dos desafios internos a que aludi o povo açoriano está, uma vez mais, confrontado com um governo central que na sua essência não passa de um mero cobrador de impostos e tem do país uma visão macrocéfala.
O futuro é de luta na defesa do adquirido autonómico e de construção de um paradigma de desenvolvimento sustentável para os Açores que assuma a ruptura com as opções políticas e económicas que comprovadamente produz assimetrias no desenvolvimento, desigualdades sociais, desemprego, exclusão e pobreza.
Ponta Delgada, 09 de Setembro de 2011
As transformações sociais e culturais ocorreram e evoluíram sem que o ser açoriano tivesse sido despojado da condição singular a que Nemésio chamou de açorianidade, ou seja, passado que foi o impacto da novidade iniciou-se um processo de recriação e valorização destas ilhas, das suas gentes e dos seus costumes. Nesta competição entre a imposição de tudo uniformizar e a matriz cultural açoriana, ganhou a açorianidade.
Ao apropriar-se de novas oportunidades e ferramentas a açorianidade não só sobreviveu, como se renovou e reafirmou, ainda que num olhar pelo “sky-line” dos centros urbanos de maior dimensão e pelos costumes seja naturalmente visível a penetração e adopção de novos conceitos de ocupação do espaço, arquitectónicos e de organização económica e, naturalmente, de modos de vida. Conceitos importados e nem sempre os mais apropriados para uma Região que beneficia de uma singularidade paisagística, ambiental e cultural que lhe confere um potencial económico ainda por rentabilizar de forma sustentável.
O projecto autonómico não é de todo alheio a esta reafirmação da açorianidade e, também ele se consolidou e evoluiu, enquanto aspiração regional, mas também como desígnio político nacional, a autonomia dotou-se de um quadro jurídico e constitucional que lhe confere estabilidade financeira e orçamental (Lei das Finanças Regionais) e de alargadas competências legislativas que a revisão constitucional de 2004 lhe concedeu e que o estatuto consagrou.
Neste processo histórico recente a identidade regional foi reforçada e a autonomia regista um assinalável caminho de aprofundamento e aperfeiçoamento, porém a este quadro de sucessos não corresponde um esperado desenvolvimento harmonioso interno, nem o ritmo de convergência com o país e com a União Europeia corresponde ao que seria expectável e desejável. Os custos do viver insular têm vindo a acentuar-se. É mais caro viver nos Açores e o salário médio dos trabalhadores açorianos é inferior ao salário médio nacional, as assimetrias regionais não só se mantêm como se tem verificado, nos últimos anos, um claro retrocesso naquele que é afinal um dos fundamentos da própria autonomia – a coesão territorial, económica e social.
O desenvolvimento harmonioso da Região, a redução da dependência externa, designadamente a alimentar, a dinamização do comércio interno e externo, a valorização da agricultura e das pescas, um novo paradigma para o sector do turismo, a diversificação de acordos bilaterais com países e regiões da bacia Atlântica são desafios do presente. Mas o maior repto relaciona-se com os transportes, enquanto a Região não for dotada de um modelo integrado de transportes marítimos e aéreos de passageiros e mercadorias de baixo custo, que sirva os cidadãos insulares garantindo-lhes, assim o direito à mobilidade e ao não isolamento e assumindo-se de uma vez por todas como o factor estruturante da dinamização da economia regional. Enquanto este secular constrangimento não for solucionado nenhum dos desafios que enunciei para o presente poderá ser bem sucedido.
Sendo desafios do presente não são, todavia, novos desafios. Os constrangimentos endógenos e exógenos da economia regional são de há muito conhecidos e só a adopção de um modelo de desenvolvimento anacrónico justifica que os Açores continuem a ser hoje tão permeáveis às conjunturas externas como o eram à 4 séculos atrás.
A crise instalada e as respostas políticas que o País e a Região têm adoptado para a sua resolução não passam da reconfiguração de um modelo económico falido e do reforço dos especulativos oligopólios financeiros e, por conseguinte, o resultado só pode ser a continuidade da recessão económica e o aprofundamento das desigualdades sociais, a perda de direitos conquistados e a destruição do Estado.
Vivemos um momento complexo. A soberania nacional está diluída entre o Tratado da União Europeia, a união monetária e, mais recentemente, aos termos do resgate financeiro. Neste quadro e com um governo na República que se predispõe a abdicar do património material e imaterial do País, indo para além do que foi “negociado” externamente. Neste contexto também sobre as autonomias regionais pendem ameaças de retrocessos.
Ficam apenas 3 exemplos que representam, por um lado o desrespeito pelo quadro jurídico e constitucional e, por outro o abandono do princípio de que as autonomias são um projecto político nacional com o qual o regime democrático respondeu às aspirações autonomistas dos povos insulares
A imposição, em sede de memorando de entendimento com FMI/UE/BCE, da redução de 30 para 20% como limite máximo para as opções de política fiscal nas Regiões; a alocação ao Estado das receitas que vierem a ser cobradas na Região em sede do imposto extraordinário sobre o 13.º mês; e, a tentativa, em curso, de liquidação da RTP Açores enquanto garante do cumprimento do serviço público de televisão na Região numa clara atitude de desresponsabilização de competências que ao Estado estão cometidas.
Para além dos desafios internos a que aludi o povo açoriano está, uma vez mais, confrontado com um governo central que na sua essência não passa de um mero cobrador de impostos e tem do país uma visão macrocéfala.
O futuro é de luta na defesa do adquirido autonómico e de construção de um paradigma de desenvolvimento sustentável para os Açores que assuma a ruptura com as opções políticas e económicas que comprovadamente produz assimetrias no desenvolvimento, desigualdades sociais, desemprego, exclusão e pobreza.
Ponta Delgada, 09 de Setembro de 2011
Aníbal C. Pires, In Expresso da Nove, 23 de Setembro de 2011, Ponta Delgada
Sem comentários:
Enviar um comentário