quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Não bastam as palavras

foto by Madalena Pires

É tempo de retrospetivas e de previsões, não confundir com predições ou profecias. Não sou dado a uma nem a outras e, assim pretendo continuar. O balanço pessoal, por ser do meu foro íntimo, não é publicamente partilhável, a avaliação social, política, cultural, ambiental e económica do que se passou na Região, no País e no Mundo deixo-a para analistas bem mais habilitados do que eu, quanto às previsões do futuro próximo (2023) opto, também, por me abster de partilhar o que, em minha opinião, se configura no horizonte. Tenho opinião sobre o que se passou e o que se prevê venha a acontecer, mas, de momento, prefiro guardá-la para mim.

É tempo de renovar votos de esperança em futuros prósperos, de paz e amor, mas já nem isso faço. Passados que são algumas décadas da minha existência considero que não vale a pena insistir. Não tem dado resultado, nem se vislumbra que venha a acontecer alguma mudança significativa que resulte de belas palavras ditas e escritas na quadra natalícia e na passagem do ano e, por conseguinte, desisti de as enunciar e, sobretudo de as tornar públicas através de publicações nos hodiernos suportes a que chamam redes sociais ou, mesmo aqui, nas clássicas colunas de opinião da imprensa.

Se isto significa que me demiti da minha intervenção cívica!? Não. Se o que ficou dito expressa a ideia de desistência, ou qualquer abalo nas convicções que sempre guiaram a minha vida pública e pessoal!? Também não. O que terá mudado foi a minha atitude perante a hipocrisia reinante e, porventura, uma crescente intolerância face a agendas políticas apresentadas como vanguardas do mundo ocidental que remetem para segundo plano a essência do que verdadeiramente urge resolver.

foto by Jorge Blayer Góis
Se isto significa que até aqui assumi um papel moderado, ou se preferirem tenho sido, como se instituiu dizer, politicamente correto. Talvez, mas é um pouco mais complexo e, embora não seja meu propósito deixar aqui uma enumeração de motivos sempre acrescento que, embora goste de navegar à bolina e de remar contra a corrente, por vezes tenho navegado com ventos de feição e ao sabor da maré. Também não é um ato de contrição ou de “mea culpa”, é tão-somente a constatação de que em determinadas fases da minha vida joguei com as regras de um jogo intrinsecamente viciado aparentando acreditar em virtualidades que não tem. O meu pecado não foi agir segundo os cânones, se algo de errado houve foi ter representado um papel com o qual, de todo, não me identificava, nem identifico. Como não me trouxe qualquer espécie de benefícios pessoais poderei afirmar, com segurança, que não me prostituí. A coluna vertebral apesar das mazelas da idade, mantém a sua habitual verticalidade.

Os últimos parágrafos podem até parecer, mas não são uma confissão, pois quem comigo priva sabe que este é, desde sempre, o meu pensamento e, por consequência, esta declaração de princípio (ou fim) só é novidade para quem conhece apenas alguns dos aspetos mais relevantes da minha vida pública. Quando muito o que ficou dito nos últimos parágrafos poderá ser entendido, isso sim, como um aviso prévio, para a eventual radicalização do discurso público nos suportes a que tenho acesso. Apenas isso e nada mais do que isso. Como sempre as conclusões, se é que as há, deixo-as para os leitores da “Sala de Espera” que esta semana por aqui passarem.

O meu regresso às colunas do Diário Insular está a completar um ano. Não vou, à semelhança de outras situações, fazer nenhum balanço, direi simplesmente que: o regresso e a presença quinzenal neste espaço têm sido muito prazerosos e enriquecedores.

foto by João Pires

A pertinência, a utilidade e diversidade dos temas foram, por mim, tomadas em consideração sempre com o propósito de não enfadar os leitores que passam pela “Sala de Espera”. Dei a minha opinião, mas como ficou registado no texto em que regressei (edição de 12 de janeiro de 2022), mais do que a minha opinião procurei: “(…) trazer aos leitores do DI opinião aberta sobre temas sem fronteiras, nem verdades absolutas. (…)”. A intenção não era nova. Sempre procurei deixar espaço para os leitores, ou seja, não tenho uma estratégia colonizadora do pensamento alheio, gosto da diversidade do pensamento crítico, mas sou intolerante à opinião papagueada ancorada nos bordões do mainstream.

É bem possível que nem sempre o tenha conseguido, mas este foi o intento e continuará a ser. Confio que os textos que por aqui vão lendo, mais do que serem do vosso agrado, vos despertem para a reflexão e para o contraditório, ainda que os ecos dessa leitura nem sempre cheguem ao autor, daí não vem mal ao mundo, mas estou recetivo a ouvir/ler as vossas opiniões. Por outro lado, agradeço a confiança da direção editorial do Diário Insular que me continua a acolher no seu painel de colunistas, o que muito me honra.

Ponta Delgada, 27 de dezembro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 28 de dezembro de 2022

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

da inutilidade das palavras de ocasião

imagem retirada da internet



Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.




(...) É tempo de renovar votos de esperança em futuros prósperos, de paz e amor, mas já nem isso faço. Passados que são algumas décadas da minha existência considero que não vale a pena insistir. Não tem dado resultado, nem se vislumbra que venha a acontecer alguma mudança significativa que resulte de belas palavras ditas e escritas na quadra natalícia e na passagem do ano e, por conseguinte, desisti de as enunciar e, sobretudo de as tornar públicas através de publicações nos hodiernos suportes a que chamam redes sociais ou, mesmo aqui, nas clássicas colunas de opinião da imprensa. (...)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

As metáforas de Borrell

imagem retirada da internet

O responsável pela “diplomacia” da União Europeia (UE), militante do PSOE, pode caraterizar-se por ser qualquer coisa menos um diplomata. Josep Borrel tem primado a sua vida política no seio da UE por incidentes embaraçosos. Alguns resultam da sua ignorância, como quando a 28 de setembro de 2006, declarou haver países nórdicos na UE que não conheceram os rigores da guerra, demonstrando falta do conhecimento de histórico. Dois dos três países nórdicos que são também membros da UE estiveram envolvidos na Segunda Guerra Mundial. Mais tarde Borrell reconheceu o erro e pediu desculpa à Finlândia e à Dinamarca dizendo que se estava a referir apenas à Suécia. Para além da história Borrell demonstrou que os seus conhecimentos de geografia deixam muito a desejar, mas não é só nestas áreas do conhecimento, Borrell é, naturalmente, boçal. 

Esta personalidade que já foi presidente do Parlamento Europeu (20 de julho de 2004 a 16 de janeiro de 2007, ao qual se seguiu Hans-Gert Pöttering, do Partido Popular Europeu, tendo este último terminado o seu mandato em 2009. Esta alternância faz parte de um acordo entre as duas famílias políticas que dominam o Parlamento Europeu. 

