sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Há um ano. "Um Natal à Viola", de Rafael Carvalho

 



Texto de apresentação do CD

Um Natal à Viola, de Rafael Carvalho

Teatro Micaelense

Ponta Delgada, 27 de Novembro de 2019





E do velho se faz novo

Minhas senhoras e meus senhores, 

Caros amigos,

Se outros motivos não houvesse a vossa presença, que muito agradeço, diz bem da importância e da ligação que diferentes gerações outorgam às nossas raízes culturais. Só por isso, pela Vossa presença, diria que é já motivo de grande satisfação este novo trabalho musical que o Rafael Carvalho partilha connosco. Não fossem a Viola da Terra, o novo disco e o Rafael Carvalho, motivos mais do que suficientes para este serão de encontros e reencontros com a sonoridade única da viola de arame.

Sim. A razão primeira pela qual estamos aqui, o Rafael que me desculpe, não é por ele. Estamos por ele, mas estamos, sobretudo, pela viola que nos toca. Estamos pela sonoridade de um instrumento musical popular com o qual nos identificamos e que faz parte da nossa memória coletiva. Claro que estamos pelo Rafael e, é a ele que dirijo um agradecimento especial pelo convite que me endossou para fazer a apresentação do seu último trabalho discográfico. Um convite que aceitei sem reservas e me honra, mas que me surpreendeu, pois, sendo um melómano, não sei uma nota musical que seja.

O Rafael não devia saber disto, se o soubesse teria procurado quem pudesse, com propriedade, falar da qualidade da execução e dos arranjos que fez para que, só com a viola da terra, percorrer temas tradicionais de Natal com origens populares tão diversas, aos quais acrescentou duas canções de autor e, ainda, um tema original.

Não sei quem corre o maior risco, se eu, se o Rafael. Eu, por vir meter a foice em seara alheia, o Rafael por colocar aqui um leigo a falar da sua música e, de alguma forma, a servir de suporte para a promoção e divulgação do seu trabalho enquanto músico e compositor. Mas vou tentar, lá isso vou.

Ainda antes de uma abordagem ao novo disco do Rafael Carvalho, permitam-me algumas referências ao instrumento musical em que este músico, professor e difusor da viola da terra, de dois corações, ou de arame, se exprime de forma exímia. Para o instrumento adotem a designação que preferirem, importante mesmo é que falamos do único instrumento musical típico dos Açores (A Viola de Arame nos Açores, João Alfredo Ferreira Almeida, Publiçor, 2.ª ed., 2010).

Trata-se de um cordofone que tem a sua origem nas violas de mão ou Vihuelas* e que em Portugal, consoante o gosto, os materiais disponíveis, mas também as técnicas de execução, adotou diferentes formas. As violas de arame serão, pela sua história e pela apropriação popular, até à introdução da guitarra clássica, ou viola, e da vulgarização da guitarra portuguesa** com a sua associação ao fado, os instrumentos musicais da classe dos cordofones, verdadeiramente portugueses. Sendo que, segundo alguns autores, estes instrumentos musicais são uma rara sobrevivência das violas que existiam no continente europeu (A Viola de Arame nos Açores, João Alfredo Ferreira Almeida, Publiçor, 2.ª ed., 2010)

As violas de arame em Portugal são conhecidas pelas seguintes designações: Braguesa, Amarantina, Toeira, (estas do Norte e litoral), a Beiroa e a Campaniça (do centro e Sul), e ainda, na Madeira a Viola Madeirense e o Machete, vulgo Braguinha (assim como uma espécie de cavaquinho, que terá sido o cordofone português mais disseminado pelo Mundo. O mais conhecido será o seu parente ukelele do Hawai. Mas a viola de arame também atravessou o Atlântico e viajou. No Brasil a Viola Caipira ou Sertaneja é, também, uma viola de arame que terá sido levada, quiçá dos Açores, para o sertão brasileiro.

Nos Açores as violas de arame, sim são duas, a Viola de Corações, talvez a mais divulgada e conhecida, e a Viola de Boca Redonda, da ilha Terceira. A Viola de Dois Corações, esta que o Rafael Carvalho maneja com uma mestria admirável, ainda tem algumas variações no tamanho e na afinação. Mas essas questões ficarão para os especialistas.

Estarão, caros amigos, a perguntar-se porque estou a dedicar tanto tempo ao instrumento musical!? Têm razão, mas existe uma justificação, ou várias, para eu dedicar esta parte da apresentação do disco Um Natal à Viola à história das violas de arame. Passo a explicar.

A Viola da Terra, mas também a Beiroa, foram caindo em desuso por razões diversas, esta última de forma quase dramática (a Viola Beiroa esteve preste a tornar-se um objeto museológico não fossem alguns músicos e instituições a recuperar-lhe o uso). Com a Viola da Terra também se assistiu ao declínio do seu uso e no final da década de 90, do século passado, o número de violas e de mestres violeiros era quase residual. Em S. Miguel, diz-nos José Alfredo Ferreira Almeida, e cito: “(Não é exagero afirmar-se que, atualmente e pelo menos em S. Miguel – que melhor conhecemos – a viola da terra, como é habitualmente designada, é quase uma raridade, algumas vezes convertida em relíquia de família, com funções meramente decorativas, confinada a museus, coleções particulares, grupos folclóricos e a uns quantos apreciadores, apaixonados pelo seu timbre. (…)”. Fim de citação.

É certo que alguns mestres violeiros dos quais destaco, Carlos Quental e, em particular Miguel Pimentel desenvolveram um ciclópico trabalho, através do seu ensino e consequente difusão das técnicas de execução, para contrariar o declínio do uso da Viola da Terra. O mestre Miguel Pimentel durante parte das décadas de 80 e 90 manteve no Conservatório de Ponta Delgada cursos livres apara aprendizagem deste instrumento musical.

E o Rafael Carvalho a par de outros exímios executantes de viola da terra, como o Ricardo Melo, são exemplos vivos desse legado de Carlos Quental e Miguel Pimentel. 


Sobre Proteção e Valorização do Património Material e Imaterial, afinal também é disso, ou sobretudo disso, que estamos a falar, diria que  não sou um conservacionista apenas pelo valor simbólico do património, seja ele móvel ou imóvel, seja ele material ou imaterial, embora considere que a sua salvaguarda apenas na perspetiva conservacionista assume, em si mesmo, grande relevância e, diria mesmo que relativamente a alguns desses bens a intervenção e salvaguarda, não poderá ir além disso, Preservar e conservar. Defendo uma perspetiva de preservação e conservação do património cultural ligado ao seu uso e fruição pelos cidadãos. E é possível modernizar e adequar aos nossos tempos sem perder a alma. Deixo-vos dois exemplos de preservação, de valorização e até de recuperação de património cultural regional, sem nenhuma adulteração às suas formas originais, conseguidas e julgo que bem conseguidas, por uso diverso do original num dos casos e, no outro caso mantendo o uso que lhe conferiu valor, mas dando-lhe novos palcos.

Depois do declínio da caça à baleia e da sua total proibição, os botes baleeiros, tendo-se-lhe acabado o uso, estavam predestinados a serem meras peças estáticas de museus e núcleos museológicos, a assim foi durante um largo período de tempo. Hoje e, devido à introdução de um novo uso, as regatas e o turismo, damos conta que muitos deles foram totalmente recuperados e é com agrado que os vemos de velas enfunadas a sulcar o mar das nossas baías. A viola da terra, de arame ou de dois corações nunca tendo estado em verdadeiro perigo de desuso pois as festas populares, os ranchos folclóricos e outras manifestações populares assim o garantiriam, todavia verifica-se uma evolução no seu uso, ou seja, continuando a marcar a sua indispensável presença nas festas populares este instrumento musical, sem que tivesse tido nenhuma alteração é hoje ensinado nos conservatórios regionais de música, procura novas sonoridades, novos instrumentos parceiros, atrai novos aprendizes e, por consequência, atrai novos públicos.

E esse tem sido o trabalho inexcedível de Rafael Carvalho. Este rapaz da Ribeira Quente tem dado um valioso contributo, não só para a salvaguarda da Viola da Terra, mas sobretudo para a reafirmação do instrumento musical que melhor traduz a alma açoriana. 

