quarta-feira, 31 de maio de 2023

abriu-se uma brecha na muralha

foto de João Pires

A agenda política e mediática regional, nacional e internacional está recheada de temas que instigam apaixonantes discussões e comentários que formam opinião, mais do que informam, e por vezes centram-se, com propósito bem definido, no acessório ofuscando o que realmente é importante. As redes sociais, depois, encarregam-se de amplificar o ruído mediático para criar um clima favorável à tomada de decisões que nem sempre, quase nunca, servem o interesse público. Nada disto é novo, os instrumentos e as técnicas evoluíram, mas a conceção não é de agora. 

Vou continuar a resistir, estoicamente, e não partilhar opinião sobre as agendas políticas e mediáticas, aliás, tenho cada vez mais dificuldade em separar as duas, o que não significa que uma destas semanas não venha a terreiro para opinar, por exemplo, sobre a TAP e a SATA, sobre a entrada da economia alemã em recessão, ou ainda sobre o eminente incumprimento estado-unidense junto dos credores internacionais, mas também sobre o conflito da Ucrânia, ou a abertura de representações diplomáticas do Irão na Arábia Saudita, e vice versa, e a janela de oportunidade que essa aproximação, sob a égide da China, abriu para por fim ao conflito no Iémen. Isto para apenas referir algumas das questões, mais ou menos, divulgadas conforme os interesses das corporações mediáticas e dos poderes que servem.

A resistência tem limites e hoje vou abrir uma brecha na muralha onde me resguardo para tecer um considerando, ou outro, sobre os processos, um em curso outro a ser preparado, de privatização da Azores Airlines (SATA) e da TAP.

foto de Aníbal C. Pires
O procedimento para a privatização da SATA está a decorrer e, ao que me é dado observar, sem vozes que questionem a venda deste importante instrumento estratégico para a Região. Nem a opinião pública, nem as organizações de cidadãos, nem os partidos políticos, salvo raras exceções, nem os trabalhadores e os seus representantes sindicais colocam em causa, com a veemência que seria exigida, a privatização da SATA. Não é difícil perceber esta apatia que gera a inércia, por um lado dizem-nos que resulta das exigências do Plano de Reestruturação imposto pela União Europeia, por outro lado a generalidade da opinião pública regional está intoxicada com a ideia dos avultados prejuízos da SATA e dos custos para o erário público. No primeiro caso seria importante questionar a legitimidade, da União Europeia, para impor um Plano de Reestruturação, quando ajuda financeira é do Estado, no segundo diria que falta a coluna das receitas, ou seja, o cálculo dos fluxos financeiros que entram na economia regional pelo transporte de passageiros, receita à qual se podem somar todos os serviços públicos, desde logo as ligações com Santa Maria, Pico e Faial, que sendo objeto de Obrigações de Serviço Público (OSP) a transportadora não recebe qualquer indeminização compensatória por assegurar estas rotas, bem assim como outros serviços que são (foram) impostos pelo Governo Regional e pelos quais não há (houve) qualquer compensação financeira. O mesmo se passa com a TAP e com a formatação da opinião pública nacional para aceitar, sem ondas, a privatização em virtude de a transportadora aérea nacional ser um “sorvedouro” de dinheiros públicos. É assim que a questão é apresentada, mas talvez fosse avisado na formação de uma opinião sustentada, à semelhança do que referi para o caso da SATA, colocar ao lado das despesas uma coluna com os proveitos, ou seja, apresentar os valores da contribuição da TAP para a economia nacional e para a receita pública, de entre outros ganhos, de que a TAP é direta e indiretamente responsável. Para dar por encerrada esta questão deixo apenas uma opinião que, não sendo nova, mantem atualidade e que deveria ser objeto de reflexão na formação dos diferentes posicionamentos que os cidadãos venham a adotar nos processos que visam privatizar a SATA e a TAP.  Não ter consciência que a eventual privatização da SATA e, por consequência, o aumento da fragilidade financeira do grupo seria dramático para todos nós é, no mínimo, confrangedor. Qualquer cenário do qual resulte a diminuição da atividade das empresas do Grupo SATA terá reflexos negativos na Região, afinal estamos a falar de uma das maiores empresas da Região e que presta um serviço, apesar de todas as críticas que se lhe possam fazer, que nenhuma outra transportadora aérea fará. Os efeitos de uma eventual privatização da TAP apenas diferem na dimensão da catástrofe e, mais não digo. 