Josep Borrell é, atualmente, o Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. A UE, para além de Josep Borrell, tem outros mentecaptos em lugares chave. A senhora Ursula von der Leyen, presidente da Comissão, é, também ela um paradigma da insensatez reinante, modelo que produz penosos efeitos para os cidadãos da UE, estamos a senti-los nos bolsos e na pele.

imagem retirada da internet
Dos altos funcionários da Comissão Europeia esperam-se outros atributos, mas as opções são pela mediocridade, só assim se entende que este eurocrata espanhol tenha ascendido a “alto qualquer coisa” no seio da UE. E não, não é um erro de “casting”, trata-se de uma opção instrumental, ou seja, a pessoa certa no lugar certo para servir e aprofundar os propósitos deste conglomerado de Estados.

Interessa à UE manter uma política neocolonial ancorada no eurocentrismo e no atlantismo, contando para isso com o processo generalizado de estupidificação das populações europeias que tem vindo a acontecer nas últimas décadas. Só assim se explica a manutenção, sem uma forte onda de contestação, de Josep Borrell e Ursula von der Leyen, como Vice-presidente e Presidente da Comissão Europeia.  

Mas voltemos ao senhor Borrell. Na edição de 19 de outubro do Diário Insular dediquei-lhe uma crónica a propósito da sua classificação do mundo que, segundo o próprio, se divide entre o “jardim” (ocidente) e a “selva” (resto do mundo). Pode até o leitor ser levado a concluir que a linguagem utilizada foi metafórica. Admitamos que sim e, mas analisemos uma outra declaração proferida recentemente durante um encontro entre parlamentares europeus e latino-americanos (EUROLAT).

O Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ou se preferirem o responsável pela diplomacia da UE, na senda da procura de uma saída para o buraco negro em que a UE se está a afundar disse na reunião da EUROLAT: “Para navegar nesta tempestade, nem as rotas nem os mapas do passado nos servem. Como os descobridores e conquistadores, temos de inventar um Novo Mundo”. Sim, talvez seja uma metáfora, mas quero crer que se trata, tal como na anterior caracterização do mundo, de um pensamento sem a capa da habitual hipocrisia no discurso dos líderes europeus.

O atual contexto cultural, social, económico e político permite a Borrell e a outros euroburocratas de serviço dizerem o que realmente pensam e sempre pensaram sobre a humanidade e o mundo. Esta afirmação do responsável da diplomacia da UE é clara e não deixa lugar para qualquer equívoco. E não, não são metáforas é pensamento sem qualquer dissimulação. Não é por acaso que o fascismo, na Europa e no Mundo, está a despertar do seu estado de latência. Sim estava adormecido, a hidra nunca foi liquidada. 

imagem retirada da internet

O senhor Borrell quer manter o seu “jardim” à custa da “selva”. O roubo, a violência, o genocídio (até aos nossos dias) é a herança dos “conquistadores” e o chefe da diplomacia da UE quer recrear   um “novo mundo” construído à semelhança do que foi feito pelos “descobridores e conquistadores”.

As intervenções do senhor Borrell no EUROLAT não são infelizes, nem metafóricas, as intervenções do responsável pela diplomacia da UE traduzem o pensamento dominante no seio das instituições da UE, pensamento ancorado no eurocentrismo, logo um pensamento racista e discriminatório.

A necessidade dum “novo mundo” é um imperativo, mas só será novo se for ancorado no reconhecimento da multiculturalidade, sem culturas dominantes, na paz e na cooperação entre os povos.

Ponta Delgada, 13 de dezembro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 14 de dezembro de 2022

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

cromos da UE

imagem retirada da internet


Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.



(...) Josep Borrell é, atualmente, o Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. A União Europeia, para além de Josep Borrell, tem outros mentecaptos em lugares chave. A senhora Ursula von der Leyen, presidente da Comissão, é, também ela, um paradigma da insensatez reinante, modelo que produz penosos efeitos para os cidadãos da União Europeia (UE), estamos a senti-los nos bolsos e na pele.

Dos altos funcionários da Comissão Europeia esperam-se outros atributos, mas as opções são pela mediocridade, só assim se entende que este eurocrata espanhol tenha ascendido a “alto qualquer coisa” no seio da UE. E não, não é um erro de “casting”, trata-se de uma opção instrumental, ou seja, a pessoa certa no lugar certo para servir e aprofundar os propósitos deste conglomerado de Estados. (...)


quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

A seleção, os jornalistas/comentadores, os adeptos e o Cristiano Ronaldo

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Quero, antes de mais, informar os leitores que não vejo televisão e não leio jornais desportivos, ou seja, não vi nenhum jogo do Mundial de Futebol nem li sobre as antevisões dos jogos e outros assuntos acessórios que giram à volta desta, como de outras provas de clubes ou seleções de futebol, ou seja, não estarei (não estou) habilitado a tecer considerações objetivas sobre esta indústria e espetáculo de massas.


O que ficou dito não significa, face ao colossal e diverso caudal de informação, que não esteja na posse da informação suficiente para opinar sobre a onda de rejeição a um dos jogadores da seleção nacional, como aconteceu no passado em relação a outros, talvez com menor impacto mediático, mas face à projeção do visado este “mal dizer”, tão caraterístico dos portugueses, assume foros incompreensíveis e, sobretudo, revelam uma visão redutora dos contributos individuais para um projeto que, quer se queira quer não, é coletivo. Todos são importantes, desde o roupeiro ao médio que corta a linha de passe, ao lateral que sobe e cruza em profundidade para a pequena área, ao guarda redes que intercepta a bola que se dirige certeira para o fundo das redes, ao jogador que finaliza, passando pelo nutricionista, pela equipa médica, pela equipa técnica, pelo selecionador, enfim a seleção não se resume aos jogadores que disputam um jogo. Jogo ao qual se chegou com o contributo de muitos outros. Há todo um historial para o qual muitos contribuíram e que trouxe a seleção portuguesa até, pelo menos, aos quartos de final do mundial de 2022.

imagem retirada da internet
O percurso foi construído com maus e bons momentos e a responsabilidade pelos sucessos e insucessos é de todos, não apenas de um.

Os jornalistas e comentadores desportivos, como em outras áreas, centram as notícias e os comentários num indivíduo, por norma o finalizador que deu a vitória á sua equipa. Percebo! Já não compreendo o esquecimento a que os outros são votados, só houve finalização e vitória porque o coletivo funcionou, isto para além de outras variáveis.

Com uma cultura jornalística e de análise com estas caraterísticas é, mais ou menos esperado que os adeptos regurgitem a paixão ou o ódio a uma personalidade. Os alvos são, por norma, as personalidades que pelos êxitos e desempenhos foram amadas e endeusadas. Mas no futebol, como na vida, há bons e maus momentos e quando os resultados não correspondem às expetativas criadas a paixão dá lugar ao ódio e ao desprezo. Já o fizeram com o selecionador nacional, que agora volta a estar em alta, como a outros protagonistas.

Os adeptos portugueses são o espelho da comunicação social que predomina, são inconstantes e incapazes de apoiar quando o seu clube ou seleção atravessam momentos menos bons. Vejam-se outros adeptos: há-os que nunca deixam de apoiar as suas cores, sejam elas clubísticas ou nacionais.