O Rafael para além de ser um exímio executante de viola da terra, tem desenvolvido um trabalho complementar no ensino formal e informal, conseguindo o reconhecimento oficial do ensino de Viola da Terra no Conservatório Regional, promove encontros anuais da Viola da Terra com as violas de arame, do território continental, da Madeira e do Brasil, dinamiza orquestras, concertos, encontros de músicos de Viola da Terra de toda a Região, criou a Associação de Jovens Viola da Terra, e, por fim, embora não seja só, tem promovidos e participado em momentos musicais onde seria impensável a entrada deste instrumento de música popular. Um dos últimos, para não referir outros, foi a sua participação num espetáculo que, como disse Vânia Dilac, mais parecia uma improbabilidade, juntar o Soul com a Viola da Terra. E era uma improbabilidade, até acontecer. Este é apenas um exemplo de que a Viola da Terra, pelas mãos do Rafael, tem vindo a fazer. Ou seja, um percurso de afirmação em palcos que até há alguns anos lhe estavam vedados.

Mas se o Rafael Carvalho é tudo isto, é também, um autor de livros didáticos sobre o ensino da viola da terra, tem três livros publicados, uma coleção que tem por título Método para a Viola da Terra, níveis Iniciação, Básico e Avançado.

Como qualquer outro músico instrumentista o Rafael Carvalho é também um compositor. Tem cinco discos disponíveis. Estamos aqui, embora até agora não pareça, para conhecer o seu mais recente disco, Um Natal à Viola. Os trabalhos que antecedem este, são: Origens, 2012, Paralelo 38, 2014, Relheiras, 2017, e, 9 Ilhas 2 Corações, 2018. Com exceção do quarto trabalho discográfico, 9 Ilhas 2 Corações que percorre exclusivamente o cancioneiro tradicional açoriano, todos os outros integram temas originais da autoria do Rafael Carvalho. Com especial destaque para Relheiras que não sendo exclusivamente de originais é-o, na sua essência, dos dez temas de Relheiras, sete são originais da autoria do Rafael Carvalho.

A composição de temas originais faz parte, em minha opinião, da constante procura de novas sonoridades para a viola da terra e resulta da apuradíssima técnica de execução, de domínio e de conhecimento de todas as potencialidades deste instrumento musical. Os originais de Rafael Carvalho são experimentais, exploratórios, revelam todo o seu virtuosismo e contribuem para a criação de um novo e elaborado reportório para a Viola da Terra.

Um Natal à Viola, foi o pretexto para nos juntarmos neste magnífico espaço cultural de Ponta Delgada. São 14 temas executados pelo Rafael Carvalho onde apenas se ouve o som da Viola da Terra, a viola de arame dos Açores da qual se libertam sons que se ouvem no Alentejo, na Beira Baixa, em Trás os Montes, na Madeira e, naturalmente, nos Açores. Todos estes temas são alusivos à quadra natalícia e provêm do cancioneiro popular.  Mas o Rafael que não deixa os seus créditos por mãos alheias, não se fica apenas pelo cancioneiro popular e presenteia-nos com a interpretação de dois temas de autor, Noite Feliz, de Franz Gruber e, Adeste Fideles, de John Wade. E, na minha humilde opinião, isto não acontece por acaso. O Rafael Carvalho, na sua permanente ação de valorização da Viola da Terra, serve-se destes dois temas clássicos e sobejamente conhecidos para nos dizer, a nós e ao Mundo, que a Viola da Terra não está confinada a ser um mero repositório da música tradicional.

Continua a sê-lo, e ainda bem, mas pelas mãos do Rafael e dos seus jovens alunos, a Viola da Terra já caminha por outros territórios musicais e isso só pode ser objeto da nossa satisfação e louvor. Por fim uma breve referência ao original que dá o nome ao quinto CD do Rafael Carvalho, ou seja, música que encerra este trabalho do Rafael Carvalho, Um Natal à Viola. Este original confirma o que tenho vindo a dizer sobre os novos caminhos da Viola da Terra e o trabalho exploratório e experimental que o Rafael tem vindo a desenvolver. Tem o timbre inconfundível da Viola da Terra e uma toada que nos faz viajar pela quadra natalícia, mas esta música está liberta dos sons tradicionais. Mesmo para um ouvido duro como o meu é possível encontrar diferenças substantivas, entre as duas músicas tradicionais do Natal micaelense que integram este disco, e por consequência adaptadas à Viola da Terra, e o original que o Rafael Carvalho compôs para fechar o seu quinto trabalho discográfico. Certamente teremos oportunidade de verificar isso mesmo quando o autor executar esse tema. Não sei se está no alinhamento, mas conto com isso.

Resta-me agradecer, uma vez mais a vossa presença, mas também a atenção que me dispensaram. Obrigado!

* Instrumento de cordas ibérico. A primeira menção a estes cordofones data do Século XV.

**Resulta da evolução e adaptação do “cistre europeu renascentista”. O cistre, ao contrário da cítara, tem as cordas esticadas para além da sua caixa de ressonância.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 27 de Novembro de 2019


terça-feira, 24 de novembro de 2020

Suspensa. Nem negativo, nem positivo.

O XIII Governo regional tomou hoje posse. Os discursos de circunstância foram isso mesmo, de ocasião e, como tal, não vou perder tempo com eles. Interessam-me mais as intenções que serão vertidas no programa de governo a apresentar à ALRAA e, sobretudo, a sua execução após a aprovação.

Hoje ao princípio da noite foi divulgada a primeira, ou uma das primeiras decisões, do novel governo, o tal da mudança e da humildade, e veja-se suspende por via de um Decreto Regulamentar Regional, uma norma de um outro Decreto Regulamentar Regional que entra em vigor amanhã (25 de Novembro) e que foi publicado no Diário da República de hoje (24 de Novembro). Ou seja, a obrigatoriedade de apresentação de teste negativo ao Sars-Cov2 pelos passageiros que viajam de S. Miguel e Terceira para as outras ilhas, que entra em vigor amanhã (25 de Novembro), foi suspensa até estarem reunidas condições para que os passageiros possam aceder aos laboratórios convencionados (não se sabem quais) para a realização do teste.

O que menos precisamos, nesta e noutras questões, é de falta de clareza. O XIII Governo regional iniciou o seu mandato a contrariar uma decisão que, sendo do anterior Governo, também era sua (José Manuel Bolieiro foi ouvido). Tenho consciência que não podia ser de outra forma mas, já a tinha quando a decisão foi tomada.

Amanhã veremos qual vai ser a atitude da transportadora aérea regional perante os passageiros que viajam de S. Miguel e Terceira para as outras ilhas do arquipélago.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 24 de Novembro de 2020


escolher o alvo certo

Imagem retirada da internet
As medidas decorrentes da regulamentação da prorrogação do “estado de emergência” provocaram alguma indignação nos Açores, ou melhor, em alguns cidadãos ilhéus. A revolta está direcionada para o Representante da República e para o governo de António Costa e tem subjacente a ideia do centralismo lisboeta.

Não vou tecer grandes considerações sobre este assunto, mas, salvo melhor e douta opinião, não são estes os alvos. A situação decorre do decreto presidencial que determinou o “estado de emergência”, embora o decreto seja do presidente, como se sabe, foi validado, à semelhança dos anteriores, pela Assembleia da República, depois de ouvidas a Regiões Autónomas. Ou seja, quem o aprovou, conhecendo o quadro constitucional, é, em primeira instância, responsável pela situação que está na origem da indignação.

E a votação da Assembleia da República que aprovou a proposta presidencial de renovação da declaração do estado de emergência foi a seguinte:

A favor: PS, PSD e 1 deputada não inscrita;

Contra: PCP, PEV, Chega, IL e 1 deputada não inscrita;

Abstenção: BE, CDS e PAN

A discussão sobre a existência, ou não, de Representante da República para as Regiões Autónomas é uma outra e tem sede num processo de revisão constitucional. A presente questão, quer se goste quer não, decorre da atual arquitetura do Estado.