Aquando da privatização dos CTT, apenas se levantaram as habituais vozes, hoje o coro de protestos e lamentos pela diminuição da qualidade dos serviços prestados é o que todos sabemos, porém, não é (ainda) suficiente para reverter a privatização do serviço postal nacional. E, por hoje, mais não direi sobre a onda privatizadora que continua a varrer, qual tsunami, as empresas e serviços públicos na Região e no País. À semelhança do que sucedeu após a privatização do BCA e dos CTT virá o tempo dos lamentos, mas, como se costuma dizer, de arrependimentos está o inferno cheio.

a chegada a Ellis Island, New York 
imagem retirada da internet

As migrações humanas, este seria o tema de hoje, ou melhor um aspeto curioso de como se fazia (faz) a regulação dos fluxos migratórios favorecendo um determinado grupo humano tendo por base a sua origem geográfica. Existem muitos outros expedientes de regulação uns mais explícitos no propósito, outros nem tanto, mas o que me vou referir é claro na intenção e conforma uma inequívoca posição de descriminação justificada pelos cânones da época, o que não significa que não possa ser alvo de atenção e estudo, sem outra finalidade que não seja a de compreender as diferentes políticas de imigração e, por conseguinte, os princípios que lhe estão subjacentes.

À entrada da década de 20, do século passado, o governo dos Estados Unidos presidido por Warren G. Harding, aprovou e pôs em execução novas leis de imigração, sendo a mais relevante a Lei de Imigração de Emergência de 1921 (Emergency Quota Act). Esta lei introduziu, pela primeira vez, um sistema de quotas ancoradas numa percentagem (3%) sobre o número de cidadãos de uma nacionalidade já imigrada nos Estados Unidos, sendo o cálculo efetuado tendo por base os dados de 1910. O efeito prático, mas também o propósito, foi a redução do número de potenciais migrantes provenientes do Sul da Europa e do Leste Europeu, favorecendo os cidadãos do Norte da Europa.

imagem retirada da internet
A Lei de Imigração de 1924 (Immigration Act), também conhecida como Lei Johnson-Reed, foi aprovada sob a presidência de John Calvin Coolidge, Jr e os seus efeitos mais restritivos. A data de referência passou a ser 1890 e a percentagem de 2%, beneficiando, ainda mais, os países do Norte da Europa que, naturalmente, tinham maior presença de cidadãos no território dos Estados Unidos. Se o objetivo era o de controlar as entradas não é menos verdade que este mecanismo foi desenhado para diminuir o número de migrantes do Sul e Leste da Europa por, segundo as opiniões predominantes da época, pertencerem a “grupos étnicos” indesejáveis ou inferiores. Este quadro legal permaneceu em vigor até à década de 60, tendo sido, por vezes, excecionado, como por exemplo o Azorean Refugee Act of 1958 que permitiu que muitas famílias açorianas afetadas pelos efeitos do Vulcão dos Capelinhos (1957) pudessem emigrar para os Estados Unidos. Só em 1965, sob a presidência de Lyndon B. Johnson, as leis de imigração da década de 20 foram substituídas pela Lei de Imigração e Nacionalidade que alterou os critérios e adaptou-os com base na reunificação familiar dos candidatos à emigração, nas necessidades do mercado de trabalho e na concessão do estatuto de refugiado. Sendo um tema aliciante talvez regresse ao assunto pois, as políticas de emigração, não só a dos Estados Unidos, devidamente contextualizadas, são uma interessante fonte de informação para a compreensão das motivações que lhe estão na origem e os efeitos produzidos.   

