quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

3.6.5. ou um dia de cada vez, de Carolina Cordeiro


Um diário que não é, Diário.

Mas podia ser. A ordem dos textos está associada à passagem dos dias, mas não há, ou não se sente, necessidade de uma ordem cronológica associada ao tempo sequencial. 

Pode o leitor, se lhe aprouver, ler do fim para o princípio do “tempo” sem que esse exercício retire qualquer sentido à partilha íntima da autora com os seus leitores. Pode o leitor, ler de um só fôlego, ou repartir a leitura por vários momentos, ou ainda, ler um dia de cada vez e tudo, tudo fará sentido.

Em 365 ou um dia de cada vez Carolina Cordeiro convida-nos a viajar pelos sentires que despertam com o passar dos dias. A sua prosa poética é aliciante e envolvente.


Carolina Cordeiro - imagem retirada da internet


As entradas neste (não) diário conduzem-nos por uma viagem ao âmago das emoções, à objetividade das opiniões sem, contudo, retirar espaço à reflexão do leitor, ou seja, quem lê é induzido a cogitar com a autora e, pouco importa se estamos, ou não, de acordo, se nutrimos, ou não, a mesma opinião ou sentimento. Relevante mesmo é o apelo tácito, consciente ou não, à introspeção do leitor.

Chegado aqui direi que, 365 ou um dia de cada vez, talvez seja um diário. Um diário sem ano de referência, um diário intemporal.

3.6.5 ou um dia de cada vez, Carolina Cordeiro, Letras Lavadas, 2020

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 23 de fevereiro de 2021


domingo, 14 de fevereiro de 2021

dos namorados e dos santos casamenteiros

do arquivo pessoal




Texto escrito, em 2019, para o programa “Os Porquês” da SMTV (pode ver aqui). A data tem importância pois, nesse ano o “dia das amigas” ocorreu com o “dia dos namorados” (dia de S. Valentim), e o texto refere essa coincidência.





Programa n.º 16 – Porquê o S. Valentim quando temos o Santo António e até o S. Gonçalo de Amarante?

imagem retirada da internet
O calendário gregoriano este ano pregou uma partida ao calendário comercial. 

O “dia dos namorados”, dia de S. Valentim, uma celebração importada para as rotinas regionais e nacionais, coincide com o “Dia das Amigas”. 

Nada que o marketing não resolva para minimizar esta infeliz coincidência do calendário.

Já estou a imaginar as sugestões:

“Venha almoçar com o seu namorado e fique para jantar com as suas amigas”, ou vice-versa. Embora nos Açores, considerando a importância do “Dia das Amigas”, julgo que a opção da oferta comercial será a que eu referi. 

imagem retirada da internet
Almoce com o namorado e jante com as amigas.

Apesar de tudo, tenho cá para mim que, neste caso, a tradição será mais forte do que a importada celebração de S. Valentim.

Percebo e compreendo o que está na génese da integração nos nossos hábitos do “dia dos namorados” e do “dia das bruxas”, embora considere que não há necessidade de importar tradições que nos são exógenas, quando temos igual ou análogo na nossa cultura e tradição.

Veja-se, por exemplo, a celebração do “dia dos namorados”. É dia de santo. Dia de S. Valentim bispo que, apesar da proibição da celebração de casamentos pelo imperador Cláudio II, continuou a fazê-lo clandestinamente. S. Valentim foi sacrificado e santificado e, agora é celebrado, um pouco por todo o Mundo, pelo calendário comercial da globalização.

Cá por mim festejo o amor todos os dias e, por outro lado um país que tem o Santo António de Lisboa e o São Gonçalo de Amarante pode, muito bem, dispensar o S. Valentim. Ou será que a devoção pelos nossos santos casamenteiros caiu em desgraça. Julgo que não. 

E não me parece que haja por aí muitos devotos do padroeiro dos namorados, aliás a celebração do dia de S. Valentim terá muito pouco a ver com o próprio como todos nós temos consciência. O dia dos namorados é um produto globalizado pelo marketing, apenas isso.

noivas de santo António - imagem retirada da internet
Mas já que falei nos nossos santos casamenteiros sempre lhe direi que, segundo reza a tradição e a devoção, Santo António que tem outros atributos para além de casamenteiro deve esta devoção a algumas estórias que relatam o apoio às jovens para arranjar dote para se poderem casar, e todos os relatos que, após a sua morte (no século XIII), foram sendo construídos por jovens devotas que atribuem a Santo António o seu casamento. 