Quanto aos efeitos do “estado de emergência” nos Açores responsabilize-se o seu autor e quem viabilizou a sua renovação.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 24 de Novembro de 2020


domingo, 22 de novembro de 2020

Há um ano. Contos Bizarros, de João Pedro Porto

 

Escrita incomum, Leitura estimulante (*)

Antes de vos falar do livro e do autor, razão maior que nos mobilizou para, nesta tarde quase noite, nos juntarmos neste espaço que, sendo novo, é um lugar recuperado à nossa memória coletiva, permitam-me algumas palavras de agradecimento.

E agradeço, desde logo, a Vossa presença. Presença sem a qual pouco sentido faria este momento. Os livros cumprem a sua finalidade por via dos leitores e, neste caso, os leitores não faltaram à chamada.

Estamos num lugar de livros, de leitores, de escritores, de editores e livreiros e, por isso, quero deixar um agradecimento, na pessoa do Senhor Ernesto Resendes, ao Grupo Publiçor/Nova Gráfica/editora LetrasLAVAdas que hoje inaugura oficialmente  esta livraria, num espaço retomado para o presente da cidade de Ponta Delgada e que, permitam-me a ousadia, é um contributo para nos devolver a alma da cidade. Não só, mas também por isso, fica o meu reconhecimento público à LetrasLAVAdas.

Ao João Pedro Porto, não sei se agradeça o convite para esta empreitada, afinal eu gosto muito mais de estar do Outro Lado, gosto muito mais de ouvir do que falar. Mas sim, agradeço convicta e sinceramente o convite do João Pedro para fazer, em partilha com a Leonor Sampaio, a apresentação pública do seu livro Contos Bizarros

Convite que me surpreendeu, mas que me muito me honra e ao qual acedi sem reservas, mas com a consciência de que pendia sobre mim uma enorme responsabilidade. Ainda assim aceitei o desafio pois, não sou pessoa de recuar perante os reptos que me colocam, sejam eles de que natureza forem.

O João Pedro Porto e a sua obra não necessitam de apresentações, contudo, não posso deixar de referir que este jovem escritor, sendo micaelense de nascimento, é antes de mais e depois de tudo um autor do Mundo, com vasta obra já publicada. Este é o seu sétimo título, e é tido no contexto nacional como um dos autores de referência da nova geração de escritores portugueses. 

O João Pedro tem quatro romances publicados. O Rochedo que Chorou, 2011, O 2egundo M1nuto, 2012, Porta Azul para Macau, 2014, A Brecha, 2017.

O João Pedro publica agora o seu terceiro livro de contos, para trás ficam O Homem da Mansarda, 2014, e Fruta do Chão, 2018, este último em versão bilingue, traduzido para o espanhol por Blanca Martin-Calero. Mas as experiências literárias do João Pedro não se ficam por aqui, são, também, suas as letras dos álbuns musicais Terra do Corpo e Sol de Março, de Medeiros e Lucas. A produção literária do João Pedro Porto não se esgota apenas nos seus títulos, mas avancemos.

O seu último romance A Brecha, de 2017, foi finalista do Prémio Casino da Póvoa, Correntes d'Escritas. O blogue literário “Somos Livros”, referencia João Pedro Porto como um dos cinco autores portugueses a conhecer, sobre João Pedro e o seu último romance disse Valter Hugo Mãe: “Reverberam séculos nas suas construções. Um invasor absoluto, um denunciador. João Pedro Porto é cénico, performativo, esdrúxulo, temperamental, mas sem arrogância. Apenas luxuoso, desse luxo de poder fazer.”

Também por cá foram produzidas algumas opiniões sobre o último romance de João Pedro Porto de entre as quais destaco o magnífico texto de Leonardo Sousa, “Atrelai o pensamento à popa destes navios – uma abordagem ao universo d’A Brecha”, publicado no blogue “um elefante na loja de cerâmica”.

E foi com a Brecha, ainda antes dos concursos e das opiniões oriundas dos meios literários regionais e nacionais que conheci o João Pedro Porto escritor e cidadão, ou seja, esta é uma relação que nasceu da leitura do seu último romance. Foi o gosto pela leitura e pela escrita que nos aproximou. Essa será, quem sabe, a razão pela qual estou aqui para vos apresentar Contos Bizarros.

Mas, ainda antes de vos falar destes contos, e assim como uma espécie de aperitivo, permitam-me citar A Brecha e Fruta do Chão para se perceber de que escrita laboriosa e densa, mas encantadora, estamos a falar.

(…) A terra terá sido sempre lida com as páginas e as cabeças erigidas a Norte, salvo pelos povos da meia-lua. Desse Norte se disse, por anos, ser o hemisfério superior, que é como quem diz: de superior condição. O Sul será sempre algo selvático, onde se dançam os tangos e se matam os homens por ninharias. A futilidade é mortal, no Sul. Será por isso que lá vamos. Não há banalidade no Sul. Se o mistério tiver esconderijo, esse será sempre austral. Até o órgão mais carnal e o pórtico mais recôncavo de todo o éden moram no lugar sulino do corpo dos homens e das mulheres. (…)

Dirão que bem podia ser dito de uma outra e simples forma. Sim podia, mas, para nosso deleite, a linearidade não é uma caraterística da escrita de João Pedro Porto.

A propósito deste trecho de A Brecha, do qual gosto particularmente, acrescento da minha lavra: O meu Norte é o Sul. 

Fica um outro fragmento da escrita de João Pedro, agora de um dos contos de Fruta do Chão.

(…) A filha da lavadeira, essa, era cereja-brava, embrulhada em alfazema. Dançavam-lhe as bordas da saia num vento que não fazia. Parei de olhar sem modéstia nem tempo. Ela olhou também, e sorriu vermelha. Como uma cereja, pensei, e olhei mais um pouco. Oh quantas glórias trocariam beligerantes guerreiros por uma vida de alfazema. (…)

Há, certamente, muitas formas de descrever e cantar o balancear do corpo feminino. Vinicius de Moraes aborda esse balancear na conhecida canção A Garota de Ipanema quando diz: “(…) o seu balançado é mais que um poema (…)”, mas João Pedro Porto fá-lo de um jeito inigualável e sem recurso à utilização de uma referência, que seja, à anatomia feminina, e recordo: 

(…) Dançavam-lhe as bordas da saia num vento que não fazia (…). Esta é uma escrita que não está ao alcance de todos. Valter Hugo Mãe tem razão quando afirma que o João Pedro Porto é: (…) “cénico, performativo, esdrúxulo, temperamental, mas sem arrogância. Apenas luxuoso, desse luxo de poder fazer.” (…).

Depois desta breve introdução à escrita de João Pedro Porto vamos então ao que nos traz e junta aqui, os Contos Bizarros.

Este livro tem algumas peculiaridades que importa, antes de mais, referir. 

É uma edição bilingue, mas não tem tradutor. Pois é, o João Pedro Porto escreveu, também, em inglês. Não faço outras considerações sobre esta, julgo que, invulgaridade pois, para isso temos aqui a Leonor Sampaio. Mas sempre direi que este é um ato de coragem, quer do autor, quer do editor.

A ilustração da capa é do João Pedro Porto.

Estes dois aspetos de pormenor dizem, só por si, muito do espírito inquieto, culto, criativo e corajoso deste miúdo, sim um miúdo de 35 anos, que hoje partilha connosco os seus Contos Bizarros.

À semelhança dos que o precederam, também, este livro necessita de tempo. Estes contos não são para leitores apressados, cada uma das onze estórias que o compõem são para ser saboreadas. Se preferem uma refeição rápida então peguem num policial, se pelo contrário se deleitam com um repasto de degustação, então leiam os Contos Bizarros

Não será a melhor abordagem para divulgar um produto!? Talvez não. Vivemos num tempo de pressas e de imediatismo e eu estou a pedir-vos tempo. Tempo que é o nosso bem mais precioso. Mas é por isso, por o tempo ser escasso e precioso que não o devemos desperdiçar com o lixo mediático e virtual descartável, mas que degrada, tal como a fast food danifica o nosso equilíbrio fisiológico. Regressemos, pois, à dieta mediterrânica que é como quem diz: à literatura, ao pensamento crítico e ao equilíbrio entre a razão e a emoção.