Ponta Delgada, 30 de maio de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 31 de maio de 2023

terça-feira, 30 de maio de 2023

privataria

imagem retirada da internet


Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos






(...) Não ter consciência que a eventual privatização da SATA e, por consequência, o aumento da fragilidade financeira do grupo seria dramático para todos nós é, no mínimo, confrangedor. Qualquer cenário do qual resulte a diminuição da atividade das empresas do Grupo SATA terá reflexos negativos na Região, afinal estamos a falar de uma das maiores empresas da Região e que presta um serviço, apesar de todas as críticas que se lhe possam fazer, que nenhuma outra transportadora aérea fará. Os efeitos de uma eventual privatização da TAP apenas diferem na dimensão da catástrofe e, mais não digo. 

Aquando da privatização dos CTT, apenas se levantaram as habituais vozes, hoje o coro de protestos e lamentos pela diminuição da qualidade dos serviços prestados é o que todos sabemos, porém, não é (ainda) suficiente para reverter a privatização do serviço postal nacional. E, por hoje, mais não direi sobre a onda privatizadora que continua a varrer, qual tsunami, as empresas e serviços públicos na Região e no País. À semelhança do que sucedeu após a privatização do BCA e dos CTT virá o tempo dos lamentos, mas, como se costuma dizer, de arrependimentos está o inferno cheio. (...)


quarta-feira, 17 de maio de 2023

“Machos Alfa” e estereótipos de género

imagem retirada da internet
Na edição de 22 de março do Diário Insular, a “Sala de Espera” teve por título: “Fêmeas Alfa e machos Beta”. Os leitores, nesse dia, terão ficado desiludidos com o conteúdo do texto, ou mesmo com algum sentimento de terem sido ludibriados pois, sobre o tema anunciado pouco se disse. Na míngua das palavras emergia, porém, o compromisso do regresso ao assunto. As últimas três edições da “Sala de Espera” foram dedicadas a outro tema que, pela sua vastidão e atualidade, remeteu a abordagem apalavrada para quase dois meses depois, mas como o prometido é devido cumpro hoje o que, à data, ficou acordado com os leitores.

A expressão fêmeas/machos Alfa tem vindo a aplicar-se ao Homo sapiens transpondo um conceito da zoologia para as sociedades humanas. O termo macho Alfa resulta de estudos sobre as hierarquias e organização no mundo animal, em particular os lobos. Se nos lobos (bando) existe um macho dominante, nas abelhas a estrutura da colmeia depende de uma fêmea, a Rainha. A liderança no mundo animal varia conforme as espécies e chega mesmo a verificar-se a existência, no mesmo grupo, de fêmeas e machos dominantes.

A zoologia abandonou a designação de macho Alfa substituindo-a por outras denominações mais adequadas à realidade observada, mas alguns humanos importaram para a categorização dos seus semelhantes esta expressão animalesca caída em desuso nos estudos zoológicos. Enfim! Não sei, nem vou perder tempo a procurar entender como se compatibilizam estas expressões com outros modismos linguísticos, como sejam os que pretendem incluir pela linguagem, dita neutra, sem nada fazerem pela inclusão das maiorias excluídas pela pobreza.

A finalidade da introdução na linguagem de palavras ou expressões não é, apenas, fruto da natural evolução da língua, tema ao qual já dediquei uma ou outra reflexão que por aqui partilhei. As palavras e o seu uso podem parecer irrelevantes, mas a significância que se lhe pretende atribuir e as alterações conceptuais que provocam devem merecer atenção e em alguns casos repúdio e combate político, como por exemplo: quando substituímos a palavra colaborador por trabalhador, precarização por flexibilidade, ou despedimento coletivo por reestruturação, estamos a mascarar uma realidade bem concreta e a tentar suavizar o seu verdadeiro significado e efeitos. Este tem sido o caminho semântico utilizado para introduzir no léxico comum uma linguagem que adultera o verdadeiro significado de uma palavra ou expressão e lhe associa um novo conceito, cujo objetivo, como já foi referido, não é inocente e mais não pretende do que ir “moldando”, com claro prejuízo para os sujeitos alvo, o pensamento e os costumes.

