terça-feira, 27 de outubro de 2020

pelo direito a sonhar - Ilha-América, de Almeida Maia

 


“(…) Passo a passo, começou a corrida, o chão da pista a desfilar debaixo dos pés, a respiração a fender o ar, o peito a transbordar bravura, como se preparasse um salto em comprimento. Pareceu-lhe ouvir Chuck Berry e as malhas de ‘Johnny B. Goode’. Tornou as passadas ainda mais lestas e sentiu o corpo a comover-se no sabor da liberdade. O mundo preparava-se para abrir-lhe os braços.

Go, Johnny, go, go!

Go, Johnny, go, go! (…)”

E assim tem início a aventura migratória de Mané.

Quando acabei a leitura de Ilha-América publiquei a minha opinião sobre o mais recente romance de Almeida Maia. Uma opinião de leitor, as apreciações de ordem literária ficam para quem tem, para isso, qualificações.

Partilho, de novo, as palavras que na espontaneidade do momento foram escritas e publicadas.

Para quem preferir ouvir e ver fica um vídeo no final da publicação.

Pelo direito a sonhar

Almeida Maia recupera para a nossa memória coletiva um passado não muito distante. Um passado de pobreza, de isolamento, de repressão, um passado que não devemos esquecer. E Ilha-América cumpre esse objetivo. A ficção também serve, e muito bem, para revisitar a história. 

Soube, ainda na década de 80 e após ter chegado aos Açores, do evento que está na base deste novo livro de Almeida Maia. Como passou a ser do meu conhecimento inferi que a história era do domínio público. Equivoquei-me.

Poucos conhecem o episódio da história da emigração ilegal açoriana que está na génese deste novo livro de Almeida Maia, e este, para além de outros, será um bom motivo para ler Ilha-América.

Quando iniciei a leitura, Aconteceu. Tinha consciência que seria, assim: empolgante. 

Li de um fôlego. Pela escrita, pela viagem a um passado recente (1960), pela descrição rigorosa dos aspetos do viver insular dos anos 50/60 do século XX, pela influência da presença de cidadãos estado-unidenses em Santa Maria, é na ilha de Gonçalo Velho que tudo começa, mas também da importância do Aeroporto Internacional de Santa Maria na travessia aérea do Atlântico Norte. Pela descrição da brutalidade dos métodos da PIDE e o horror dos seus calabouços. 

Em Ilha-América, Almeida Maia reabilita o direito a migrar rumo à utopia.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 14 de Outubro de 2020




segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Maria Bettencourt, de Henrique Levy




Passa hoje um ano sobre a apresentação pública, no "Outono Vivo" do romance "Maria Bettencourt - diários de uma mulher singular, de Henrique Levy.

O autor convidou-me para fazer a apresentação pública do livro, tarefa a que dei a minha anuência e realizei com agrado.

Partilho o texto que serviu de base à minha intervenção.





Apresentação do livro

Maria Bettencourt – Diário de uma mulher singular, de Henrique Levy

Outono Vivo - Praia da Vitória



Minhas senhoras e meus senhores,

Caros amigos,

Agradeço ao Henrique Levy o convite para fazer a apresentação pública do seu mais recente trabalho literário e, agradeço a vossa presença.

Agradeço e desejo que estes momentos sejam do vosso agrado, mas que, sobretudo, possam despertar o vosso interesse em conhecerem, pela leitura das páginas do diário desta mulher singular, a Maria Bettencourt. Bem e depois, Depois se assim entenderem, partam à descoberta de toda a obra literária do Henrique Levy.

Sobre o homem e a sua obra, mais tarde, farei algumas referências, mas antes quero partilhar convosco uma pequena estória. Uma estória breve e que não é do domínio da ficção.

Conheço o Henrique Levy ainda não se completou um ano. É certo que já tinha algumas referências da sua obra poética e romanesca, mas, como disse, só o conheci recentemente. E é sobre o dia em que conversámos pela primeira vez que versa a estória que agora partilho convosco.

Era dia de “Ler na Livraria”, evento que acontece regularmente numa livraria de Ponta Delgada para celebrar os livros e os seus autores. Um dos convidados era o Henrique que iniciou a sua participação com a leitura de um soneto de Camões, até aí, nada de novo. Outros leitores se lhe seguiram. E eis que o Henrique volta à carga, desta vez, e diria para surpresa da generalidade dos presentes, com um belíssimo poema de Maria Ana Yamagnini. Uma poeta orientalista portuguesa. Era o Henrique a trazer-nos a poesia de um Mundo distante, ainda assim um Mundo português. Seguiu-se mais uma ronda de leituras que o Henrique fechou de forma irónica, sem ser depreciativa, mas, quiçá, provocadora. A sessão encerrou com o Henrique Levy a declamar a receita de “Malassadas de S. Miguel”, texto do livro “Cozinha Tradicional Portuguesa”, de Maria de Lourdes Modesto.