Quando acabei a leitura de Contos Bizarros publiquei, em diferentes redes sociais, uma foto da capa com a seguinte legenda: Escrita incomum, Leitura estimulante. E assim é a escrita de João Pedro Porto, diria que esta forma de escrever, goste-se ou não, é um ato de rebeldia que poderá afrontar os clássicos cânones literários, E eu gosto, e admiro, quem não se resigna.

Uma outra ideia que retive foi a de que, neste como em outros livros, o autor utiliza uma criativa paleta de cores para construir ambientes. Eu diria, se me permitem, que estes contos são, também, uma construtiva orgia cromática, vejamos: cor de cimboa, avioletada, azul prussiano, um turquesa, e o outro de areia-molhada-a-seca, azul meia noite, hialinos e esbranquiçados, cabelos cor de vime ratã, azul cobalto a caribenho, veneno e morte anil, fato pardo a gris, caravelas garrafa-azul, avermelhar a cor lívida da morte, um mar malhado de céu, cor de cardo, exangue e alabastrino, cor de gamboge-a-tangelo-vivo, um céu daquele azul que não faz fronteira com o mar. 

Estas são algumas das cores dos Contos Bizarros, outras há, sendo que os gradientes de azul são criativamente infindáveis.

Estes contos, não sendo só, são estórias que se aproximam muito de notas autobiográficas. Se em todas as narrativas e em todas as geografias se pode encontrar muito do que foi, e é, o seu autor, nestes contos deparamos com o João Pedro ao virar de cada página. Nem sempre será fácil encontrá-lo, mas ele está por aqui, nestas páginas, ou pelo menos um pouco de si. O que já é muito. Nem todos os escritores, aos 35 anos terão coragem para se desnudar perante os seus leitores.

O primeiro dos contos, a Torre de Palha, tem um protagonista. Um daqueles seres que não encaixa no padrão com que os Homens costumam categorizar tudo, e todos. Catalogação que está na origem dos muitos males que se perpetuaram à sombra da medieva ignorância e da pós-moderna estupidificação global.

Anton Moller assim se chama o jovem que tinha “sede por torcer o pescoço ao mundo”, ia a Sorenga pelas madrugadas sublimar a “dor jovem do desprezo” nadando nas águas frias do fiorde no estreito de Skagerrak, talvez assim como o equivalente ao nosso Pesqueiro.

Não vou dissecar, nem este, nem os restantes contos, isso seria retirar-vos um pouco do prazer da vossa leitura, mas Torre de Palha despertou o meu interesse particular pelo facto de se iniciar com a saída de um navio cargueiro do porto norueguês de Narvik que trazia no bojo minério e hulha, e, no convés o protagonista que viaja clandestinamente, com a cumplicidade do imediato do navio. Narvik fica no Noroeste da Noruega, no círculo polar ártico, e por aí se escoa o minério de ferro extraído nas minas suecas de Kiruna e Gallivare.

Mas se estes territórios são bem reais, outros como Halm destino temporário de Anton Moller, quer outras geografias, são lugares criados pelo autor, territórios imaginados e descritos, como se de lugares reais se tratassem para servirem o objeto de cada uma das estórias.

Os Contos Bizarros, não serão tão estranhos como título nos pode fazer crer. O nascimento, a infância e a juventude mais ou menos invulgar, a descoberta da leitura e as viagens que esse e outros novos nasceres nos permitem, que Oleandro Sandoz, faz e cito: “Montado no dorso dos verbos mais corridos. Aos ombros de adjetivos alados”. Ou a tentativa do médico legista de fugir à morte porque, e volto a socorrer-me das palavras do autor, “viver era a coisa mais importante das coisas importantes” e “demasiada morte estava a matá-lo”.

Mas Contos Bizarros também nos fala do drama dos escritores quando são atormentados por momentos de bloqueio criativo, ou como diz o autor “… um embargo da imaginação.” Não vai, caro leitor, encontrar a solução, porque receitas não existem, mas ficam muitas pistas para vencer o bloqueio, desde logo não desistir, lutar contra o embargo ainda que seja escrever às escuras, de costas ou com a mão esquerda. Fazer o pino pode ser uma hipótese, não muito aconselhável, está bom de ver, porque lhe farão falta as mãos.

O autor de uma forma mais ou menos explícita não deixa a sua ilha e cidade fora destes contos e surpreende-nos com a “crónica de um futuro ido” onde nos fala do passado, não muito distante. Mas também do presente e do futuro, assim, com esta formulação, e cito, 

“Se o presente já durava pouco, agora também o futuro é vivido com a urgência de o tornar passado”.

Sobre o “Guardador de Ondas”, pouco direi. Ou melhor direi muito utilizando, ainda que parcas, mas, eloquentes palavras do autor.

E cito da página 69, o parágrafo que encerra este conto: “(…) Como se recebesse uma visita que esperava há muito, o homem arregaçou o linho e roçou a face. Sentiu o pêlo do fim do dia. Abandonou Úrsula com um único beijo nas obras mortas. A grande alforreca estendeu-lhe os galhos venenosos. O velho também. E naquele abraço, a noite surgiu e o sol desceu também abaixo das ondas.”

Entenderão agora razão pela qual eu estava reticente em agradecer ao João Pedro o convite para apresentar este livro, ainda que partilhando essa responsabilidade com a Leonor Sampaio. O que é que eu, um leitor comum, é o que sou, nem mais nem menos, tem para dizer de um autor que trabalha a escrita como o artesão lapida a forma alotrópica do carbono até obter dele um diamante.

Que falar de um autor que escreve desta forma sublime!? Mas cá estou a fazer o melhor que posso, afinal não sou homem de voltar as costas aos amigos e, muito menos de fugir perante as dificuldades que a vida nos apresenta.

O medo da mudança no quotidiano pacato, mas qualitativamente bom e os erros que podem ser cometidos na luta contra as alterações ao nosso modo de vida. São, digo eu, o mote do conto “Águas Assopradas”.

Já alguma vez pensaram como se deitam os Canários. Como será!? E o que isso poderá ter a ver com a feira de livros de Calcutá, uma porta que não abria, mas que depois do canário se deitar facilmente se franqueou para a libertação de uma jovem aprisionada e dependente de um certo modo de vida e de pensar. É no bizarro conto “Como se deitam os Canários” que encontrarão as respostas, se é que o são, ou tudo não passará de um conjunto de evidências que por serem tão visíveis nem nos damos conta delas. 

A procura da eternidade, o fim da vida na terra, um pinhão que já foi um homem, mas que sendo agora um pinhão cumpre o seu fim, ou seja, e volto a utilizar as palavras do autor, “Todos os pinhões fazem propósito em ir longe, e chegar sem saber aonde.”

Não resisto, e devia fazê-lo, para não vos privar do prazer da descoberta, quando lerem, mas aqui vai o trecho que encerra o conto “A cintura de Vénus”, “Agora a esfera de Collodi roda na imensidão com a sua incessante barriga brunida. Aproxima-se de um Vénus solitário. E sonha com gente.”

E estamos a chegar ao fim. Contos Bizarros encerra com o Homem de Andas. Aqui o autor fala-nos de alguém que caminhava, desde que tinha adquirido a verticalidade, sobre umas andas que um tio, “amante de todos os cumes”, lhe fez em madeira de pau santo. Olhar de cima, para gente rasa que habitava o chão, Talvez. Talvez denote uma atitude de superioridade e distanciamento, um afrontamento. Mas não é assim que o entendo. Prefiro outra leitura deste conto e que poderei referir como olhar de um outro ponto de vista. Uma opinião que contraria o pensamento e a cultura dominante. Alguém a quem é pedida uma opinião alternativa, uma justificação do que não se entende, mas na qual se acredita piamente. É claro que o destino final do Homem de Andas, irá ser o mesmo de todos os Homens e Mulheres que ousam ser diferentes, a pira onde se queimam os que ousam.  

