sexta-feira, 29 de julho de 2022

Origens

imagem retirada da internet
Bem sei! Origens é um dos títulos do magnifico trabalho que o Rafael Carvalho tem produzido no seu empenhado, persistente e excelente labor de divulgação e ensino da “viola da terra”, num meritório esforço de recuperação do instrumento musical que melhor traduz o ser açoriano. Ao Rafael, na senda de outros instrumentistas de quem herdou saberes, deve-se não só a captação de novos e muitos aprendizes, mas reconhece-se, também, o mérito de colocar a “viola da terra” a dialogar com outros instrumentos musicais, quer os seus parentes próximos, as violas de arame, quer ainda com outros artefactos musicais. E o Rafael tem sido, apesar de todos os obstáculos, bem-sucedido nesse seu louvável esforço. A viola tem o futuro assegurado por mais algumas gerações, quer pelos inúmeros instrumentistas em formação, quer pela conquista de novos públicos.

Poderia continuar a dissertar sobre a “viola da terra”, o trabalho do Rafael e de outros amantes da “viola de dois corações” que o assunto tem pano para mangas e o reconhecimento é, inteiramente, merecido, mas, em boa verdade, o que motivou o título desta passagem pela “Sala de Espera” é outro, ainda que seja de “origens” que se trata, pois, estou de passagem (não é um regresso) pelos lugares da minha infância e juventude.

imagem retirada da internet

Nesta, como em outras passagens, cada vez menos frequentes, pelos lugares da Beira Baixa que calcorreei enquanto jovem, sou invadido por sentimentos contraditórios: saudades do tempo que por aqui vivi, alegria pelo reencontro com alguns familiares e amigos, alguma nostalgia e um profundo desencanto pelo abandono a que estas gentes e estas terras têm sido sujeitas pelas políticas que os poderes decisórios (Lisboa e Bruxelas) desenharam para estes territórios. Só a perseverança das gentes que teimaram em ficar e o esforço abnegado de alguns autarcas contrariam, ainda que sem grande sucesso, este processo de morte anunciada de uma parte da alma do ser português. A reserva ética do país esvai-se nas partidas em busca de oportunidades, na lei natural da vida, e nas cinzas dos incêndios que sepultam sonhos e vidas.

A coesão territorial não faz parte das agendas políticas de quem, em Lisboa e em Bruxelas, nos tem governado, e a opinião pública que poderia contrariar estas opções e o seus efeitos está mais preocupada com os gadgets de última geração, com o campeonato nacional de futebol e outros assuntos igualmente importantes para o bem-estar individual e coletivo, enquanto o país real agoniza perante a indiferença e passividade dos decisores políticos e dos portugueses que vivem num país virtual.

Os liberais dirão que são as leis do mercado, os nacionalistas dirão que a culpa é dos estrangeiros ou, quiçá, dos ciganos, o centrão nada diz, nem faz, deixa correr, como a água corre entre as pedras da ribeira.

Nem mesmo alguns projetos e ações de índole cultural e de defesa do património natural do interior se têm mostrado suficientes para inverter este processo, ou por serem pontuais e dinamizados por cidadãos que por aqui passam, ou por serem submergidos por poderes distantes cujo objetivo é, tão-somente, o saque.

imagem retirada da internet
Desta terra e destas gentes alguém, no contexto de uma iniciativa de dinamização cultural, escreveu: “onde as oliveiras crescem os homens não morrem”. A frase é inspirada e inspiradora e traduz o sentir e viver destes lugares, ainda que o olival, sendo uma constante na paisagem, convivesse harmoniosamente com outras culturas agrícolas. Os saberes de experiência feitos davam diferentes usos ao solo, sem o esgotarem, garantiam o ordenamento territorial. O olival, a floresta de pinheiro bravo, a vinha, a fruta e os hortícolas garantiam a subsistência das famílias, o abastecimento dos mercados locais e, alguns produtos afirmavam-se e eram escoados para os mercados nacionais. 

Nem tudo acabou, mas tudo se transformou e, sem qualquer espécie de saudosismos, direi que não tem sido para melhor. Ninguém de boa fé fica indiferente à invasão dos olivais e das vinhas, o pinhal é quase inexistente, por estevas e giestas que depois alimentam os incêndios que devastam a cultura intensiva do eucalipto e transformam o verão da interioridade no inferno que faz as manchetes televisivas da silly season.

Por quanto tempo continuarão os homens a resistir mesmo que as oliveiras continuem a crescer!? Por quanto tempo mais esta indiferença que mata a alma dos lugares e dos homens que cresceram com as oliveiras!?

Por quanto tempo mais esta indiferença a uma realidade que nos empobrece e está a extinguir uma certa forma de ser português!?

Por quanto tempo mais… !?