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Não tenho nenhuma simpatia especial por Cristiano Ronaldo reconheço-lhe, contudo, qualidades excecionais enquanto atleta e jogador de futebol, como reconheço que tem um comportamento irrascível, fruto, quiçá, do endeusamento que o mediatismo construiu à sua volta. Cristiano Ronaldo é um jogador da seleção portuguesa e, como tal, deve merecer o mesmo respeito que um outro qualquer jogador nacional. Se está ou não no banco é uma opção do selecionador, mas todos os jogadores que ficam no banco e os que não são convocados devem-nos merecer o mesmo respeito.


Os jornalistas, os comentadores e, por arrasto, os adeptos estão a destilar ódios sobre Ronaldo e a centrar a atenção sobre um passado recente que pode não ser muito abonatório para o jogador português. Ainda não percebi qual o objetivo desta obsessão pelo Cristiano Ronaldo, a não ser o de vender “informação” de qualidade duvidosa, isto para além de se constituir como uma afronta à seleção nacional que, com Ronaldo, já chegou aos quartos de final do mundial 2022 e que desejo possa continuar em prova até à final.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 7 de dezembro de 2022


quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Prevenir a doença promovendo a saúde

foto by Aníbal C. Pires
Voltei à Escola. Pontualmente, mas regressei e, foi bom o reencontro com as crianças e jovens, foi bom percorrer os espaços onde se desenvolve o ensino e a aprendizagem, foi bom sentir a azáfama e o pulsar da comunidade escolar, foi bom cruzar-me com colegas, com os funcionários e com os alunos. Foi particularmente bom o diálogo com um alargado grupo de alunos que se prepara para participar na edição do Parlamento dos Jovens (2022/23) -Saúde Mental nos Jovens – Que desafios? Que respostas!?

Um tema atual e complexo, diria mesmo que continua a ser delicado, apesar dos muitos estigmas e preconceitos que já foram eliminados, e oportuno pois, à data, a nova Lei de Saúde Mental, já aprovada na generalidade, pela Assembleia da República, encontra-se em fase de discussão na especialidade sede da comissão competente. A iniciativa foi do Governo e em simultâneo discute-se um alargado pacote legislativo sobre a mesma problemática, ou seja, à iniciativa do governo os legisladores aduziram outras peças legislativas para complementar Proposta de Lei 24/XV/1 (nova lei da Saúde Mental). 

O pacote legislativo, para além da já referida Proposta de Lei 24/XV/1, inclui as seguintes iniciativas para discussão conjunta: Projeto de Lei 335/XV/1 - Cria um plano de saúde mental em centros educativos e estabelecimentos prisionais; Projeto de Lei 339/XV/1 - Cria o Cheque de Saúde Mental, com o propósito de garantir o acesso em tempo útil a consultas de psiquiatria e a consultas de psicologia; Projeto de Lei 346/XV/1 - Lei de meios para a saúde mental; e Projeto de Resolução 177/XV/1 - Recomenda ao Governo que coloque em ação o Plano Nacional de Saúde Mental.

imagem retirada da internet

Julgo que não foi feita, aliás como é habitual neste como em outros setores, uma avaliação rigorosa do quadro legal sobre a saúde mental em Portugal. Ouvimos da boca de especialistas e de organizações profissionais de saúde que a atual lei não foi cumprida e que o Plano Nacional de Saúde Mental é apenas uma bonita proclamação, já que a sua execução não foi posta em prática. Mas a avaliação global e sistemática não foi feita. Não quero com isto dizer que não seja necessária uma nova lei da saúde mental, a que está em vigor data de 1998 e, passados que são 24 anos, ocorreram muitas alterações, desde logo um aumento acentuado de cidadãos com problemas associados a doenças mentais. 

Não sei se a lei foi ou não cumprida, mas sei que a prevenção e a promoção da saúde mental não produziram os efeitos desejados. E não, a culpa não é da Covid19.

Um breve olhar para os determinantes de saúde será suficiente para perceber que a prevenção e a promoção da saúde dependem de um conjunto alargado de aspetos e que não se centra apenas no indivíduo e nas respostas dos cuidados de saúde.

Vejamos quais são, segundo o Plano Nacional de Saúde 2021/2030 (PNS 21-30), os determinantes de saúde: “(…) Os determinantes de saúde são fatores que contribuem para o estado atual da saúde de uma pessoa ou população, pelo aumento ou redução da probabilidade de ocorrência de doença ou de morte prematura e evitável. Um mesmo determinante de saúde pode estar relacionado com mais do que um problema de saúde e vice-versa. Também um grupo de determinantes pode estar relacionado com um grupo de vários problemas de saúde. A evidência mostra que cada vez mais os diferentes tipos de determinantes de saúde interagem entre si, formando uma rede intrincada e complexa de relações e influência. (…)”. No âmbito do PNS 2021-2030 foi adotada a seguinte classificação dos determinantes de saúde: “ambientais, biológicos, comportamentais ou estilos de vida, demográficos e sociais, económicos, e relacionados com o sistema de saúde e a prestação de cuidados de saúde.”

Ter um quadro legal que responda às necessidades da prevenção e promoção da saúde é importante, mas as políticas públicas promotoras da saúde e do bem-estar das populações não dependem apenas do comportamento do indivíduo e das respostas dos serviços de saúde. Qualquer política pública que vise a promoção da saúde e a prevenção da doença tem de considerar todos os determinantes de saúde, ou seja, se queremos ter uma população saudável não podemos continuar a desenhar políticas que não ponderam o bem-estar ambiental, cultural, social e económico.

Aos alunos, estejam os leitores mais atentos descansados, não lhes deixei opiniões subjetivas, nem especulei sobre o estado da saúde, em particular da saúde mental em Portugal, aos alunos transmiti factos e conceitos que constam das publicações da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Plano de Saúde 2021-2030 e de outros documentos oficiais. Aos alunos deixei alguns instrumentos para desenvolverem o pensamento autónomo e crítico.

Lisboa, 28 de novembro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 30 de novembro de 2022 

Sandra Pereira - a abrir dezembro





Lindas são as mulheres que lutam.

A Sandra Pereira é uma dessas lindas mulheres.

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

já tardava

imagem retirada da internet


Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) Julgo que não foi feita, aliás como é habitual neste como em outros setores, uma avaliação rigorosa do quadro legal sobre a saúde mental em Portugal. Ouvimos da boca de especialistas e de organizações profissionais de saúde que a atual lei não foi cumprida e que o Plano Nacional de Saúde Mental é apenas uma bonita proclamação, já que a sua execução não foi posta em prática. Mas a avaliação global e sistemática não foi feita. Não quero com isto dizer que não seja necessária uma nova lei da saúde mental, a que está em vigor data de 1998 e, passados que são 24 anos, ocorreram muitas alterações, desde logo um aumento acentuado de cidadãos com problemas associados a doenças mentais. (...) 