A expressão “machos Alfa”, ou se preferirem “fêmeas Alfa”, recupera para a nossa contemporaneidade uma teoria do século XIX, a que se chamou “Darwinismo social” e que consiste na aplicação da teoria da evolução aplicada às sociedades humanas, alguns apoiantes desta corrente de pensamento atribuem ao próprio Darwin os seus fundamentos, tendo com base a sua obra “A Origem do Homem”. Esta teoria procura justificar a existência de humanos capazes (ricos) e incapazes (pobres) e serviu para construir as bases da eugenia, do racismo, do imperialismo europeu, do fascismo e do nazismo. Depois da II Guerra Mundial caiu, naturalmente, em desuso o que não significa que tenha sido abandonada. Esteve latente durante algumas décadas e tem vindo a recrudescer como se comprova com a adesão de muitos cidadãos a grupos supremacistas e neonazis, mas também, ou talvez por isso, à sua normalização pela comunicação social dominante.

A expressão Alfa e Beta, ou ainda outras como, Gama e Ómega, associadas à caraterização de fêmeas e machos humanos, para além de animalizante e hierárquica tem uma conotação sexualizada que, salvo melhor e douta opinião, afronta o feminismo, ou mesmo as questões de identidade de género, por outro lado podemos associar a expressão à promoção da competitividade e do individualismo, em detrimento do espirito colaborativo que, esse sim, permite os avanços coletivos e repercute os benefícios pelos indivíduos.

A evolução humana não deixou, nem deixará de ter, uma forte componente animal, e os instintos continuam a determinar muitas das nossas escolhas, mormente as que se relacionam com a seleção dos parceiros para procriar. No entanto, a evolução humana introduziu novas variáveis que influenciam a seleção dos nossos parceiros sexuais, o desenvolvimento da inteligência, o conhecimento científico, a institucionalização de princípios de convivência social e os valores transformaram as sociedades humanas. Sociedades, em particular as ocidentalizadas, nas quais emergem sinais preocupantes de um retrocesso evolutivo sob o manto da pós-modernidade, mas que eu considero estar diretamente relacionada com aquilo a que se designa por pós-verdade, ou seja, com o abandono do que é factual em detrimento das crendices e das emoções com que a comunicação social dominante e corporativa alimenta as massas e promove a estupidificação.

A utilização das expressões ou alusões a machos ou fêmeas Alfa não me incomoda e este escrito não resulta de outra inquietação para além dos eventuais efeitos que, o conceito associado à expressão, pode gerar na promoção da misoginia, do patriarcado e da perpetuação das desigualdades sociais, por serem aceites como naturais. Admito que possa estar errado e que o meu olhar seja parcial fruto da minha formação política e humanista, mas a utilização da expressão “machos Alfa e fêmeas Beta” é simplista e está ancorada em estereótipos de género e não pode, nem deve, ser aceite como uma verdade absoluta pois, as relações humanas caraterizam-se por uma diversidade e complexidade que não é compaginável com visões redutoras como a que a hierarquização subjacente à utilização da expressão “macho Alfa” induz no nosso quotidiano.

A expressão e o conceito estão, porém, a ser alvo, não só, de alguma adesão, mas também alimentadas pela ideia do treino para lideranças fortes, empreendedoras e de aquisição de mais poder (empoderamento), transferindo para o indivíduo responsabilidades que devem, em primeira instância ser coletivas. São sinais de um novo tempo dirão, com toda a propriedade os leitores, aceito que sim. O tempo é novo, mas a base teórica que sustenta esta “doutrina” é de um tempo antigo, não acrescenta inovação ao nosso tempo e visa eternizar modelos sociais e económicos que promoveram e promovem a guerra, os atentados ambientais, as desigualdades, a pobreza e a exclusão.