Ninho do Açor, 26 de julho de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 27 de julho de 2022

terça-feira, 26 de julho de 2022

desta terra e destas gentes

imagem retirada da internet


Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) Desta terra e destas gentes alguém, no contexto de uma iniciativa de dinamização cultural, escreveu: “onde as oliveiras crescem os homens não morrem”. A frase é inspirada e inspiradora e traduz o sentir e viver destes lugares, ainda que o olival, sendo uma constante na paisagem, convivesse harmoniosamente com outras culturas agrícolas. Os saberes de experiência feitos davam diferentes uso ao solo, sem o esgotarem, garantiam o ordenamento territorial. O olival, a floresta de pinheiro bravo, a vinha, a fruta e os hortícolas garantiam a subsistência das famílias, o abastecimento dos mercados locais e, alguns produtos afirmavam-se e eram escoados para os mercados nacionais. (...)

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Acreditar

imagem retirada da internet
Um novo líder, uma nova consigna, procurando afirmação no espaço público nacional. Luís Montenegro e o PSD propõem-nos que acreditemos. Mas convenhamos, é preciso ter fé, muita fé, para acreditar que o passado passista possa ter futuro em Portugal, digo eu que sou uma pessoa com memória e ando arredado da fé. Esperança tenho, e sendo velha, como homem e os dogmas, aponta para o porvir e para a diferença transformadora, a fé alimenta-se no pretérito, cristaliza o tempo e o pensamento. A fé perpetua modelos arcaicos de domínio, embora com as novas roupagens da modernidade ou pós-modernidade, mas que continuam a promover a desumanização em nome do culto da atomização social que produz pobreza e exclusão. 

O discurso liberal, do qual o PSD e Luís Montenegro são, como outros, intérpretes, pois, não há monopólios partidários desta velha ideia, o que existe são vários protagonistas e outras vestes, quiçá mais informais, mas todos bebem na mesma taça, todos veneram o deus do mercado, todos servem o mesmo senhor e todos propõem a privatização do lucro e a socialização do prejuízo, ou seja, o povo que pague os devaneios e as perversões do liberalismo económico.  

imagem retirada da internet

Quando olhei para o novo outdoor do PSD exposto numa das rotundas da cidade onde vivo, a leitura imediata remeteu-me para o passado e, nem mesmo o lettering que aponta para 2026 me convenceu de que aquele rosto e aquela consigna terão futuro tal é a carga passista que carregam.

Considerando que, tal como eu, a maioria dos portugueses tem memória o retorno ao passado passista que Luís Montenegro e o “seu” PSD encarnam não passará de um apelo malsucedido, a não ser que a fé faça vencimento entre os que mais penalizados foram com o governo de Passos Coelho que, à boleia da troika, desbarataram o património público empobreceram os portugueses e tornaram Portugal, ainda mais dependente. Claro que Luís Montenegro e os seus acólitos contam com a curta memória do eleitorado e a estupidificação promovida pela comunicação social de massas para que os eleitores voltem a “Acreditar”, no quê não se sabe. O que eu sei é que Luís Montenegro está indelevelmente ligado a Passos Coelho e a um projeto político que, como se verificou, entre 2015/2019, não era uma inevitabilidade nem a única opção. A rutura, ainda que incipiente, com as políticas troikistas, exponenciadas pelo governo de Passos Coelho demonstraram que existiam, e existem, alternativas à barbárie neoliberal.

imagem retirada da internet
O PSD, com ou sem Luís Montenegro e para além desta ligação ao passado passista, tem no atual espetro partidário português pouco espaço para se reafirmar como uma alternativa política, desde logo ao PS com quem comunga o essencial da doutrina liberal que impera na maioria do governos da União Europeia e, naturalmente, no Conselho e na Comissão Europeia, por outro lado o crescimento e a capacidade de penetração da Iniciativa Liberal em largos setores da sociedade portuguesa constituem-se como barreiras, eu não diria inultrapassáveis, mas como fatores determinantes para impedir que o PSD possa reganhar a confiança e o apoio eleitoral que já teve e lhe permitiu governar o país.

As opções política e eleitorais dos portugueses têm contribuído para alargar o quadro parlamentar, embora essa diversidade da representação da vontade eleitoral não corresponda, de todo, a alterações significativas nas opções políticas necessárias para reduzir a crónica dependência externa do país, aumentar a produção nacional e aumentar o investimento nos serviços públicos, com particular urgência no SNS e na Escola Pública.

A diversidade parlamentar é uma falácia, não acrescenta nenhuma mais valia à democracia portuguesa e perverte as prioridades políticas com agendas dirigidas a tendências criadas artificialmente para retirar do espaço público a discussão das questões verdadeiramente essenciais para o nosso futuro coletivo.

Não vos vou deixar exemplos, mas sugiro que verifiquem as votações parlamentares na Assembleia da República sobre algumas propostas e tirem as vossas próprias conclusões. Não estarei longe da verdade se disser que, no essencial, o PS, o PSD e a IL têm o mesmo sentido de voto nas propostas estruturantes que poderiam contribuir para a melhoria das condições de vida dos portugueses. O que significa que é mais o que une estes três partidos do que aquilo que os separa. Resta saber qual será destes partidos o que se afirmará como o eleito do capital nacional e europeu, uma vez que a escolha depende muito mais desse pequeno pormenor do que da vontade (pouco) esclarecida dos eleitores.  