Não pude deixar de pensar ora aqui está uma daquelas personalidades que eu, incondicionalmente, admiro. Aqui está um rebelde. 

E, eu gosto dos desalinhados, gosto dos rebeldes e dos insurgentes. 

É com eles, com os insubmissos que a humanidade cresce e se liberta. 

E eu gosto.

Depois seguiu-se uma breve conversa que nos aproximou e que serviu para consolidar aquilo que hoje podemos classificar com uma sólida amizade ancorada em princípios e valores que nos são muito caros.

Depois de vos dar a conhecer este episódio julgo estar perfeitamente justificado o motivo que me levou a aceitar o convite do Henrique para vos apresentar este diário de uma mulher singular, a Maria Bettencourt.

Quanto às razões do Henrique que, vá-se lá saber porquê, me confiou esta tarefa para a qual não estou, de todo, talhado. Afinal sou apenas um cidadão que gosta de ler, não mais do que isso. Bem, talvez tenha sido essa a razão da escolha do Henrique, um leitor e não um especialista em literatura. Mas, como dizia, quanto às razões do Henrique ele as dirá, se assim o entender. Quanto aos especialistas e críticos literários terão, certamente oportunidade, se lhes aprouver, de dedicar algum do seu tempo e estudo à análise literária deste novo livro de Henrique Levy.


Minhas senhoras e meus senhores,

Caros amigos,

Ainda antes de referenciar a mais recente peça literária do Henrique Levy, afinal é para isso que aqui estamos, não posso, tal como já referi, deixar de mencionar algumas notas sobre o autor e a obra anteriormente publicada.

O Henrique é, antes de mais e depois de tudo, um viajante. Nasceu em Lisboa, mas grande parte da sua infância viveu-a em S. Tomé e Príncipe e Moçambique. A sua vida profissional repartiu-se entre Macau, Turim, Lisboa e agora a Maia, na ilha de S. Miguel. Mas este incansável viajante fez incursões noutras geografias. África, América, Ásia e, naturalmente, a Europa foram destinos deste viandante.

Mas são as ilhas o centro do seu Mundo. As ilhas atlânticas.

Cabo Verde onde tem raízes familiares, S. Tomé e Príncipe onde viveu, e os Açores que conhece há muito e onde atualmente vive e trabalha. 

São as ilhas que mais fascinam o autor e que dão mote a muitos dos seus escritos.

O Henrique adotou os Açores como sua casa, à meia dúzia de anos. Os Açores como um lugar de libertação. Parece ser um paradoxo, os ilhéus vivem confinados pela terra e limitados por um mar sem fim. Onde está essa liberdade!? Poderão perguntar. 

Num lugar onde a Terra é exígua e imenso o Mar o que é que isso tem, ou terá de libertador!? Eu direi que é no mar, na espiritualidade que esse mar revela e representa que o Henrique encontra a sua libertação enquanto Homem, mas também como fonte inesgotável de inspiração para a sua criação literária.

Obra literária que é, sobretudo, poética. De entre nove títulos publicados este é o seu terceiro romance.

Henrique Levy iniciou o seu percurso literário em 1999, com “Mãos Navegadas”, poesia, a que se seguiu “Intensidades”, em 2001 um outro livro de poemas. O seu primeiro romance, “Cisne de África”, data de 2009, a que se segue “Praia Lisboa, o segundo romance, logo em 2010. Depois, retoma um ciclo de edição de livros de poesia, “O Silêncio das Almas”, em 2015, “Noivos do Mar” em 2017, “O Rapaz de Lilás”, em 2018, e finalmente, já este ano, “Sensinatos”.

Passados que são quase dez anos depois da edição do seu segundo e último romance, “Praia Lisboa”, eis que Henrique Levy nos maravilha com o regresso à prosa literária, ou não fosse, ele mesmo, um Homem surpreendente.

E eis-nos aqui neste fim tarde quase noite a, agora sim, falar do que nos trouxe aqui. 

Quem é esta mulher micaelense que na década de 60 saía de casa, sem roupa interior, para um encontro amoroso no Alto da Mãe de Deus.