A recuperação, para o nosso tempo, de conceitos como o “Darwinismo social” e das teses liberais embrulhadas numa linguagem dirigida a segmentos da população formatada pelo pensamento dominante e, como tal permeável a ideias e conceitos que promovem a atomização social e constitui-se como mais uma agenda política, pretensamente, despida de ideologias, mas que quando analisada se verifica estar contaminada pelo neoliberalismo.

Ponta Delgada, 16 de maio de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 17 de maio de 2023

terça-feira, 16 de maio de 2023

sexualização e super heróis

imagem retirada da internet



Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.




(...)  expressão Alfa e Beta, ou ainda outras como, Gama e Ómega, associadas à caraterização de fêmeas e machos humanos, para além de animalizante e hierárquica tem uma conotação sexualizada que, salvo melhor e douta opinião, afronta o feminismo, ou mesmo as questões de identidade de género, por outro lado podemos associar a expressão à promoção da competitividade e do individualismo, em detrimento do espirito colaborativo que, esse sim, permite os avanços coletivos e repercute os benefícios pelos indivíduos. (...)

sábado, 13 de maio de 2023

do alfabeto grego

imagem retirada da internet

Fragmento de um texto publicado na imprensa regional (Diário Insular). 

Regresso a este tema na próxima semana. 






(...) Em relação às fêmeas Beta e aos machos Alfa, expressão que titula este escrito, é mais um contributo, com roupagem vanguardista, para um pensamento discriminatório e animalizante da humanidade. O tema a que expressão alude merece ser tratado de forma própria e com maior profundidade, contudo e para além do que ficou dito, por hoje sempre acrescento que nem sempre as fêmeas são Betas(inhas) e os machos, ditos Alfa, são na sua maioria betas(inhos) submissos e narcísicos, nem Betas chegam a ser. Voltarei às fêmeas Alfa e aos machos Beta ou, vice-versa. (...)

sexta-feira, 12 de maio de 2023

dos anglicismos e da educação

Fragmento de texto publicado na imprensa regional (Diário Insular). 





(...) Coach é um anglicismo que significa treinador ou instrutor, em termos da educação pode ser-lhe atribuída a designação de tutor ou professor tutor.
O termo coach remonta à época medieval e era o nome dado aos cocheiros que, por norma, eram exímios treinadores de cavalos. A utilização destes estrangeirismos na linguagem corrente e especializada é dispensável, uma vez que temos o seu equivalente em português. Por outro lado, parece-me desapropriada a sua ligação à educação pois, educar e formar é muito mais que treinar para a obtenção de perfis repetitivos de desempenho (mesmo na formação profissional). (...)

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Dos pequenos ganhos tecnológicos à IA – 3/3

 (continuação)

imagem retirada da internet
Os avanços da ciência e da tecnologia são bem-vindos e não me inquietam, o que me perturba e preocupa são os efeitos perversos que provocam no tecido social, na precarização das relações laborais, na economia, na cultura e na política e a sua utilização para fins que desumanizam e tendem a perpetuar modelos de desenvolvimento ancorados na servidão de uma imensa maioria em proveito de poucos, muito poucos, e que essa imensa maioria viva na ilusão de que não pertence às vítimas. Mas esse é um outro assunto, embora simples, mas não de fácil compreensão pela imensa mole de trabalhadores a quem é criada a ilusão de poder vir a pertencer ao clube dos que dispõem dos meios de produção sendo, porém, os principais sacrificados do sistema que se baseia na sua própria exploração,

3. A Inteligência Artificial (IA), de que tanto se fala, não é propriamente uma novidade, já Alan Turing, no pós-II Guerra Mundial e com o advento das ciências computacionais, falou e escreveu sobre o conceito e a possibilidade de criar máquinas “inteligentes”, ou se preferirmos máquinas que aprendem. A expressão IA foi, digamos, cunhada, em 1956, por Herbert Simon, Allen Newell, John McCarthy, Warren McCulloch, Walter Pitts e Marvin Minsky. Se olharmos para a história constamos que alguns automatismos mecânicos não são tão recentes assim e, por outro lado, o fascínio do homem pela construção, ficcionada ou mística, de “seres” dotados de inteligência é bem mais antiga.