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

generalidades com propósito

Aníbal C. Pires (Vale dos Reis, Egipto) by Madalena Pires
Não raras vezes me perguntam, Estás afastado da política!? Para esta recorrente demanda que me é colocada a resposta é invariável, Não, não estou. Depois sempre acrescento que a atividade política, seja na Região ou fora dela, nem sempre tem visibilidade mediática e que continuo a dar os contributos possíveis, ao meu partido, como faço desde os meus 18 anos. Por outro lado, evito utilizar este e outros espaços para abordar ou opinar sobre a situação política regional, por vezes com algum esforço para resistir à tentação de o fazer, aliás como está a acontecer hoje. São estes alguns dos detalhes que alimentam a ideia do meu afastamento das lides políticas e legitima a recorrente pergunta.

Quando me sentei para dar corpo a este texto trazia comigo a ideia fixa de falar de dependências políticas, do poder pelo poder e da teia de reféns e interdependências que está instituída. Reféns que a tudo se sujeitam para se manterem no poder. Optei, mais uma vez, por não o fazer, embora este fosse um dos momentos adequados para tecer algumas considerações sobre o “estado da Região” pois, como é do domínio público, prepara-se a discussão do Orçamento e do Plano de Investimentos Anual do ano de 2023 e, sobre estes dois documentos muito se poderá(ia) dizer. Mas não o farei. Não o faço sobre o que está explícito, nem sobre o que está submerso nas entrelinhas. O que passa para a opinião pública é a ideia de diálogo parlamentar, de rigor orçamental e de unidade política à volta de um projeto de governação. Nem disse governação avulsa para não me acusarem de estar a fazer juízos infundados e espúrios sobre este tripartido governo e os seus fiéis acólitos de ocasião. Mas, como dizia, a construção das representações sociais sobre o atual momento político, não passam disso mesmo, são imagens de uma realidade virtual. Imagens muito distantes da realidade que nos está a empobrecer como cidadãos e como povo.

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Sou levado a reconhecer que a gestão da comunicação e a indução da ideia de que a governação açoriana tem um rumo e que rompeu com o passado está consolidada. Este reconhecimento é, como qualquer outra opinião, subjetiva, pois não disponho de estudos de opinião que a sustentem, mas a insipiência das oposições, com particular relevo para o PS, e a fraca ou inexistente contestação pública, com as devidas e reconhecidas exceções, levam-me a concluir que a generalidade dos agentes políticos e dos cidadãos aceita como boas as opções políticas que estão a ser implementadas na Região. Talvez não seja bem assim, só a consulta eleitoral o poderia assegurar, mas lá que parece, parece.


Continuo a esforçar-me, mas tenho consciência que já disse mais do que deveria, porém, e sem aprofundar a análise sempre direi que, de facto, existe uma mudança de paradigma nas opções políticas regionais, o que não significa, por si só, que essas alterações representem algo de positivo, bem pelo contrário. A dependência externa aumenta na mesma razão em que diminui o investimento nos serviços públicos, se desbarata o património regional e se enfraquece a capacidade produtiva regional. Ou seja, estamos a caminhar a passos largos para o que os liberais, os de nome e os de opção, tanto desejam: o mercado. Não deixa de ser paradoxal que numa região que pelas suas caraterísticas endógenas (insular, arquipelágica, com uma reduzida dimensão territorial e populacional) se pretenda substituir o setor público por serviços privados. Se é possível!? Claro que sim, mas sempre à custa do financiamento público no qual o mercado se alimenta, quer aqui quer em qualquer outra parte do mundo. Não temos dimensão produtiva, o território é exíguo e pulverizado numa vasta área do Atlântico Norte, não temos dimensão populacional, logo não temos dimensão de mercado. Qualquer tentativa de liberalização dos serviços públicos e da economia está condenada a sair-nos muito caro. O anterior modelo de transporte aéreo para a Região custava anualmente ao Estado cerca de 16 milhões de euros, com a liberalização das rotas de S. Miguel e da Terceira e a inexistência de um teto máximo para as tarifas destas rotas, paradoxalmente por pressão das transportadoras de baixo custo, com a justificação de que o mercado iria autorregular-se e a tendência seria os preços baixarem, teve como efeito um aumento brutal nos apoios do Estado para suportar o chamado Subsídio Social de Mobilidade.     

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A ideia de que o setor privado presta melhor serviço que o setor público é uma panaceia. Veja-se, por exemplo, a diminuição da qualidade dos serviços postais nacionais (CTT) desde a sua privatização, ou ainda, o aumento dos custos e o desinvestimento na infraestrutura aeroportuária nacional, em particular na Região, com a entrega, “ad aeternum”, da concessão da ANA à Vinci. Outros exemplos poderiam ser enunciados como o setor energético ou os transportes, mas julgo que os dois primeiros são suficientes para se perceber que o neoliberalismo não dispensa o financiamento estatal. Para os neoliberais tudo está bem se os lucros forem privatizados e os prejuízos socializados. Veja-se a banca. Foram milhares de milhões de euros de fundos públicos para a recapitalização, agora que os lucros voltaram a ser obscenos não há retorno para o erário público. 

Ponta Delgada, 15 de novembro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 16 de novembro de 2022

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

e aos costumes digo nada

foto by Aníbal C. Pires




Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.




(...) Quando me sentei para dar corpo a este texto trazia comigo a ideia fixa de falar de dependências políticas, do poder pelo poder e da teia de reféns e interdependências que está instituída. Reféns que a tudo se sujeitam para se manterem no poder. Optei, mais uma vez, por não o fazer, embora este fosse um dos momentos adequados para tecer algumas considerações sobre o “estado da Região” pois, como é do domínio público, prepara-se a discussão do Orçamento e do Plano de Investimentos Anual do ano de 2023 e, sobre estes dois documentos muito se poderá(ia) dizer. Mas não o farei. Não o faço sobre o que está explícito, nem sobre o que está submerso nas entrelinhas. (...)

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

À justa

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Lula venceu as eleições presidenciais brasileiras à justa, mas venceu. Venceu apesar, não de você, mas, de todos os atropelos conhecidos, dos quais a ação da Polícia Rodoviária Federal, (PRF), durante o dia das eleições terá sido o mais visível e, também, o mais denunciado. Como o leitor que entrou na “Sala de Espera” deve ter visto na comunicação social, dispenso-me de os descrever. Esta minha observação não pretende justificar a reduzida margem que deu a vitória a Lula da Silva, não. A complexidade social, política, religiosa e económica que carateriza a sociedade brasileira, mas também a herança colonial, explicarão a que se fica a dever a polarização política brasileira. Há, certamente, fatores externos que devem ser tomados em conta quando se procura aprofundar a análise, mas é no âmago da sociedade brasileira que se alicerçam os pilares de qualquer estudo que procure compreender este fenómeno que, não sendo único, tem particularidades muito próprias.