Para terminar e a propósito, mas também com um propósito, diria numa adaptação livre dos primeiros versos da canção Manifesto de Vítor Jara que rezam assim: 

Yo no canto por cantar/Ni por tener buena voz/Canto porque la guitarra/Tiene sentido y razón

Diria que, João Pedro Porto/não escreve por escrever/escreve porque a escrita/tem de ter sentido e razão.

E a produção literária de João Pedro Porto, para além de muitos outros atributos, tem sentido e tem razão.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 22 de Outubro de 2019

(*) texto que serviu de base à apresentação pública de Contos Bizarros/Odd Tales), de João Pedro Porto, na Livraria Letras LAVAdas, Ponta Delgada, 22 de Novembro de 2019.

não é mas, vai ser obrigatório

A publicação anterior visava questionar a forma como se faz notícia e como a “parangona” pode induzir em erro, ou seja, a manchete pode não corresponder, no todo ou em parte, à notícia para a qual remete. E eu fui induzido em erro, ou melhor, na pesquisa que fiz não encontrei nenhum texto legal com origem no Governo Regional, na ALRAA, ou mesmo, do Representante da República que determinasse a obrigatoriedade de um procedimento prévio ao início de uma viagem dentro do arquipélago com origem em S. Miguel ou na Terceira.

Se consultarmos o comunicado do Governo regional (aqui), podemos verificar que só após a publicação, em Diário da República, de uma alteração ao Decreto Regulamentar Regional n.º 24/2020/A, cujos termos foram acordados pelo Governo com, José Bolieiro, presidente indigitado, e com Pedro Catarino, Representante da República, a obrigação da apresentação de um teste negativo à Covid-19 se torna obrigatório para poder viajar de S. Miguel ou da Terceira para as outras ilhas da Região.

Nem tudo vale para vender informação.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 22 de Novembro de 2020


somos, ou não, obrigados

Pedido de ajuda a bem da minha sanidade mental. Expliquem-me por favor.

A comunicação social regional anunciou, com base numa Resolução do Governo Regional, a obrigatoriedade de apresentação de comprovativo de teste negativo à Covid-19 aos passageiros que viagem de S. Miguel ou da Terceira para as outras ilhas do arquipélago.

De entre outras chamadas de 1.ª página, o AO de 20 de Novembro rezava assim:

“Todos os passageiros, que queiram viajar de São Miguel ou da Terceira para as outras ilhas, vão ser obrigados a apresentar comprovativo de teste negativo à Covid-19 realizado nas 72 horas antes, explica o jornal.”

Nem sempre acontece, mas por vezes vou confirmar à fonte que esteve na origem da notícia, desta vez fui consultar a Resolução do Governo, assinada ainda por Vasco Cordeiro, mas cujo conteúdo e medidas foram articuladas com o José Bolieiro, presidente indigitado e, face ao facto de vigorar o “estado de emergência”, também com Pedro Catarino, Representante da República.

Passo a transcrever um excerto (parte resolutiva) da Resolução do Conselho do Governo n.º 289/2020 de 20 de novembro de 2020

“(…) o Conselho do Governo resolve:

1 – Determinar, para todo o Arquipélago, e para vigorar no âmbito da declaração de estado de emergência, o seguinte:

a) Recomendar que todas as deslocações, por via aérea ou marítima, interilhas e para fora do Arquipélago, devem limitar-se às absolutamente imprescindíveis;

b) Recomendar aos passageiros que embarquem nos aeroportos das ilhas de São Miguel e Terceira, com destino a outra ilha do Arquipélago, o preenchimento da APP mysafeazores.com com o questionário de avaliação de risco e deteção precoce do SARS-CoV-2;

c) Mandatar a Secretaria Regional da Saúde para estender a «Convenção para a realização de testes de despiste ao vírus SARS-CoV-2 pela metodologia RT-PCR», a laboratórios sedeados nas ilhas de São Miguel e Terceira.

2 - As medidas previstas na presente Resolução podem ser alteradas ou anuladas, a qualquer

momento, tendo em conta a evolução da situação da pandemia do COVID-19 na Região.

3 - A presente resolução produz efeitos a partir das 00:00 horas, do dia 23 de novembro até à data em que vigorar a declaração do estado de emergência nos termos do Decreto do Presidente da República, sem prejuízo de eventuais prorrogações.

Aprovada em Conselho do Governo Regional, em Ponta Delgada, em 19 de novembro de 2020.(…)”

Alguma coisa não está bem. A notícia do AO obriga, a Resolução do Conselho de Governo recomenda. Tem diferenças. Ainda assim vamos ao dicionário para tirar dúvidas.

Obrigatório, do dicionário: Que não pode deixar de se fazer ou de ser cumprido; Forçoso; Que obriga. "obrigatório", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

Recomendar, do dicionário: Pedir com instância; advertir, aconselhar. "recomendar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa 

Obrigar e recomendar não têm o mesmo significado. Parece-me claro. Não percebo, porém, como os OCS transformaram um aconselhamento em obrigatoriedade.  

E a pergunta é: Sou obrigado a ter um teste negativo à Covid-19, se viajar a partir de S. Miguel ou da Terceira para outras ilhas do arquipélago, como me diz o AO, ou é-me recomendado que faça um teste de despiste precoce à Covid-19, como diz a Resolução do Conselho de Governo da Região.

Em que ficamos. Pelo texto legal ou pela interpretação jornalística.



Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 22 de Outubro de 2020

sábado, 21 de novembro de 2020

XIII governo regional dos Açores

As apreciações ao novo governo regional iniciaram-se, ainda antes de ser conhecido todo o elenco, mas foi com a divulgação oficial dos titulares das diferentes pastas e, por essa via uma apreciação à orgânica do XIII governo, que as opiniões se transformaram num caudal de publicações nas redes sociais.

Avaliações mais ou menos positivas, mais ou menos negativas, em função das personalidades indigitadas. Tratam-se de expetativas em função de uma imagem, da simpatia pessoal e partidária, ou mesmo, de apoio ou rejeição ao que de programático é conhecido: os acordos multipartidários e bipartidários. São, como referi, expetativas. E, no campo das probabilidades, são aceitáveis e legítimas todas as opiniões favoráveis ou desfavoráveis que antes de se conhecer o programa de governo possam ser projetadas.

As possibilidades de fulano ou sicrano, apenas por serem aquelas e não outras pessoas, poderem vir a ter um desempenho que vá ao encontro do que cada um de nós espera do governo regional são, contudo, muito remotas.

Não nego a importância das personalidades na execução de um programa de governo. Mas é o programa de governo e a matriz ideológica que lhe está associada, e não as personalidades, que verdadeiramente determina a ação governativa.

Serem estes os protagonistas ou quaisquer outros é, em minha opinião, indiferente.

Quanto a alguns dados objetivos como sejam, a natureza ideológica da solução pluripartidária e os acordos conhecidos, direi que: este será um governo para servir a classe e o pensamento dominante. Se isso é bom, Não.

 

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 21 de Novembro de 2020

 

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

para conhecer é preciso aqui viver

Foto Madalena Pires
Os resultados eleitorais nos Açores e os desenvolvimentos que se lhe seguiram têm sido motivo de muita discussão e análise. Aos comentadores e analistas regionais soma-se, agora, uma horda de opinadores continentais. 

Não sabia que no continente havia tantos especialistas em assuntos açorianos, parecem cogumelos a despontar no Outono. Assim do pé para a mão os Açores passaram a ser o centro político nacional. Não sei se é bom, mas não deve ser, pois, como qualquer outro assunto açoriano tratado e decidido em Lisboa, ou Bruxelas, está conformado pelo desconhecimento e, como tal, pouco tem a ver com a realidade do viver insular e arquipelágico. Para conhecer os Açores é preciso aqui viver. 

Para falar deste arquipélago e deste povo, com alguma propriedade e rigor, não basta conhecer as estatísticas, a geografia, saber do anticiclone e da Base das Lajes, ter por aqui passado férias, ou fazer referências, fica sempre bem, à Vila de Rabo de Peixe. Não! Isso não é suficiente. Não pretendo, nem para isso tenho arte, inibir os jornalistas e comentadores (profissionais ou não) que vivem no continente português a pronunciarem-se sobre o momento político que se está a viver na Região Autónoma dos Açores. Estejam à vontade para opinar, esse vosso exercício, por norma, Diverte-nos.