Santo António é, no Brasil, um dos santos mais populares, exatamente por ser um santo casamenteiro.

Mas como é que em Portugal convivem pacificamente dois santos casamenteiros. Claro que Amarante ainda dista de Lisboa, mas não é só a geografia e a distância que permitem esta coexistência pacífica, embora, como mais adiante irei referir haja por parte das jovens mulheres de Amarante alguma contestação à influência de S. Gonçalo nos assuntos do favorecimento do casamento. 

doce fálico de Amarante - imagem retirada da internet
Pois bem a influência de Santo António está direcionada para as jovens mulheres, ao passo que S. Gonçalo de Amarante atende as preces e louvores das mulheres mais velhas.

Como resultado desta discriminação de São Gonçalo em relação à jovens mulheres da região de Amarante nasceu a seguinte quadra popular:

S. Gonçalo de Amarante/Casamenteiro das velhas/Porque não casas as novas?/Que mal te fizeram elas?

Até na diversidade estamos melhor servidos com os nossos santos do que com S. Valentim, ainda assim Santo António de Lisboa e S. Gonçalo de Amarante acabam por ser preteridos em favor do santo adotado pelo mercado e pela sociedade de consumo.

Ponta Delgada, 30 de janeiro de 2019


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

do maldizer

imagem retirada da internet
A comunicação social e as redes sociais têm trazido para a discussão pública uma aparente promiscuidade que relaciona escolhas, pelo XIII Governo Regional, para cargos de confiança política com os nomes de família dos nomeados, extrapolando a ideia de que as nomeações se ficavam a dever a isso mesmo, aos laços familiares. Não é assunto pelo qual tenha algum interesse e considero-o irrelevante para a análise das opções políticas do governo presidido por José Manuel Bolieiro.

Somos uma Região cuja dimensão populacional e territorial, apesar da descontinuidade, tem como efeito o conhecimento de proximidade que propicia, ou devia propiciar, um maior escrutínio aos eleitos para cargos de representação política, ou aos nomeados para cargos da administração pública regional, mas se este aspeto é, ou poderá ser, positivo, outros há, que traduzem a nossa pequenez, como por exemplo o maldizer apenas, por isso mesmo, pelo nome família, o que é lamentável.

Não considero este um assunto que mereça muita atenção e só vim a terreiro para deixar claro que a Deolinda Estêvão, foi opositora a um concurso público e daí resultou a sua nomeação para responsável do Ecomuseu do Corvo. Todas as fases do concurso decorreram antes das eleições de Outubro passado, o atraso processual, da qual a própria não é responsável, teve como efeito que só recentemente, já durante a governação do PSD/CDS/PP/Chega e IL, o processo tivesse sido concluído, ou seja, a Deolinda Estêvão ganhou um concurso público não foi beneficiada por ser a mulher do deputado Paulo Estêvão. Que não fiquem dúvidas.

imagem retirada da internet
As más línguas já estarão a dizer, ou pelo menos a pensar, Olha este em defesa do amigo. Eu direi, Sim somos amigos mas não é de amizade que se trata, trata-se de dar um contributo para que a verdade se sobreponha à calúnia.

Quanto ao deputado Paulo Estêvão e ao governo de José Manuel Bolieiro não faltam por aí motivos para desconstruir as suas opções e ação políticas. E isso sim é verdadeiramente importante para as lutas políticas de hoje e de amanhã.



Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 8 de fevereiro de 2021


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Autoritarismo e centralismo da SRE

foto by Aníbal C. Pires
Ontem, por meio de ofício, Sofia Ribeiro informou os Conselhos Executivos que: 

“(…) à exceção das convocatórias dos órgãos próprios das Unidades Orgânicas, todas as restantes que se destinem ao pessoal docente, incluindo as de componente de formação, só poderão decorrer após ratificação pela Diretora Regional da Educação ou pela Diretora Regional da Administração Educativa. (…)

Esta ordem de Sofia Ribeiro levanta algumas preocupações, para além das dúvidas para as quais os Conselhos Executivos já solicitaram esclarecimentos.

Suponho que esta iniciativa peregrina da titular da pasta da educação decorre de queixas dos docentes face à sobrecarga de trabalho a que têm estado sujeitos, como se essa sobrecarga não resultasse do estrito cumprimento, pelas Unidades Orgânicas, das orientações emanadas da Secretaria Regional da Educação (SRE). 