Não façam juízos precipitados nem levianos. O interesse dos seus diários vai muito para além dos aspetos da sua vida amorosa a que, nem sequer, dedica muitas páginas. 

Antes de mais importa dizer que esta é uma obra de ficção. Maria Bettencourt é uma personagem criada pelo autor.

A estória desenrola-se sem narrador o autor serve-se das entradas diarísticas, às quais não dá ordem cronológica, para nos dar a conhecer, na primeira pessoa, a vida de uma mulher oriunda de uma família de “ascendência aristocrática com dois pés na burguesia”, como a própria Maria afirma. 

Já sabemos que as entradas neste diário, que abrangem o período de 1965 a 1977, não obedecem a uma ordem cronológica, embora essa opção, como poderão constatar quando concluírem a leitura, não retire coerência ao todo que o compõe. Mas também nem todas as entradas diarísticas nos são reveladas pelo autor, por exigência expressa, de Maria Bettencourt que antes de perder a visão, quiçá, numa das suas últimas notas manifesta a vontade de nem tudo o que escreveu possa ser tornado público, nem mesmo os seus poemas, a não ser um. E muito menos os seus apontamentos gastronómicos, ou seja, as receitas culinárias que foi registando ao longo da sua existência.

Os diários de Maria Bettencourt revelam-se como uma sátira à sociedade do seu tempo, recheados por momentos de humor, por vezes requintado, mas sempre provocador e, como tal, capaz de provocar reações diversas, naturalmente, resultantes das idiossincrasias de cada um dos leitores. Ou não se tratasse de um texto literário que caricatura alguns aspetos das personagens, do pensamento e dos modos de vida com que Maria Bettencourt se foi cruzando e vivendo ao longo da sua vida. Pessoas e acontecimentos que em virtude da sua miopia, que a obrigava ao uso de uns pesados e desajeitados óculos, tinha conhecimento mais pelo que ouvia do que pelo efetivamente via.

Veja-se, por exemplo, o anúncio do seu casamento chega até si por via da criada, a Tázinha. Casamento que não passou de um terrível equívoco pois, não chegou a realizar-se porque o noivo não sabia de tal acontecimento, nem sequer da festa no Solar da Graça pois, por esquecimento, não foi incluído na lista de convidados.

A Tázinha, fiel serviçal que acompanha Maria Bettencourt ao longo da sua vida e assume um papel fulcral na vida dos Avelar Bettencourt, em particular da Maria. A Tázinha veio muito nova, como acontecia com muitas outras jovens mulheres, de uma freguesia rural da ilha de S. Miguel servir para a cidade. Era filha do povo, analfabeta e devota da Nossa Senhora de Fátima. A Tázinha acompanha toda a vida de Maria Bettencourt, mesmo quando esta, por indicação do Partido Comunista se desloca a Lisboa para frequentar um curso de formação de revolucionários e bombistas. A Maria, não a Tázinha, como está bom de ver. O interesse da Tázinha era bem diferente. A fiel serviçal de Maria Bettencourt queria concretizar um dos sonhos da sua vida, visitar o local onde em 1917 tinha aparecido a santa na azinheira. 

A viagem a Lisboa e os contatos com os revolucionários bombistas não correu da melhor forma, tornando-se mesmo uma experiência traumatizante para Maria Bettencourt. E, como não aceitou a tarefa que posteriormente lhe foi atribuída recebeu instruções para regressar a S. Miguel.

Ainda antes de regressar a Ponta Delgada jantou em casa da Condessa de Rilvas, onde conheceu Isabel, filha da Condessa. A Isabelinha era piloto de aviões e para-quedista tendo no seu currículo vários feitos que deixaram Maria Bettencourt fascinada, mas também algo surpresa por se tratar de uma mulher que abertamente apoiava o Estado Novo. E no Estado Novo o papel das mulheres não era pilotar aviões, saltar de noite em paraquedas para o mar, fazer acrobacia aérea, ou mesmo bater recordes de voo em planador. 

Maria Bettencourt regressou à sua ilha deslumbrada com aquela mulher. Uma mulher capaz de fazer o que para alguns parecia estar apenas reservado aos homens. Por outro lado, a Tázinha regressou triste por não ter podido concretizar o seu sonho, visitar o Santuário de Fátima.


Minhas senhoras e meus senhores,

Caros amigos,

Optei para esta apresentação pública não me socorrer da leitura de trechos dos diários de Maria Bettencourt, o que tornaria a minha tarefa bem mais fácil e, este momento bem mais agradável os meus caros amigos. Perdoem-me por este vosso sacrifício.