A arquitetura dos órgãos federais, a sua composição e, sobretudo, os anacronismos do seu funcionamento, bem assim como a gestão das várias sensibilidades políticas que deram apoio eleitoral ao candidato do PT podem comprometer o mandato de Lula da Silva. Se nos anteriores mandatos de Lula não foi fácil, e se com Dilma Roussef foi possível a sua destituição através de uma golpada parlamentar não se espere, neste cenário complexo e radicalizado, uma gestão política sem percalços. Lula da Silva tem saber e conhecimento para não se deixar, de novo, enredar mas, nem o PT é um coletivo fiável, nem os diferentes partidos que o apoiaram na primeira e segunda volta deixarão de cumprir as suas agendas que, em alguns casos, são antagónicas à do PT.

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O Congresso, composto pela Câmara dos Deputados (513) e pelo Senado (81), está pulverizado por partidos e nenhum deles tem maioria absoluta. Julgo, no entanto, ser importante para perspetivar o futuro próximo perceber quem são os partidos mais representados e qual o seu alinhamento nas eleições presidenciais do passado domingo.

O PL (de Bolsonaro) conquistou 99 lugares e terá a maior bancada na Câmara dos Deputados depois das eleições do último domingo (2 de outubro). Junto com o PP e o Republicanos, os partidos que apoiaram a reeleição Jair Bolsonaro somarão quase 190 deputados federais a partir de 2023.

O PT obteve 68 lugares que somados com outros deputados pertencentes à coligação que apoiou Lula da Silva atinge os 122.


No Senado, apenas um terço dos 81 lugares foram renovados nas eleições deste ano, mas isso foi suficiente para uma mudança significativa. Os resultados ditaram, pela primeira vez em 25 anos, uma mudança que não é, de todo, insipiente, o PL destronou o MDB. O partido com mais senadores (13) será o PL de Bolsonaro.

O cenário político e parlamentar, como se pode constatar, é complexo e a necessidade de encontrar maiorias, para aprovar a agenda política que Lula da Silva apresentou aos brasileiros e ao mundo, vai exigir um esforço político hercúleo. As transformações e a rutura com o neoliberalismo só serão possíveis com a vigilância e a luta do povo brasileiro pois, do Congresso não se esperam facilidades, nem vontade de mudar de rumo. Ou seja, as transformações propostas por Lula da Silva dificilmente terão apoio parlamentar, a haver mudanças elas terão de ser conquistadas, como já referi, pela luta organizada do povo brasileiro.

Já passaram mais de 24 horas sobre a divulgação dos resultados eleitorais e, até agora, não tenho notícia do candidato Jair Bolsonaro ter vindo a público admitir a derrota e cumprimentar o candidato eleito, bem assim como agradecer aos seus apoiantes. Não sei que significado deva atribuir a este silêncio, nem sobre o assunto quero especular, mas sempre direi que falta alguma cultura democrática ao ainda presidente brasileiro.

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A tensão social que se continua a viver em algumas cidades brasileiras, o bloqueio de estradas, a inércia da PRF, no domingo tão expedita a travar os cidadãos que iam votar, e tudo o mais que tem vindo a público são sinais preocupantes que não auguram nada de bom para o Brasil e para o seu povo. 

Da memória chegam-me as imagens dos apoiantes de Trump a invadirem e vandalizarem o Capitólio por não aceitarem a derrota do seu candidato. À memória chegam-me as semelhanças discursivas e de método que aproximam, para além do neoliberalismo confesso, Bolsonaro e Trump. Tendo consciência que os tempos e os interesses são diferentes, contudo, à memória chega-me todo o histórico de golpes militares que apearam governos e presidentes eleitos e fustigaram os povos da América latina.  

Ponta Delgada, 31 de outubro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 3 de novembro de 2022

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

nem facilidades, nem vontade de alterar o rumo

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Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.




(...) O cenário político e parlamentar, como se pode constatar, é complexo e a necessidade de encontrar maiorias, para aprovar a agenda política que Lula da Silva apresentou aos brasileiros e ao mundo, vai exigir um esforço político hercúleo. As transformações e a rutura com o neoliberalismo só serão possíveis com a vigilância e a luta do povo brasileiro pois, do Congresso não se esperam facilidades, nem vontade de mudar de rumo. Ou seja, as transformações propostas por Lula da Silva dificilmente terão apoio parlamentar, a haver mudanças elas terão de ser conquistadas, como já referi, pela luta organizada do povo brasileiro. (...)

Rosa Parks - a abrir novembro

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Rosa Parks e a coragem de enfrentar o poder branco e patriarcal estado-unidense.

Em Montgomery, capital do Estado de Alabama, no Sul dos Estados Unidos, desde 1900, por lei, os primeiros assentos dos autocarros eram reservados para passageiros brancos.

No dia 1 de dezembro de 1955, quando Rosa Parks voltava do trabalho, entrou num autocarro e sentou-se num dos lugares localizados a meio. Quando alguns passageiros brancos entraram no transporte público e ficaram em pé, o motorista exigiu que Rosa e outros três cidadãos se levantassem para dar o lugar aos brancos. Os três cidadãos levantaram-se, mas Rosa negou-se a cumprir a ordem e permaneceu sentada.

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A polícia foi chamada e Rosa Parks foi detida e levada para a prisão por violar a lei de segregação do código da cidade de Montgomery, apesar de não estar sentada nas primeiras cadeiras. No dia seguinte, Rosa foi libertada depois de lhe ter sido paga a fiança.


quarta-feira, 19 de outubro de 2022

O jardim de Borrell

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Pela “Sala de Espera”* passou, recentemente, um texto que designei: “o mundo às avessas”. Hoje não tenho tanta certeza assim. Não sei se o mundo está prepóstero, se fui eu que ganhei consciência, se a máscara caiu, ou se os líderes do “mundo ocidental” ganharam coragem para dizer no espaço público o que verdadeiramente pensam e só se atreviam a dizer em privado, o que significa que o mundo não está às avessas, sempre assim foi. Eu é que me convenci que esta coisa das conquistas civilizacionais nos tinha tornado humanos, humanos em toda a dimensão do conceito.

Os exemplos para ilustrar o que atrás ficou dito podemos retirá-los das páginas dos jornais publicados nos últimos dias. As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa sobre os crimes de pedofilia, as declarações, sobre o mesmo tema, de alguns clérigos da igreja católica portuguesa, os contornos da “crise governativa” inglesa, a hipocrisia do governo espanhol, subscritor das sanções à Rússia, mas nunca comprou tanto gás russo como este ano (não é o único governo da União Europeia a fazê-lo), as duas “ativistas” ambientais que vandalizaram o quadro de Vincent van Gogh, tendo o cuidado de mostrar bem a embalagem (a marca) da sopa de tomate que atiraram para o quadro, o envio, por Portugal, dos helicópteros Kamov (russos) para a Ucrânia, as notícias vindas a público sobre as vacinas da Pfizer, ou ainda as afirmações do inenarrável Josep Borrell ao considerar a Europa (mundo ocidental) um jardim e o resto do mundo uma selva. Alguma coisa de muito errada está a acontecer no “jardim” de Borrell, já que com o próprio Borrell há muito se percebeu que nada está certo, é apenas mais um lacaio da oligarquia financeira que domina o mundo, oligarquia responsável pela construção do “jardim” e pela manutenção da “selva”. 