Foto Madalena Pires
Não quero ser injusto para com “influencers” continentais. Existem algumas razões para tão súbito interesse pelos Açores. Desde logo, os acordos políticos terem sido confecionados em Lisboa, mas também pela solução política à direita, acordada e apoiada com a extrema direita, ter despertado um interesse acrescido nos acólitos do neoliberalismo que pululam nas redações dos jornais, rádios e televisões, e que mais não têm feito do que abrir espaço ao populismo.

Vivemos tempos conturbados e propícios ao avolumar de comportamentos preconceituosos que urge contrariar. Abordagens redutoras levam, por norma, à construção de opiniões distorcidas da realidade.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 19 de Novembro de 2020


segunda-feira, 16 de novembro de 2020

ao Luís Garcia

Os deputados tomaram posse e elegeram a mesa da ALRAA. Tudo decorreu com normalidade e os partidos que se “entenderam”, continuam, para já, bem conluiados como se percebeu após o primeiro desafio que consistiu na eleição de Luís Garcia para Presidente da ALRAA.

Ao novo Presidente quero deixar uma mensagem pessoal sem qualquer apreciação ou juízo de ordem política. 

Ao Luís Garcia, com quem convivi e me confrontei politicamente durante duas legislaturas, desejo-lhe votos de um bom trabalho na condução dos trabalhos parlamentares e de representação da Região. 

Tarefa que se adivinha difícil pela complexidade do atual quadro parlamentar. É-o sempre, mas esta legislatura, mais do que nas anteriores, vai exigir uma grande dose de coragem e bom senso a quem vai assumir o principal cargo da autonomia regional. 

Estes são os meus votos pessoais ao Luís Garcia: Coragem e bom senso.

Parabéns meu caro Luís.


“Não há uma boa sociedade sem um bom sindicato. (...), Papa Francisco




Intervenção, na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Sindicato dos Professores da Região Açores(SPRA), após a tomada de posse dos novos Corpos Gerentes eleitos para o próximo triénio.




Tomada de Posse dos Corpos Gerentes do SPRA – triénio 2020/2023

Ponta Delgada, 13 de Novembro de 2020


Caros educadores e professores,

Caros associados,

Caros dirigentes eleitos,

Caros colegas e amigos,

Quero, em meu nome pessoal e em nome da mesa da Assembleia Geral do SPRA, saudar todos os dirigentes sindicais que acabaram de ser empossados e desejar-lhes sucesso na concretização do Manifesto Eleitoral que foi apresentado aos associados e por eles validado no recente ato eleitoral para os órgãos sociais do SPRA. 

Este é o compromisso que foi estabelecido pelos novos dirigentes com todos os associados do SPRA, eu diria que este é um compromisso com todos os educadores e professores da Região Autónoma dos Açores. Este é o compromisso que orientará a nossa ação nos próximos anos.

Este é um tempo novo, um tempo de desafios complexos. Vivemos, desde o fim do 1.º trimestre de 2020, um problema de saúde pública, que veio alterar o nosso quotidiano pessoal e profissional e, ao que tudo leva a crer, se vai prolongar por mais algum tempo. Sobre os efeitos da covid 19 nas nossas vidas, diria apenas que: enquanto sindicato de classe, devemos estar atentos e atuantes para barrar todas as tentativas que visem descaracterizar a nossa profissão, mas também todas as alterações que tenham por objetivo a desvalorização da nossa carreira.

É um tempo novo, um tempo de desafios complexos, também pelo novo quadro político regional. Vai tomar posse um governo que tem como garante de governabilidade o apoio parlamentar de 5 partidos, todos eles de direita e da extrema direita. Se a não existência de uma maioria parlamentar de apenas 1 partido é um aspeto positivo, por outro lado, o facto de se ter desenhado um acordo que envolve partidos com projetos políticos tão diversos, sendo que alguns querem aprofundar a liberalização da economia e dos setores sociais, levanta-nos previsíveis dificuldades na ação de luta. Ainda assim, e mantendo-se os compromissos dos partidos que acordaram a formação do XIII Governo Regional, ou seja, o PSD, o CDS e o PPM, configura-se a aceitação de algumas das nossas reivindicações, como sejam a uniformização dos horários dos educadores e dos professores do 1.º Ciclo, bem assim como a redução da sua componente letiva, à semelhança do que acontece para os restantes docentes.

O SPRA irá lembrar, e exigir, aos partidos políticos que acordaram constituir o XIII Governo Regional e aos seus Grupos Parlamentares, o cumprimento dos seus manifestos eleitorais.

Caros educadores e professores,

Caros associados,

Caros dirigentes,

Sendo tempos novos não são menos, nem mais, desafiantes do que outros tempos e lembro algumas das lutas que tiveram sucesso com a nossa ação e que alguns davam como perdidas, num tempo, diferente, é certo, mas também complexo e difícil.

• a inexistência de vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões da carreira

• a inexistência de quotas na avaliação

• a desanexação dos créditos da progressão

• A anualidade dos concursos do pessoal docente

• O fim da modalidade de concurso por três anos

• A contabilização faseada do tempo de serviço congelado entre 2011 e 2017, que permitirá a possibilidade de todos os docentes na Região acederem ao topo da carreira durante a sua vida profissional.

Estas vitórias são fruto da nossa ação e da luta dos educadores e professores açorianos, mas é, sobretudo, da fidelidade aos princípios que conformam uma certa forma de estar no sindicalismo. Princípios pelos quais pautamos toda a nossa ação, quer seja a de apoio aos associados, quer seja na vertente da formação, quer seja na defesa da Escola Pública, quer seja na defesa da dignidade e valorização da função docente.

Caros educadores e professores,

Caros associados,

Caros dirigentes,

Deixo-vos, para terminar, os votos de bom trabalho, mas deixo-vos também uma citação de Jorge Mário Bergoglio, conhecido por todos nós como Papa Francisco.

“Não há uma boa sociedade sem um bom sindicato. E não há um bom sindicato que não renasça todos os dias nas periferias, que não transforme as pedras descartadas da economia em pedras angulares. Sindicato é uma bela palavra que provém do grego syn-dike, isto é, ‘justiça juntos’. Não há justiça se não se está com os excluídos.” 

Obrigado pela vossa disponibilidade para dar corpo à luta do nosso sindicato, dos educadores e professores dos Açores!


O Presidente da Mesa da Assembleia Geral

Aníbal C. Pires


terça-feira, 10 de novembro de 2020

ao Mário Abrantes pelo 15.º aniversário da Freguesia de Santa Clara



Homenagem a Mário Wrem Abrantes da Silva 

15.º aniversário da criação da Freguesia de Santa Clara



Senhor Secretário Regional, Dr. Rui Bettencourt, em representação do Presidente do Governo Regional,

Senhora Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, Dra. Maria José Duarte,

Senhor Presidente da Assembleia de Freguesia de Santa Clara

Senhor Presidente da Junta de Freguesia de Santa Clara

Caros homenageados,

Senhoras senhores, caros amigos,


Tenho consciência que não sou o mais qualificado e, sobretudo, o mais independente cidadão para vos dirigir algumas palavras que possam caraterizar o percurso de intervenção cívica e política do Eng. Mário Wrem Abrantes da Silva.

Entendeu, porém, a Junta de Freguesia endossar-me o convite para o fazer, o que agradeço e muito me honra, por outro lado esta é a oportunidade de me associar à homenagem pública ao meu camarada e amigo Mário Abrantes que, em boa hora, a Junta de Freguesia de Santa Clara decidiu promover.