imagem retirada da internet

A IA há muito que faz parte das nossas vidas. Os telefones inteligentes, os assistentes pessoais digitais, a publicidade e as compras na internet, as traduções automáticas, a pesquisa na internet, equipamentos domésticos que se ajustam às nossas rotinas, enfim um sem número de aplicações que utiliza a IA. E sim, tudo isso nos facilita a vida, ou seja, nos traz conforto. Mas será que a nossa qualidade de vida melhorou!?, ou para aceder a estes benefícios temos de aumentar o número de horas de trabalho, para acrescentar mais rendimento ao parco salário, mesmo que seja bem acima da média, para ter poder adquirir e usufruir de tudo o que nos “oferecem “e, assim, diminuir o tempo para ser: amigo, mãe, pai, cidadão com direito à fruição do lazer, da cultura e da diversão e entretenimento, ou melhor dizendo, ter a qualidade de vida a que legitimamente ansiamos durante todos os períodos da nossa existência.

Com o uso, ou melhor com o mau uso das novidades tecnológicas corremos riscos elevados, isto não significa a inexistência de importantes benefícios em diferentes áreas como, por exemplo a saúde. Por outro lado, os serviços públicos e privados tendem a afastar-se dos cidadãos remetendo para as plataformas e aplicações tecnológicas o atendimento. Se tem vantagens? Claro que sim, mas os efeitos do encerramento de postos de atendimento presencial, para além da diminuição de postos de trabalho, provoca a desertificação populacional do território e contraria a tão necessária coesão territorial. Esta é apenas uma constatação, as assimetrias são bem visíveis, as causas que lhe estão na origem conhecidas e não resultam, apenas, das novas tecnologias. Mas este, como outros exemplos, não será o pior dos riscos quando sabemos que nos Estados Unidos, e quiçá noutras potências que detêm arsenais de armas nucleares, se discute a criação de mecanismos legais para impedir que a IA possa decidir por um ataque com armas atómicas, seja ele de retaliação ou não. Neste intervalo entre os limites ou extremos do conjunto de variáveis da IA cabem muitos benefícios, mas também muitos perigos.

Noam Chomsky - imagem retirada da internet
Numa recente (28 de abril) entrevista de Noam Chomsky ao suplemento (Ípsilon) de um diário nacional exclusivamente dedicada às questões da IA, aconselho vivamente a ler, ficam claras todas as interrogações que tenhamos sobre o assunto. Depois de ter lido as respostas de Noam Chomsky pensei para comigo que este meu último texto, dedicado à IA, deixava de fazer sentido, contudo os leitores merecem todo o meu respeito e, conquanto, com um formato e conteúdo diferente, do que estava mentalmente arquitetado, optei por levar a obra até ao final. Não trago novidades, nem acrescento nada ao muito que nos últimos tempos se tem escrito e dito sobre a IA. A minha abordagem ao tema é, como nos dois textos anteriores, provocar alguma reflexão sobre um tema que já faz parte das nossas vidas e que, dependendo de quem detém “o meio de produção”, pode direcionar-se para o bem comum, ou para a perpetuação do poder instalado (financeiro) com todos os efeitos perversos que a IA pode proporcionar.

O melhor exemplo vem mesmo do Parlamento Europeu (PE) que é, dirão os leitores um órgão político legitimado pelo voto popular, mas que está subjugado aos oligopólios financeiros, digo eu e as práticas demonstram-no à saciedade, mas vamos então a um dos exemplos das vantagens  que o PE enumera:  “A IA pode ajudar os fabricantes europeus a tornarem-se mais eficientes e a trazer as fábricas de volta à Europa através da utilização de robôs na fabricação, da otimização dos circuitos de comercialização, ou da previsão em tempo real da manutenção e falhas em fábricas inteligentes.”