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As afirmações de Borrell, se dúvidas houvesse, demonstram de forma clara e inequívoca o posicionamento político neocolonial da União Europeia ancorado na ideologia eurocentrista construída para justificar, de entre outras coisas, o colonialismo e o imperialismo europeu. O “jardim” a que Borrell se refere foi construído à custa da espoliação do mundo que ele designa por “selva” e, o bem-estar europeu só é possível pela continuada expropriação da “selva”. Mas os tempos não estão favoráveis ao “jardim”, a “selva” está a dar sinais de querer construir os seus próprios jardins e a recusar-se a manter o “jardim” de Borrell.

A União Europeia e os Estados Unidos estão a perder alguns dos tradicionais parceiros e a tentar encontrar outros, por via da reabilitação política. Alguns dos países que eram bons, passaram a ser maus e, alguns dos países que eram maus passaram a ser bons. A facilidade com que, o “mundo ocidental”, altera os parâmetros de catalogação dos países é diretamente proporcional à necessidade de satisfação dos seus interesses imediatos, mas nem tudo é, assim, tão simples. Os países da “selva” de Borrell já não estão pelos ajustes e exigem exercer a sua soberania, e exercem-na, ainda que, debaixo de grandes pressões e chantagens.

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O mundo está a mudar e a União Europeia, do alto da sua sobranceria, recusa-se a aceitar a nova realidade geopolítica. A Europa não é o centro do mundo, as políticas neocoloniais têm os dias contados, os tempos são de cooperação e de reconhecimento da multipolaridade mundial.

Se tudo isto se relaciona com a Ucrânia? Não. A Ucrânia é o espaço de um jogo ao qual nem sequer pertence, embora seja o seu povo a ser sacrificado e as suas infraestruturas produtivas devastadas.


O jogo que decorre no tabuleiro mundial tem vindo a ser desenhado, tem objetivos concretos e alguns dos contornos da sua preparação são conhecidos. Quem não se atém apenas à comunicação social e aos comentadores do “mainstream” e procura fontes alternativas de informação, mesmo sem sair do “jardim” de Borrell, consegue obter o esclarecimento que permite ter uma compreensão do conflito, no qual a Ucrânia e a Rússia, são os alvos instrumentais para evitar a emergência de uma nova ordem mundial multipolar, ou seja, o fim do domínio mundial pelos Estados Unidos e os seus subserviente aliados, ou se preferirem o fim da oligarquia responsável pela construção do “jardim” de Borrell que só foi possível com a criação e manutenção da “selva”.

A multipolaridade mundial corresponde à realidade observada, ou seja, o mundo é naturalmente multipolar, a unipolaridade é uma imposição da qual, mais tarde ou mais cedo, os povos tendem a libertar-se, apesar da oposição e do poder dos globalistas.

Quando Borrell expressou, na abertura de um programa universitário projetado para criar a próxima geração de diplomatas da União Europeia, a ideia do “jardim” e da “selva” não referiu as dificuldades que um número crescente de cidadãos do “jardim” estão a viver, complicações que tendem a agravar-se perigosamente. Não mencionou as dificuldades e a contestação por saber que o “jardim” é cada vez mais só para alguns e que a responsabilidade não é da “selva”, é dos cuidadores do “jardim”.

Arranhó, 17 de outubro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 19 de outubro de 2022

* Nome da coluna do Diário Insular onde são publicados os textos de opinião.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

o mundo segundo Josep

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Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) Os exemplos para ilustrar o que atrás ficou dito podemos retirá-los das páginas dos jornais publicados nos últimos dias. As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa sobre os crimes de pedofilia, as declarações, sobre o mesmo tema, de alguns clérigos da igreja católica portuguesa, os contornos da “crise governativa” inglesa, a hipocrisia do governo espanhol, subscritor das sanções à Rússia, mas nunca comprou tanto gás russo como este ano (não é o único governo da União Europeia a fazê-lo), as duas “ativistas” ambientais que vandalizaram o quadro de Vincent van Gogh, tendo o cuidado de mostrar bem a embalagem (a marca) da sopa de tomate que atiraram para o quadro, o envio, por Portugal, dos helicópteros Kamov (russos) para a Ucrânia, as notícias vindas a público sobre as vacinas da Pfizer, ou ainda as afirmações do inenarrável Josep Borrell ao considerar a Europa (mundo ocidental) um jardim e o resto do mundo uma selva. (...)

domingo, 16 de outubro de 2022

redundâncias

do arquivo pessoal

Vivo mais com o coração do que com a razão. Procuro, é certo, os aconselháveis equilíbrios, mas o saldo positivo está do lado dos afetos. No deve e haver do meu livro da vida, a racionalidade não está, de todo, arredada, mas o balanço tende para as emoções.

Aníbal C. Pires, (algures por aí), 16 de outubro de 2022


hábitos ou acasos

Aníbal C. Pires - foto by Madalena Pires

Falar com os meus botões. É assim que popularmente se designam os diálogos interiores com que, de forma mais ou menos metódica e sistemática, exercitamos a introspeção e a reflexão. E todos, por acaso ou pelo hábito, o fazemos. Seja naqueles instantes que queremos só para nós e olhamos no vazio, seja quando procuramos o horizonte e as razões que nos fazem continuar a viver e lutar pelas nossas convicções.

Aníbal C. Pires, (algures por aí), 16 de outubro de 2022


sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Tudo tem o seu tempo

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A Europa tem votado na extrema direita. A América latina tem votado à esquerda. Em África, na Ásia e nos países árabes verifica-se um crescente desalinhamento com a dependência política, económica e financeira dos Estados Unidos. A Índia ultrapassou a Inglaterra e é atualmente a 5 economia mundial. O euro desvaloriza-se face ao dólar e até a forte libra esterlina caiu para mínimos nunca antes vistos. O rublo, face às novas parcerias e alteração das relações comerciais decorrentes da resposta russa às sanções ocidentais, tem vindo a valorizar-se face ao dólar e ao euro. No espaço da União Europeia, mas também nos Estados Unidos a inflação é galopante, o aumento das taxas de juro de referência e a crise energética e alimentar que se está a instalar empurram milhões de cidadãos para a pobreza, ou para o seu limiar, a revolta está a instalar-se face à inércia dos governos europeus que, de forma acrítica, continuam a cumprir a agenda dos Estados Unidos. Não faço a mínima ideia até onde vamos chegar, se houver onde chegar, mas havendo só pode continuar a correr mal para os trabalhadores e para os povos. Vejam-se os lucros obscenos de algumas empresas nacionais e a recusa sistemática, do governo e dos empresários, de aumentar os rendimentos do trabalho para garantir a reposição do poder de compra perdido nos últimos meses.

