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Foto retirada da Internet |
Corria o ano de 1975, ano de todas as emoções e de todos os sonhos. Era Maio e ainda e sempre Abril. Eram jovens, era tempo de amor, era tempo de uma incontida alegria, era tempo de transformar, era tempo de construir um país novo. Era também tempo de ancestrais ritos da Primavera e da fertilidade que acompanham o Homem desde tempos imemoriais.
Era quinta-feira da ascensão segundo o calendário católico e, “Dia da “Espiga” no calendário dos rituais pagãos. Nas escolas da Beira Baixa na tarde desse dia não havia atividades escolares, o hábito ainda era mais forte que a intolerância e, como mandava a tradição e o ritual, houve tolerância e os jovens procuraram os campos para comporem o seu ramo de flores silvestres ao qual juntavam uma espiga de trigo. Cada espécie da flora, que compõe o ramo do “Dia da Espiga”, tem o seu significado mas isso, para aqueles jovens, pouco importava tinham tempo de aprender esse e muitos outros saberes.
Nesse dia, verdadeiramente importante era a oportunidade de os namorados irem passear para longe de olhares reprovadores ou dos voyeurs que frequentavam os jardins e praças públicas. Nesse dia, verdadeiramente importante era criar a oportunidade de, perante a paisagem inigualável da Cova da Beira vista das faldas da Serra da Gardunha, declarar o seu amor e esperar ser correspondido contando, para isso, com o apoio dos odores primaveris, do chilrear das aves numa sinfonia de sedução e do som da água que corre nos pequenos regatos. Sons e odores que induzem tranquilidade e favorecem a inspiração necessária ao solene momento em que declaramos o nosso amor.
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Imagem retirada da Internet |
O Antero diz que não mas, das suas palavras, percebe-se que sim. Escolheu cuidadosamente o local para onde conduziu Sofia, naquele “Dia da Espiga”, e ensaiou cuidadosamente a sua declaração de amor. Fazia tempo que o Antero se colocava estrategicamente para a ver passar a caminho da escola. Trocavam efémeros olhares. O tempo e a constância daqueles instantes, em que os olhares se cruzavam, ficaram mais prolongados, mais esclarecedores, mais insinuantes. Conheceu-a numa curta viagem de comboio e depois disso não passou um dia, que fosse, sem a procurar para uma breve troca de palavras, até que num desses fugazes encontros ousou convidá-la para lanchar num café da vila onde vivia e para onde ela se deslocava diariamente para frequentar a escola. Ela aceitou. Esses encontros, que contavam sempre com a presença de amigas e amigos comuns, aconteciam sempre que as obrigações de cada um o permitiam. Ainda que não declarado o amor e o consequente namoro ou afastamento, quem privava com a Sofia e com o Antero percebia que entre os dois se afirmava uma relação que ia para além da amizade e, o que que quer que fosse, era recíproco. Se o Antero suspirava pela presença dela, a Sofia tudo fazia para poder estar com ele.
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Foto - Aníbal C. Pires |
Chegado o “Dia da Espiga”, que nesse ano aconteceu a 8 de Maio, o Antero e a Sofia acompanhados de um outro jovem casal saíram do perímetro urbano em direção a um miradouro sobranceiro à vila que se implantou no sopé Norte da Serra da Gardunha, dali avista-se a urbe que na altura tinha um jornal que era uma referência da imprensa livre e, hoje sobejamente conhecida pela qualidade única da cereja que por ali se produz. Depois de alguns momentos de contemplação do vale que se estende até à Serra da Estrela, contornaram o santuário ali existente e dirigiram-se pela estrada de terra que os conduziu às ruínas do Convento de Nossa Senhora do Miradouro ou do Seixo, construído no Século XVI e que, segundo o historiador José Hermano Saraiva, terá albergado Gil Vicente durante o seu degredo entre os anos de 1533 a 1536. Mas o Antero dado às questões da natureza e da história, querendo impressionar Sofia, desafiou-a a caminhar mais um pouco pois queria mostrar-lhe um templo do Século XIV e uma nascente de água pura e cristalina onde poderiam refrescar-se e saciar a sede. Ela acedeu, caminharam já sozinhos pela estreita alameda até à pequena capela da Senhora do Miradouro ou do Seixo. Estava, como hoje estará, fechada e pouco cuidada, o que não retirou nem encanto nem simbolismo ao momento que viviam. Sentados defronte a capela fez-se silêncio, de nada tinham valido os ensaios do Antero, a declaração de amor tantas vezes repetida e encenada estava presa num estranho nó na garganta. Sofia aguardava as ansiadas palavras que ela adivinhava e, às quais iria dizer, Sim. Passado um prolongado e angustiado silêncio o Antero, de forma atarantada, lá tomou coragem para declarar o seu amor a Sofia. E amaram-se, e amam-se.
Horta, 08 de Maio de 2016
Aníbal C. Pires,
In Jornal Diário e Azores Digital, 09 de Maio de 2016
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