Um outro exemplo da utilização da IA que, segundo o PE, pode trazer vantagens, desta vez para a produção de alimentos e agricultura. Vejamos: “A IA pode ser utilizada na criação de um sistema alimentar sustentável na UE pois, permite garantir alimentos mais saudáveis, minimizando a utilização de fertilizantes, pesticidas e irrigação, assim como contribuir para a produtividade e a redução do impacto ambiental. Os robôs poderiam remover ervas daninhas, por exemplo, o que teria como consequência a diminuição do uso de herbicidas.” Como se vê as vantagens, nestes dois exemplos, são muitas e atrevo-me a dizer que uma ampla maioria dos cidadãos concordará, inequivocamente, com estes e outros benefícios da IA nos processos produtivos, aliás os princípios estão desenhados para a obtenção do apoio generalizado da população. Quem é que não concorda com a necessidade de reindustrializar a União Europeia, ou libertar a produção agrícola intensiva do uso de herbicidas, ou seja, centrada na defesa da qualidade ambiental. Numa leitura mais atenta, não deixando de concordar com os princípios, pode questionar-se o PE sobre o destino que será dado aos trabalhadores que venham a ser substituídos pelos robôs!? se o trabalho vai ser valorizado por via do aumento dos salários, da diminuição dos tempos de trabalho e da idade limite para a reforma!? Não encontrarão resposta a estas legítimas preocupações.

imagem retirada da internet

A revolução científica e tecnológica dispensou, num primeiro momento, muitos trabalhadores indiferenciados e pouco qualificados, mas o desemprego e, por conseguinte, a desvalorização do trabalho já há muito atinge trabalhadores qualificados e altamente qualificados, a IA vai acentuar ainda mais e atingir outros. O desemprego e a precarização irão atingir, segundo alguns estudos prospetivos, profissões como: profissionais de telemarketing, professores universitários de língua e literatura inglesa, de língua estrangeira, de história e de direito, de entre outras profissões “intocáveis” e pouco solidárias com as clássicas lutas dos trabalhadores. Um outro aspeto que representa uma ameaça da IA é a tecnologia “deepfake” (não encontrei tradução).  Que consiste na manipulação da voz e da imagem e é já uma realidade. Procure saber mais sobre este assunto, pesquisando na internet e/ou veja uma série inglesa (Capture) disponível nas plataformas de transmissão contínua de dados (streaming).

Com o presente texto encerro este pequeno ciclo de publicações em que procurei introduzir alguns elementos de reflexão sobre as alterações que a revolução científica e tecnológica produziu e vai continuar a gerar nos hábitos das populações. 

Ponta Delgada, 2 de maio de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 3 de maio de 2023 

terça-feira, 2 de maio de 2023

vai tocar a todos

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Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) A revolução científica e tecnológica dispensou, num primeiro momento, muitos trabalhadores indiferenciados e pouco qualificados, mas o desemprego e, por conseguinte, a desvalorização do trabalho já há muito atinge trabalhadores qualificados e altamente qualificados, a IA vai acentuar ainda mais e atingir outros. O desemprego e a precarização irão atingir, segundo alguns estudos prospetivos, profissões como: profissionais de telemarketing, professores universitários de língua e literatura inglesa, de língua estrangeira, de história e de direito, de entre outras profissões “intocáveis” e pouco solidárias com as clássicas lutas dos trabalhadores. (...)

Carlota - a abrir maio

imagem retirada da internet 
No advento de maio o “momentos” celebra a luta contra a escravidão, neste caso, liderada por uma mulher africana levada de África para Cuba.

A 5 de novembro de 1843 teve início a revolta dos escravos no engenho Triunvirato, na província de Matanzas, Cuba, liderada por Carlota uma mulher escravizada. 

Carlota simboliza a história da luta contra o sistema esclavagista. Carlota nasceu para viver livre e pela sua liberdade e dignidade lutou e morreu.