E vou continuar a resistir à tentação. Refiro, antes de terminar, mais um facto que Maria Bettencourt partilha connosco e que abalou a família Avelar Bettencourt e a sociedade micaelense de então. A descoberta da vida dupla de Armindo Bettencourt, pai de Maria. 

Quando se soube que Armindo Bettencourt não tinha ido em comissão para Cabo Verde e que os seus longos serões não se deviam ao trabalho na Capitania do Porto de Ponta Delgada tudo se esboroou naquela “família quase feliz”, era assim que Maria viria, mais tarde, a caraterizar a sua vida em família antes do terramoto que se abateu sobre os Avelar Bettencourt. 

A notícia levou à loucura de sua mãe, ao exílio perpétuo, para lugar desconhecido, do seu pai e à ida, antes de tempo, do seu irmão Inácio para a guerra colonial, onde acabou por morrer ao pisar uma mina.

Depois disto seguiram-se duas crises financeiras familiares só ultrapassadas, numa primeira instância, pela venda de um “T” do nome de família ao senhor Tavares que passou a ser conhecido por, TTavares. T mais tarde recuperado depois de ter obtido permissão para vender algumas propriedades agrícolas. E a segunda, pela dádiva de uma mulher que tinha o pai de Maria em muita consideração. Donativo que lhe permitiu requalificar alguns imóveis de família na Povoação. O produto da renda pelo aluguer era suficiente para ter uma vida tranquila com a Tázinha sem ter de contar os tostões, nem depender da solidariedade de alguns antigos amigos do pai.

Agora é esperada a minha opinião sobre este livro. Ou seja, algo que possa motivar o público a adquirir e ler Maria Bettencourt – Diários de uma mulher singular. Julgo que é para isso que aqui estou.

Poderia começar pelo objeto físico e tecer algumas considerações sobre a capa, a arte e a composição gráfica, mas vou dispensar-me dessa abordagem e assim poupar mais uns minutos para o autor que nesta altura já estará acometido de um enorme sentimento de arrependimento por me ter convidado.

Julgo que, tudo o que atrás ficou dito, será suficiente para despertar interesse pela leitura deste livro, bem assim como para conhecer um pouco mais da obra do Henrique Levy, contudo sempre acrescentarei que: 

- ninguém ficará indiferente à estória de Maria Bettencourt e à forma como ela interpreta, por detrás das grossas lentes de míope, o que à sua volta acontece. As reações dos leitores serão diversas, mas nunca reinará a apatia, nem a indiferença;

- a leitura, pela forma como o texto está construído, será um prazer sôfrego. Lê-se de um fôlego e as interrupções serão para algumas gargalhadas solitárias. Não leiam em público sob pena de vos poderem apanhar a rir sozinhos o que pode induzir juízos erróneos;

- este livro, surpreende, desconcerta, desassossega, diverte, ensina.

Com a leitura deste livro senti-me compensado pelo tempo que lhe dediquei. E esta, podem crer, é a melhor apreciação que posso fazer quando acabo a leitura de um livro. Sentir-me compensado. 

Valeu! 

Vale a pena!

Obrigado pela vossa atenção.

Aníbal C. Pires, Praia da Vitória, 26 Outubro de 2019


reconhecimento a quem luta


"(...) a Razão mesmo vencida,
não deixa de ser Razão (...)"

António Aleixo









Aos candidatos da CDU nos Açores, ao Marco, à Luísa, à Paula, à Daniela, ao Pessanha, à Joana, ao Fonseca, ao Rui, à Dulce, ao Mandatário Regional, aos eleitores que deram o seu voto à CDU, aos ativistas, aos militantes do Partido Ecologista os “Verdes, aos militantes do PCP, aos cidadãos independentes e todos quantos apoiaram a CDU na batalha eleitoral para as legislativas regionais de 2020, para todos fica uma palavra de reconhecimento pela coragem, pela generosidade e pela entrega a um projeto político diferente e arrojado.

Projeto político que por ser distinto e audacioso não colheu, neste contexto social e político, o apoio eleitoral necessário para a manutenção de uma representação no parlamento regional.

A nossa luta não se esgota no tempo eleitoral.
A luta contra a barbárie, esteja travestida de populismo/fascismo, de liberalismo económico ou animalismo, é uma luta antiga. É uma luta de todos os dias.

Vamos a ela!

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 26 de Outubro de 2020