E o Brasil!? Tenho estado a acompanhar no sítio oficial a evolução dos resultados, neste momento, com quase 90% das seções apuradas o candidato Lula da Silva vai à frente com uma margem confortável, embora esteja, para já, desenhada a necessidade de se realizar uma segunda volta para apurar quem será o futuro presidente brasileiro. Os apoios e acordos para a segunda volta vão ser determinantes para esse apuramento, sendo que a maioria dos partidos políticos brasileiros são pouco confiáveis e pode haver flutuação de votos, ou seja, qualquer tentativa de prognóstico em função do apoio dos candidatos presidenciais (11), que disputaram a primeira volta e que terminam a sua candidatura por aqui, é um exercício arriscado. Já é oficial, vai haver segunda volta e regista-se uma acentuada polarização. O Brasil está politicamente dividido. Lula ganhou a Norte e Bolsonaro no Centro e no Sul.

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As eleições no Brasil interessam, desde logo e em primeiro lugar aos brasileiros, mas o mundo está de olhos postos no Brasil e nas eventuais alterações que esta potência económica mundial possa introduzir no complexo xadrez regional e mundial, se é que algo vai mudar, na política externa brasileira, mesmo que a presidência mude.

Os resultados eleitorais e a proximidade de votantes nos dois candidatos que vão disputar a segunda volta é preocupante. Não tenho grande proximidade política, nem uma particular simpatia por Lula da Silva (48,43%), mas não deixa de ser motivo para reflexão e estudo que, um personagem com Bolsonaro (43,20%) possa ter recolhido um apoio eleitoral tão expressivo depois do desastre que foi o seu governo. Se em 2018, ainda que com algum esforço, se conseguiu entender as razões dos eleitores para não votarem no candidato do PT, as acusações de corrupção, o impedimento forçado de Lula da Silva, o golpe que depôs a Dilma, a insegurança e um sem número de questões alimentadas pelas corporações mediáticas brasileiras, mas agora é inadmissível que mais de 50 milhões de brasileiros tenham dado o seu apoio eleitoral ao execrável Jair Bolsonaro. Mais do que inadmissível é perigoso pois, a semente do “bolsonarismo”, como outras, por esse mundo fora, que têm estado latentes tenham germinado e se estejam a enraizar. E isso sim, é preocupante.

Se os movimentos e partidos de esquerda têm responsabilidade, sem dúvida. As agendas políticas da maioria dos movimentos e partidos de esquerda é muito permeável, não é por acaso, à priorização de temas, que sendo importantes, deixam de lado propostas de solução para resolver questões básicas para a maioria da população, e isso tem os seus custos políticos e eleitorais. Os partidos da direita e da extrema direita ficam com o campo aberto para cavalgarem o descontentamento popular, alimentam-se na iliteracia social e política e na ausência da consciência de classe. 

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A defesa dos direitos dos animais, as questões identitárias, sexuais e de género, a eutanásia, são apenas alguns dos exemplos de agendas da “esquerda” que sendo importantes, pouco dirão a quem tem de viver com um miserável salário mínimo, com horários de trabalho desregulados, com a insegurança da precariedade laboral, a quem não tem acesso a água potável, ou a quem não tem acesso aos serviços básicos de saúde e educação. E estes, sim, são alguns dos problemas que urge resolver, no Brasil e no mundo. Tudo tem o seu tempo.

A construção de discursos e propostas políticas, de “esquerda” direcionadas para a classe média urbana em países e regiões pobres e com caraterísticas rurais é abrir alas à direita e à extrema direita. 

Ponta Delgada, 2 de outubro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 4 de outubro de 2022


terça-feira, 4 de outubro de 2022

mesmo que





Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.






(...) As eleições no Brasil interessam, desde logo e em primeiro lugar aos brasileiros, mas o mundo está de olhos postos no Brasil e nas eventuais alterações que esta potência económica mundial possa introduzir no complexo xadrez regional e mundial, se é que algo vai mudar, na política externa brasileira, mesmo que a presidência mude. (...)

sábado, 1 de outubro de 2022

povos originários - a abrir outubro

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Uma pequena homenagem à beleza das mulheres dos povos originários da América do Norte






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O momentos abre outubro prestando tributo às mulheres dos povos originários da América do Norte

sábado, 24 de setembro de 2022

a poeta desnuda-se

 

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Apresentação de Contrastes, de Alexandra Cunha Cordeiro

Casa da Escrita, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 23 de setembro de 2022





a poeta desnuda-se

Senhoras e senhores, 

Caros amigos

Antes de vos falar do livro e da autora, razão maior que nos junta, de novo e sempre aqui, neste espaço onde as palavras repousam e ganham vida, permitam-me alguns agradecimentos.

Agradeço, desde logo, a Vossa presença. Presença sem a qual pouco sentido faria este momento. Os autores libertam as palavras e os leitores dão-lhe uso e voz, cada um com a sua própria leitura e interpretação. É desse modo, por via dos leitores, que os textos literários reunidos em livro cumprem a sua finalidade. E os poemas da Alexandra Cordeiro irão, através de cada um de nós, viajar livremente cumprindo o seu desígnio e povoando o imaginário de cada um dos seus leitores.

À Alexandra agradeço a confiança em mim depositada que se traduziu no convite para tecer algumas considerações sobre o seu primeiro livro de poesia, ou seja, a de fazer a apresentação pública de “Contrastes”. Convite que aceitei sem reservas, mas com a consciência da enorme responsabilidade que lhe está intrínseca.

Obrigado Alexandra! Pelo convite e, sobretudo, pela confiança que em mim depositas para apresentar o teu livro.


Alexandra Cunha Cordeiro - Imagem retirada da internet

Senhoras e senhores,

Caros amigos,

Partilho convosco algumas palavras sobre este livro, o primeiro de muitos, assim o esperamos. Palavras que não têm a pretensão de se constituir como uma recensão e, muito menos como uma análise de índole literária.

São breves as minhas palavras pois a poesia é para deleite de quem a lê, a poesia sente-se e vive-se e não pretendo antecipar aos leitores a viagem pelos poemas da Alexandra.  

A capa contrasta o preto e o branco, oposição de tons ou cores, o que de per si nos pode proporcionar uma ligação linear ao título, mas não se fica por aí. A bolha negra explode em mil pedaços libertando os estados de alma que estavam, direi eu, aprisionados e transformaram-se nesta aventura poética intimista da Alexandra Cordeiro. E assim é. Se dúvidas houvesse elas dissipam-se nas palavras escritas pela autora na contracapa e que terminam assim: “Partilho-me nesta escrita da minha alma”.

Ao iniciarmos a leitura dos poemas deste livro comprovamos que a interpretação, sempre subjetiva, dos grafismos da capa, se comprova a cada verso, a cada estrofe, a cada poema. Este livro é, como poderão comprovar pela leitura, poesia sentida e intimista em estado puro, mas é também o registo poético de momentos que quase podemos datar, assim como se de entradas diarísticas se tratasse, sem qualquer ordem cronológica pois, não nos relatam os dias, dizem-nos da memória, dos instantes, do quotidiano e dos estados de alma.

Não costumo recorrer à citação de excertos dos livros que tenho apresentado para não subtrair aos leitores prazeres que devem ser só seus, mas neste caso e como é de poesia que se trata, abro uma exceção e vou-vos ler alguns versos dos poemas Vem, Onde andas?  Entra e Vizinhas que, em minha opinião, ilustram, de forma modelar, o que já vos disse sobre a poesia da Alexandra.