Mas, como dizia, não sou o orador mais qualificado por que existem outros cidadãos que conhecem bem melhor a globalidade do percurso cívico e político do Eng. Mário Abrantes, lembro-me, por exemplo de José Decq Mota com quem o Mário Abrantes dividiu tarefas e responsabilidades políticas durante um período, ainda conturbado da democracia açoriana, e que juntos continuaram durante muitos anos uma caminhada de afirmação e de consequente reconhecimento social e político da importância do PCP na vida política regional, mas para não dizerem que sou sectário e aludi apenas a um outro camarada meu, refiro, dois cidadãos, muitos mais haverá, que comungando de alguns pontos de vista com o do Eng. Mário Abrantes, não partilham do mesmo quadro ideológico, mas que estariam, quiçá por isso mesmo,  mais habilitados que eu para vos falar sobre o cidadão Mário Abrantes e refiro-me, concretamente a Monsenhor Weber Machado e ao Senhor João Pacheco de Melo. Quer um quer outro, pelo conhecimento que têm do percurso cívico e político de Mário Abrantes e, sobretudo, pelo distanciamento partidário que dele têm, o fariam certamente melhor que eu. 

Eu estou a falar-vos, desde logo de um amigo que muito prezo, mas também de um camarada por quem nutro uma admiração e respeito incomensuráveis. Ou seja, não esperem que me cinja a factos e ao racionalismo. Os afetos e a emoção, neste caso, falarão mais alto.

Senhoras e senhores, 

Caros amigos,

Conheci o Mário Abrantes, ainda em 1983, ano em que cheguei à ilha de S. Miguel e, ao que lembro terá sido numa reunião noturna de preparação do X Congresso do PCP. Reunião que se realizou no então Centro de Trabalho, sito à Rua João do Rego de Cima. Depois, bem depois a nossa aproximação foi incontornável. As tarefas partidárias que se seguiam em 1984, Assembleia de Organização do PCP nos Açores, que se realizou no mês de Abril, em Ponta Delgada, e que contou com a presença de Álvaro Cunhal. As eleições regionais desse ano, onde o PCP elegeu pela primeira vez um deputado para a Assembleia Regional, levaram à minha participação ativa e à natural aproximação ao Mário Abrantes que era, à data, responsável político pela organização do PCP Açores, em S. Miguel.

Poder privar com o Mário Abrantes foi, sobretudo, aceder a um percurso de aprendizagem e descoberta que extravasou a luta e as opções ideológicas e partidárias. Com o Mário conheci os mais recônditos lugares do concelho de Ponta Delgada, com o Mário Abrantes aprendi a amar este Povo e esta Terra, aprendi a amar os lugares para além da beleza paisagística, aprendi a amar este Povo para além dos peculiares aspetos culturais que caraterizam os micaelenses. E essa aprendizagem fico a devê-la ao Mário Abrantes. Com ele calcorreei todas as freguesias e lugares do concelho de Ponta Delgada, com ele conheci as gentes que dão alma aos lugares, com ele conheci os problemas, alguns ancestrais, que afetavam e continuam a afetar o bem estar e a dignidade a que todos devem aceder, com ele participei na luta pela justiça social e económica, com ele lutei, e continuaremos a lutar, por uma sociedade mais justa.

Caros amigos,

Sendo o Mário Abrantes uma personalidade afável, de bom trato e, diria, aparentemente extrovertido, na verdade o Mário é, no que concerne ao seu percurso de vida pessoal e político, muito reservado. Este aspeto não é de somenos importância. A afirmação do Mário Abrantes no espaço público regional resultou da sua entrega e intervenção, isto é, o Mário Abrantes nunca utilizou alguns aspetos do seu passado pessoal e político, os quais sendo públicos me abstenho de referir por respeito à forma de estar e ser do Mário, para impor a sua presença ou para, artificialmente, ganhar reconhecimento público. E isso diz muito do Homem que hoje a Junta de Freguesia de Santa Clara homenageia. Diz muito do Mário Abrantes e eu citaria aqui uma frase de Álvaro Cunhal que traduz, de alguma forma, esta maneira de estar e ser do Mário Abrantes.

«Ser comunista não é apenas uma forma de agir politicamente. É uma forma de pensar, de sentir e de viver.»

O Mário Abrantes é um militante comunista por inteiro. Com tudo o que isso significa de sacrifício pessoal e familiar. Sim, familiar. São as famílias que mais sofrem as ausências e as privações. Sacrifícios feitos em nome de um bem maior, um bem de todos. 

Julgo que nesta homenagem cabe, também, uma palavra de apreço pelo espírito dedicado da sua companheira de sempre, e uma palavra de consideração aos seus filhos pelo respeito que têm ao legado cívico e político do seu pai.

Minhas senhoras e meus senhores

Caros amigos,

O Mário era, o Mário é um profundo conhecedor da realidade política, social e económica do nosso arquipélago, os seus artigos de opinião publicados na imprensa micaelense assim o comprovam. Mas foi nas lutas políticas de defesa da ilha de S. Miguel, e em particular do concelho de Ponta Delgada que mais se destacou. Empenho e intervenção alicerçados no profundo conhecimento da realidade do concelho, aliás os mandatos e o seu desempenho enquanto deputado municipal dizem bem do seu espírito inquieto, da pertinência das suas propostas e da reconhecida voz, dos que não tinham voz.

Trabalho que as populações sempre reconheceram. Não lhe deram o necessário apoio eleitoral, mas posso garantir que, ainda hoje, passados que são quase 20 anos, o Mário Abrantes é lembrado por muitos e muitos cidadãos que aquando das minhas incursões nas zonas rurais e urbanas dos concelhos de S. Miguel, no exercício da minha atividade política, me perguntam pelo Mário Abrantes. E lembram a sua entrega generosa às pequenas e grandes lutas que se foram travando, e demonstram a sua admiração e respeito por um homem que regularmente percorria toda a ilha e, encontrava sempre tempo para ouvir e para agir.

Senhoras e senhores,

Caros amigos,

Antes de terminar não posso deixar e referir, ainda que de forma necessariamente sucinta, três aspetos que demonstram bem a dimensão do cidadão Mário Abrantes.

O primeiro é de caráter regional e ainda hoje vigora.

Mário Abrantes foi membro do grupo que desenhou a proposta de criação da Remuneração Complementar para os trabalhadores da Administração Pública Regional. Mais tarde e depois da aprovação da Lei das Finanças Regionais foi elemento fundamental no esboço e redação das propostas que levaram à criação do Acréscimo Regional ao Salário Mínimo Regional, bem assim como do Complemento Regional de Pensão. Ou seja, mecanismos que a autonomia encontrou para mitigar os custos da insularidade. “Custos da Insularidade” uma expressão que caiu em desuso no discurso político, mas nem por isso os custos e a insularidade desapareceram da nossa realidade quotidiana.

Um segundo aspeto prende-se com uma luta cara aos santaclarenses e aos seus vizinhos da freguesia de S. José – as iniciativas populares que exigiram a retirada dos tanques de combustível da Bencom associadas à necessidade de preservação e recuperação da orla marítima. Nesta luta, feita com as populações e para as populações ficou bem claro a capacidade do Mário Abrantes de construir soluções de unidade em que a ação, sendo política, nunca visou ganhos eleitorais partidários.

Por fim todo o processo de luta e a propositura da criação da Freguesia de Santa Clara, mas também a adesão ao projeto “Santa Clara Vida Nova”. Um exemplo de dinamização, com outras sensibilidades políticas, mas, sobretudo com a população para que a justa reivindicação da criação da Freguesia fosse concretizada.

Não posso ainda deixar de referir o exemplo de exercício popular de democracia participativa que continua a animar as mulheres e homens que fazem desta freguesia um exemplo. Um exemplo de que é possível unirmo-nos, na diferença, em torno de um objetivo comum.

Estes são, apenas, três exemplos de intervenção e dedicação do Mário Abrantes às causas comuns e à defesa do interesse público.

Camarada e amigo Mário Abrantes

Obrigado por tudo o que contigo aprendi e, certamente, continuarei a aprender. 

Obrigado pelo teu exemplo de vida.

Senhoras e senhores

Caros amigos

Obrigado pela vossa atenção!

Aníbal C. Pires, Santa Clara (Ponta Delgada), 09 de Outubro de 2020


segunda-feira, 9 de novembro de 2020

XII Legislatura - Prólogo


Os resultados das eleições regionais de 25 de Outubro pp deixam-me, obviamente, preocupado. Sim. Desde logo pelo resultado eleitoral da CDU que perdeu representação parlamentar, mas mais do que isso é a inquietação que resulta da espúria maioria parlamentar da direita e da extrema direita que se uniu para apresentar uma solução de governo para os Açores.