Este ofício que determina um procedimento hierárquico, deixa-me uma dúvida, que poderá até nem ser uma das que os Conselhos Executivos já colocaram à SRE, ou seja, a legalidade da ordem dada, por ofício, às Unidades Orgânicas.

foto by Aníbal C. Pires
As ordens por ofício, dir-me-ão que é melhor do que por telefone, estamos de acordo, mas não são instrumentos caraterísticos das democracias liberais e, no caso vertente, fere o quadro legal da autonomia das escolas.

Se os docentes consideram que estão a ser lesados por cumprimento de horários que vão para além do que a lei lhes estipula, utilizem os mecanismos que têm à sua disposição, exerçam os direitos, e deixem-se de queixinhas à tutela.

Se os Conselhos Executivos cumprem acriticamente todas as orientações e ordens que emanam da tutela, não o façam e exerçam as competências que a lei lhes outorga.

Quanto à iniciativa e à forma como Sofia Ribeiro se está a imiscuir na gestão das Unidades Orgânicas não constituem surpresa, diria mesmo, que mais tarde ou mais cedo iria acontecer. Afinal este é um governo de direita apoiado pela extrema direita, é bom que tenhamos disso consciência.

Apenas uma nota final, nunca um governo do PSD (1990 a 1996, refiro este período com propriedade) se imiscuiu na gestão das escolas da Região, ainda que a autonomia das escolas não fosse letra de lei.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 5 de fevereiro de 2021


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

ainda a proposta da SRE ou a subversão dos concursos

imagem retirada da internet
A primeira proposta da Secretaria Regional da Educação (SRE), como cedo se percebeu, era inaceitável pelos docentes, ou seja, nem os quadros regionais, nem os contratos (3 últimos) sucessivos no mesmo grupo de recrutamento, nem a obrigatoriedade de concorrer a todas as escolas da Região. 

A titular da pasta da educação bem tentou “vender” a ideia, mas os educadores e professores depressa perceberam que lhes estava a ser oferecido “gato por lebre” e manifestaram, através do seu sindicato, uma forte discordância. Claro que um número residual de educadores e professores, os poucos destinatários a quem este modelo se ajustava, como um fato por medida, deram a sua concordância. Mas, como disse, eram poucos, muito poucos.

Quando tive conhecimento da primeira proposta afirmei, em fórum próprio e reservado, que a estratégia negocial de Sofia Ribeiro acabaria, quando muito, em quadros de ilha, aliás uma solução defendida pela própria, já lá vão alguns anos, enquanto dirigente de um outro sindicato de professores, dito democrático. O mesmo sindicato que agora segue fielmente a agenda negocial da SRE. Estava tudo bem na primeira proposta, aceita a segunda e o que mais se verá. Desde que traga a chancela da atual SRE para este sindicato é uma boa proposta, ainda que o regulamento do concurso seja subvertido e o local de trabalho, a escola, seja descaracterizado. Nada de novo, apenas o habitual oportunismo que tem vindo a determinar a atuação desta organização. 

A proposta de Sofia Ribeiro evoluiu, é inegável, mas está longe, amanhã depois da maratona negocial se verá, do que seria justo e rigoroso para o combate à precariedade docente e à estabilidade da escola pública na Região.


Como disse, já se deram alguns passos importantes que vão ao encontro de alguns dos princípios que devem presidir ao regulamento do concurso de pessoal docente na Região e que deixarei enunciados mais tarde, mas conhecendo a segunda versão da proposta diria que estamos longe de que isso venha a acontecer pois, a SRE mantém a proposta de quadros, não regional, mas de zona e não garante a todos os docentes o acesso às diferentes fases do concurso de recrutamento e mobilidade do pessoal docente.

Enuncio, agora, os princípios que devem presidir a qualquer regulamento de concurso de pessoal docente:

- garantir o princípio da graduação profissional como principal fator de ordenação dos opositores aos concursos do pessoal docente;

- garantir que os quadros não devem ter dimensão superior ao da unidade orgânica;

- garantir mobilidade entre os três sistemas educativos públicos do país salvaguardando os princípios de igualdade e reciprocidade.

Estes princípios devem ficar consagrados no articulado final do regulamento dos concursos, sob pena de todo o processo de recrutamento e mobilidade (para os professores já detentores de lugar de quadro de escola) ficar subvertido.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 04 de fevereiro de 2021