Santa Cruz (Flores), 11 de julho de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 13 de Julho de 2022

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Mestiçagens

Imagem retirada da internet

Em Portugal a multiculturalidade e, por consequência, as relações interculturais não são uma novidade dos nossos tempos, veja-se a história do território continental a que chamamos Portugal para concluirmos que os portugueses são uma mescla de povos e culturas, mesmo antes daquela que foi, esta sim, a primeira mundialização: os “descobrimentos” e tudo o que se lhe seguiu.

O território continental, mesmo antes de ser Portugal, foi alvo de invasões por diferentes povos, antes e depois do Império Romano ter ocupado a Península Ibérica, estes povos deixaram as suas marcas culturais, uns mais que outros, uns mais a Norte outros mais a Sul, outros apenas nas regiões costeiras. Os povos autóctones assimilaram os genes, o conhecimento e a cultura das gentes que por aqui passaram e deram origem a um povo mesclado e culturalmente diverso. 

Com a época dos descobrimentos e os regressos vieram novas matizes culturais, mas também homens e mulheres dos territórios colonizados. Os portugueses são um povo mestiço, e isso é bom. Sobretudo quando somos capazes de o reconhecer e aceitar como um património da nossa ancestralidade. Todos nós, portugueses, somos um pouco do Mundo.

A descolonização portuguesa só aconteceu com a Revolução do 25 de Abril e, é a partir dessa altura que se inicia um processo, lento e gradual, de aceitação, reconhecimento e valorização das diferenças culturais da população portuguesa que, sendo já diversa, se acentuou com a vinda de uma vaga de cidadãos oriundos das antigas colónias.

Na década de 90 da centúria anterior assistiu-se a fluxos de imigração para Portugal como nunca se tinham, até então, verificado. Havia mão-de-obra disponível, um pouco por todo o Mundo, e o país tinha necessidade de a importar. Na década de 90 as comunidades de imigrantes engrossaram e diversificaram-se e a resposta política, que tardava, acabou por surgir. Por outro lado, as associações de imigrantes acompanharam, naturalmente, esta nova realidade e, a par das já existentes, no essencial, cabo-verdianas, angolanas e brasileiras surgiram muitas outras.   

imagem retirada da internet
A vaga de imigração que se verificou para Portugal, no limiar do século XXI, transformou o tecido social nacional num enorme mosaico multicultural e colocou, à sociedade, e por consequência, à Escola novos desafios.

A presença de cidadãos estrangeiros em Portugal não sendo um fenómeno recente, nunca tinha sido objeto de uma resposta política estrutural. Só em 1996, tendo como primeiro ministro António Guterres, foi criado o Alto-Comissariado para as questões da imigração.

Antes da criação do ACIME, a intervenção das políticas públicas consistia em medidas avulsas direcionadas para a Escola e cuja eficácia foi reduzida, não deixando, contudo de lhe reconhecer algum mérito.

Foi, como referi, no domínio da educação, apesar das limitações das leis de enquadramento, que se tomaram as primeiras iniciativas políticas formais em relação à multiculturalidade com a criação do Secretariado Coordenador dos Programas de Educação Multicultural, em março de 1991.

O Projeto de Educação Intercultural em vigor nos anos escolares 1993 a 1997 focalizado em 49 escolas do ensino básico situadas em zonas de residência de populações fragilizadas social e economicamente, e de concentração de cidadãos de origem externa, no essencial das antigas colónias africanas, zonas onde se verificava uma elevada percentagem de insucesso escolar. Este projeto podendo ter um grande alcance pedagógico foi, contudo, limitado no tempo e no espaço.

Refiro ainda o projeto “A Escola na Dimensão Intercultural”, em 1990, a criação, em 1993, da Associação de Professores para a Educação Intercultural (APEDI), a iniciativa Pelas Minorias em 1998, a institucionalização da diversidade religiosa nas escolas públicas, em 1998 e a criação do Grupo de Trabalho para os Mediadores Culturais, em 2001.

Em fevereiro de 2001 foi criado o Secretariado Entreculturas que veio substituir o Secretariado Coordenador dos Programas de Educação Multicultural. Entre as iniciativas mais recentes, da responsabilidade do ACM, nova designação do ACIDI que sucedeu ao ACIME, destaca-se o Kit Intercultural Escolas, a Bolsa de Formadores, o Selo Escola Intercultural e a Rede de Ensino Superior para a Mediação Intercultural.

Há muito por fazer, ficou muito por fazer, mas é justo reconhecer que algo se foi fazendo, nem sempre da melhor forma nem com o alcance pretendido. Portugal é um país culturalmente diverso e mestiço, mas continua, paradoxalmente, a ser um país que resiste em aceitar a diversidade e a diferença.

Ponta Delgada, 27 de junho de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 29 de junho de 2022


Mariya Oktyabrskaya - a abrir julho





Lindas são as mulheres que lutam Mariya Oktyabrskaya a abrir o mês de julho no "momentos"