Não vou tecer considerações sobre os efeitos que terá para a vida política regional o afastamento da CDU do parlamento regional, nem tão-pouco, vou fazer qualquer antevisão sobre a governação anunciada. A concretização desta solução passa, incontornavelmente, pela aprovação do programa de governo no plenário da ALRAA. O que não significa que face ao Estatuto da Região e após as audições aos partidos a decisão do Representante da República não tenha legitimidade. Afinal, a decisão está politicamente ancorada na única proposta de governação, aparentemente, estável apresentada ao Representante da República, durante as audições aos partidos políticos.

Os resultados eleitorais não se revestem apenas, em minha opinião, de aspetos negativos. O fim da maioria absoluta de um só partido, no caso o PS, e a demonstração clara e inequívoca de que as eleições se destinam a eleger deputados e não o Presidente do Governo são dois aspetos que considero positivos.

O processo de construção da solução governativa (aparentemente estável) que se irá concretizar é elucidativo de tudo aquilo que não deve ser atividade política. Não vou sequer socorrer-me das públicas declarações de intenção pré e pós eleitorais dos protagonistas pois, como é sabido, e infelizmente aceite pela maioria dos cidadãos, a mudança de opinião é uma prática recorrente para alguns. O que é agora não é logo. Nunca percebi, e julgo que nunca virei a perceber, como é possível que os cidadãos aceitem estas alterações radicais no discurso das pessoas a quem confiaram o seu apoio eleitoral. Mas como disse não é por aí que vou.

Conheço, no essencial, as propostas de programa eleitoral dos partidos que se dispuseram a viabilizar, com acordos de governo ou de incidência parlamentar, a solução governativa liderada pelo Presidente do PSD Açores, e, pelo conhecimento que tenho desse contrato social e político que os partidos celebraram com os seus eleitores será muito difícil que o programa de governo que daí resultar concilie o que, claramente, é inconciliável. Isto para não referir alguns aspetos do acordo “chega”/PSD que, como se sabe, não depende da sua aprovação na ALRAA, mas sim de aprovação na Assembleia da República. Quer se goste, quer não se goste, quer se queira, quer não se queira, o quadro estatutário e constitucional é este e não outro.

Por ora, fico-me por aqui. Fico expetante para ver quais as soluções para a estrutura governativa que vier a ser apresentada, mais pelo modelo do que pelos protagonistas que vierem a ser apresentados, embora não deixe de ser interessante (os comentadores facebookianos disso se encarregarão) ver os ratos que abandonam um para embarcar noutro navio. E depois, Bem depois o programa de governo, isso sim interessa verdadeiramente e, sobre o qual haverá muito a dizer.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada 9 de Novembro de 2020  


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

caminhos ínvios


O “chega” e o PSD chegaram a acordo para uma solução de governo à direita nos Açores, como se isso bastasse*. Esta é uma das notícias de hoje, dia em que se iniciaram as audições do Representante da República aos partidos com assento na ALRAA.

Não deixa de ser interessante que os termos do acordo anunciado contemple medidas como:

- redução do número de deputados;

- redução dos apoios sociais.

Eu percebo. São clichés que colhem amplo apoio na opinião pública e o “chega” vive disso mesmo. Quem parece não perceber é o “chega” pois, a revisão da Lei Eleitoral nos Açores que tenha por objetivo a redução de deputados vai ter como efeito o seu desaparecimento em próximo ato eleitoral para a ALRAA, vai penalizar o CDS e o PPM e, claramente, vai favorecer as velhas aspirações do PSD, mas também de setores importantes do PS.

Quanto à redução dos apoios sociais. 

Eu também gostaria de os ver reduzidos como resultado da criação de postos de trabalho (diminuição do desemprego), do aumento do rendimento dos trabalhadores, das famílias e dos pensionistas. Sim este é o caminho que eu e outros defendem, não é o caminho do “chega”. 

O caminho que o “chega” pretende trilhar com o PSD, o CDS e o PPM é o da alteração do quadro legal que atribui os apoios sociais. Também aqui o “chega” e os seus putativos parceiros políticos estão a cometer um erro de palmatória pois, grande parte do seu eleitorado está, ou virá a estar, dependente de apoios sociais.

Digo eu que pouco, ou nada, percebo de acordos políticos sem alma e sem projeto, mas que, não tendo ilusões, sobre o que poderá representar a continuidade da governação do PS, mesmo em minoria, estou particularmente preocupado com a possível formação de um governo que associa numa frente política que reúne não só a direita, mas também a extrema-direita.

Uma frente de direita e de extrema direita determinada por uma agenda que visa a intensificação da exploração, a liquidação de direitos, e, cujos elementos de união são, tão-somente, o revanchismo, reacionarismo e um desabrido oportunismo.

* (PSD, CDS, PPM e “chega” – 28 deputados; PS, BE, e “pan” – 28 deputados. A “iniciativa liberal” – tem afirmado que não viabiliza os “arranjinhos lisboetas”, embora esta posição seja, como se sabe, flutuante e tenderá a não ter importância nenhuma. Para os “liberais” qualquer coisa serve desde que soe à barbárie do mercado.)


Aníbal C. Pires, 06 de Novembro de 2020


com os olhos na “Madre de Deus”

Estamos quase no S. Martinho, mas o anticiclone não há meio de encontrar a posição de estabilidade que, anualmente, nos induz a sensação de regresso aos dias de Verão.

O clima político açoriano continua instável. E julgo que assim vai continuar depois da peregrinação partidária ao Solar da Madre de Deus, em Angra do Heroísmo.

Qualquer que seja a solução encontrada vai adensar a tempestade política que abateu sobre a Região. Tormenta que, neste particular, vai centrar as críticas e maledicências no Representante da República. Mas convenhamos que a decisão expetável do Embaixador Pedro Catarino terá cobertura estatutária. Isto é, se o PS se mostrar disponível para formar governo o Representante da República terá de decidir por indigitar Vasco Cordeiro para a Presidência do Governo Regional. 

Não cabe a Pedro Catarino decidir o que só à ALRAA diz respeito, ou seja, viabilizar, ou não, o programa que o governo lhe vier a apresentar. 

Só depois, em caso de rejeição pela ALRAA, o Representante da República poderá, de novo, intervir na procura de outra solução governativa. 

Tenho consciência que o cenário que vai ser colocado ao Representante da República, pelos diferentes partidos com representação parlamentar na próxima legislatura, não é fácil e não é tão simples como o descrevi, mas em bom rigor a sua margem de manobra é muito reduzida e, como já afirmei, Pedro Catarino não deve decidir em matéria que não é da sua competência.

Não faço, por princípio, antevisões. Nem o que atrás ficou dito é um prognóstico trata-se, tão-somente, de uma leitura do Estatuto da Região e dos resultados eleitorais.

Para os mais distraídos e para evitar alguns comentários menos esclarecidos fica um lembrete:

- “O XX Governo Constitucional de Portugal (30 de outubro de 2015 – 26 de novembro de 2015) foi formado com base nos resultados das eleições legislativas de 4 de outubro de 2015, em que a coligação Portugal à Frente (entre o Partido Social Democrata e o CDS – Partido Popular) obteve a maioria relativa. O governo empossado não chegou a entrar em funções, tendo governado apenas em gestão corrente, porquanto foi demitido na Assembleia da República 11 dias após tomar posse, sem ver aprovado o seu programa, e exonerado após mais 16 dias. O XX Governo Constitucional esteve em funções durante 27 dias.”

Como facilmente se percebe só depois da Assembleia da República ter rejeitado o programa de XX Governo é que o Presidente da República indigitou o PS para formar um novo governo. Um governo minoritário que governou até ao fim da legislatura com base nos acordos bilaterais que o PCP, os “Verdes” e o BE firmaram com o PS.

Nos Açores o PS venceu as eleições. Fortemente penalizado, mas venceu, estranho seria que não estivesse disponível para formar governo, como estranho seria que, em primeira instância, Pedro Catarino optasse por outra solução que, tal como o PS, também não reúne apoio parlamentar maioritário.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 06 de Novembro de 2020