sábado, 21 de maio de 2016

Referências ou estereótipos (*)

Foto - Aníbal C. Pires
(*) Texto escrito e publicado em Janeiro de 2008, hoje foi revisitado.

Por estes dias, num qualquer espaço comercial, numa qualquer cidade, quando junto com a minha companheira usufruía do sossego do fim de tarde, sentaram-se comigo três teenagers, um rapaz e duas raparigas. O João, meu filho mais novo, mediou a apresentação. Estavam por ali a matar o tempo que faltava para o início de uma atividade desportiva que ia decorrer ao princípio da noite. Passados os primeiros instantes, não resisti à inevitável pergunta, Então, meninas, o que querem ser quando forem grandes. Boa, respondeu de pronto uma delas enquanto a outra soltava uma saudável gargalhada. Como, retorqui perplexo com a resposta.
Boa pergunta, disse a jovem completando assim a resposta que se tinha ficado apenas pela interjeição.
Ah, Percebo ainda não tomastes decisões para o futuro. Sim, é isso. Confirmou a Ana, já com a face levemente rosada.
Eu quero fazer medicina, disse a bem disposta Maria, rindo ainda da pronta mas inusitada resposta da colega.
Depois deste breve diálogo sobre o qual ainda se produziram algumas gargalhadas, face à insólita e espontânea mas, incompleta resposta da Ana, fiquei a refletir sobre as expectativas e dificuldades desta geração.
Foto - Aníbal C. Pires
Geração nada e criada num tempo de exacerbada competitividade e com referências algo desvirtuadas por estereótipos de sucesso construído em imagens dum Mundo, em que o êxito está associado à capacidade de consumo, aos corpos esbeltos, ao parecer, ao ter. Onde mais do que ser, é importante possuir e, sobretudo, induzir sugestões de pertença ao Mundo dos singularmente bem-sucedidos.
A competição pelo sucesso individual, suposto caminho para o bem-estar e qualidade de vida, deixa muitas vítimas pelo caminho e põe em causa o conforto e qualidade de vida que deve ser de todos, não apenas de alguns. Em última instância, o que está em causa é a própria sobrevivência da espécie.
A tendência imediata é a de responsabilizarmos diretamente os jovens. Mas será que não foi sempre assim. Quando jovem, ouvia os mais velhos dizerem, no meu tempo não era nada disto. É bem possível que também os meus pais ouvissem aos seus serem-lhes atribuídos comportamentos menos corretos e se especulasse sobre a capacidade de se tornarem adultos realizados e responsáveis. Não tenho dúvidas que sempre assim foi. Mas esse é o caminho simplista de quem não entende que os comportamentos, dos jovens e dos adultos, são condicionados por fatores que vão muito para além da imaturidade e despreocupação que caracteriza os jovens humanos.
A raiz, não a quadrada mas a génese do problema, é extrínseca à condição de se ser ou não jovem. A raiz é de ordem cultural e de domínio.
A promoção do individualismo e a atomização social, ao invés de nos tornar diferentes e mais fortes, deixa-nos fragilizados no igualitarismo dos comportamentos. Ou seja, facilmente domináveis pelo medo que o desconhecimento constrói.
Ponta Delgada, 05 de Janeiro de 2008


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