Vem

(…) Estarei /À espera/Ansiosa(Quando, se e o que quiseres (…)

Onde andas?

(…) Se quiseres, um dia, estarei aqui/À espera de te ver,/De te ouvir,/De te sentir… (…)

Entra

(…) Entra suavemente/Invade o meu espaço./Deixo a porta aberta/Para ti, sempre (…)

Vizinhas

(…) Lá fora/Gargalhadas suaves/Em cima de copos de vinho. (…)

A poesia de Alexandra Cordeiro diz-nos da nossa condição de seres afetivos dotados de razão, por isso nos comovemos e nos sensibilizamos com os sentires partilhados neste livro.  Nestes poemas a autora desnuda-se para os seus leitores e partilha, sem limites, o âmago do seu ser.

Os poemas reunidos neste livro, por não obedecerem a nenhuma métrica, conferiram à autora a liberdade para criar as suas próprias normas e ritmos, procurando, contudo, garantir uma das caraterísticas transversais aos textos poéticos, a sua musicalidade.

A poesia de Alexandra Cordeiro insere-se, assim, na chamada poesia contemporânea que veio, de alguma forma, subverter as formas poéticas tradicionais.

Os poemas reunidos no livro “Contrastes” não se confinam a um território, a uma geografia. A Alexandra sem abdicar da sua condição de açoriana, como de forma explícita podemos constatar no último poema do livro (Da ilha). 

A Alexandra abre o coração ao mundo e aos afetos, vagueia pelas palavras constrói poemas e confere-lhes um caráter humano e, por isso mesmo, universal.


Bem hajam pela Vossa presença, atenção e pela paciência com que me ouviram.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 23 de setembro de 2022


quarta-feira, 21 de setembro de 2022

o mundo às avessas

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Não gosto e não concordo. Não gosto da forma como o governo PS e a sua maioria exercem o poder, não concordo com as opções políticas internas e externas do governo de António Costa, julgo mesmo que alguns dos cidadãos que manifestaram desagrado pela posição do PCP e do BE, aquando da votação do orçamento de estado que precipitou as eleições das quais resultou a maioria absoluta do PS, já terão percebido que esses partidos não tinham outra alternativa. Concorde-se, ou não, goste-se, ou não, mas está legitimado pelo sufrágio popular. O que não significa que não se faça oposição e se proponham alternativas. A democracia, ainda que limitada pela maioria absoluta, funciona assim. Embora às vezes tenha dúvidas pois, quando me dou conta do que a senhora Ursula von der Leyen afirma e, sobretudo, decide em nome dos povos da União Europeia pergunto-me qual é a legitimidade democrática da presidente da Comissão Europeia e concluo que: não tem. Não tem a senhora von der Leyen, nem o senhor Josep Borrell, ou qualquer outro comissário europeu, nenhum deles se submeteu ao sufrágio popular e, por conseguinte, não têm legitimidade democrática. Neste caso, não gosto, não concordo e não lhes reconheço nenhuma autoridade para representarem e decidirem em nome dos povos da União Europeia

E, caros visitantes da “Sala de Espera”, não se trata do momento político, com os efeitos conhecidos, que estamos a viver. Nunca reconheci ao órgão executivo da União Europeia, ou seja, à Comissão, nenhuma legitimidade democrática. A Comissão é um órgão de nomeação ao qual não deviam ser atribuídos tamanhos poderes. E notem bem que este órgão, a sua presidente e o comissário Borrell, sem legitimidade democrática permitem-se ajuizar sobre se este ou aquele país são democráticos ou autocráticos, se este ou aquele presidente ou primeiro ministro são democratas ou autocratas, em claro desrespeito pela vontade popular dos povos que os elegeram em eleições democráticas. Não gosto como exercem o poder, e não concordo com as opções políticas de muitos dos atuais dirigentes políticos mundiais, desde logo do presidente e do primeiro ministro portugueses, mas há um aspeto que os diferencia dos comissários europeus, exercem o poder em resultado de eleições e da vontade popular e respondem perante as oposições, têm uma legitimidade que a Comissão Europeia e a sua presidente não têm, para além dos tiques, eles sim, autocratas.

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Alguns democratas da nossa e de outras praças, desde que continuem a jorrar milhões, estão pouco preocupados com a qualidade da democracia nos organismos tecnocráticos da União Europeia, mas o caudal foi desviado para outras agendas, por outro lado a escassez alimentar e energética, que já se faz sentir, o aumento das taxas de juro e da inflação são os ingredientes para trazer os povos para a rua, o que aliás já verifica em alguns dos países da União Europeia. Sei, meu caro visitante da “Sala de Espera”, que não tem visto na televisão, nem tem lido nos jornais, mas, como sabe, isso não significa que não esteja a acontecer. Está e vai acentuar-se. Alguns democratas da nossa e outras praças deixaram cair as preocupações com a liberdade de informação e com a pluralidade de expressão no espaço a que vulgarmente se chama “mundo ocidental”, é lamentável, mas é um facto. Claro que as preocupações de alguns democratas, da nossa e outras praças, com a liberdade de expressão e a pluralidade se mantêm, quando se trata de países fora da esfera de influência do “mundo ocidental”, como convém ao pensamento que dá corpo e forma à unipolaridade, ao atlantismo e ao eurocentrismo. Como se o mundo se resumisse a tão pouco e esses princípios ideológicos não se estivessem a desmoronar, ou, talvez não. Mas tudo leva a crer que sim.

O conflito bélico que domina as agendas mediáticas e políticas do “mundo ocidental” vai, aparentemente, determinar a emergência de um mundo multipolar e é essa, e não outra, a razão do empenho da Inglaterra, da União Europeia e dos Estados Unidos no apoio incondicional a um dos beligerantes. Os Estados Unidos não querem perder ou dividir o protagonismo geopolítico e estratégico, a Inglaterra é o aliado natural dos Estados Unidos e a União Europeia serve, tão-somente, como municiador do conflito, sacrificando os seus cidadãos ao abdicar do papel diplomático. Sim, se queremos pôr fim a um conflito não podemos adotar como estratégia o fornecimento de material de guerra a uma das partes. Como é público apoio a Palestina, mas não advogo uma solução que passe pelo fornecimento de material de guerra aos palestinianos, defendo uma solução diplomática, sob a égide das Nações Unidas, que reponha a legalidade e promova a paz.

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O “mundo ocidental/comunidade internacional” representa 20% da população mundial, ou seja, os 151 países que não subscreveram as sanções à Rússia representam 80% da população mundial. Como se percebe o conflito sendo “regional” tem uma dimensão que extravasa as fronteiras europeias e coloca em causa a hegemonia da ideologia atlantista e eurocentrista. Quer-me parecer, independentemente do que vier a acontecer, que nada será com até aqui. Os povos oprimidos e despojados pelo “mundo ocidental” estão, por fim, a emancipar-se da tutela dos colonizadores.

Arranhó, 19 de setembro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 21 de setembro de 2022