domingo, 27 de fevereiro de 2022

Pela paz! Sempre.

Ontem cometi a imprudência de fazer uma publicação no Facebook com a seguinte frase: “Assim não vamos lá. Ontem Zelensky queria o diálogo, hoje não, já não quer.”

Foi, diria, um descuido, pois, tenho consciência de que ao contrário de outras publicações, mais extensas que publico no meu blogue, uma pequena frase é lida muito mais vezes e, logo, objeto de mais reações. Por outro lado, as questões complexas, também o sei, não se resumem ao número de carateres de um tweet, e nem tudo é preto ou branco.

A frase foi motivo para um conjunto de comentários que motivou ao bloqueio de alguns dos seus autores. As razões para a minha atitude não foram pela discordância de opinião, mas sim pelo vazio das argumentações se é que a isto se pode chamar alegações “(…) se não estão bem que vão para a Russia. (…), ou “(…) Custa-me compreender como alguem da nossa sociedade tenta desculpar Putin. (…), ou ainda “(…) segue a linha do comité central? (…). A falta de acentuação é da responsabilidade dos autores dos comentários.

A frase não é ofensiva e não demonstra apoio a coisa nenhuma. Na sexta-feira, dia 26 tinha ficado satisfeito com a eventual abertura de um processo negocial, ontem fui surpreendido pela falência desse anúncio, e resolvi publicar isso mesmo, mas ao que pude constatar é que existe um grande número de cidadãos que consideram que não há diálogo possível. Preferem a guerra. Pois bem. Eu acho que só o caminho do diálogo pode levar à PAZ.

Ao que foi tornado público as negociações não se realizaram devido ao desentendimento sobre o local (país) onde deveriam decorrer. A Rússia propôs a Bielorússia e a Ucrânia a Turquia, a Hungria ou a Áustria, percebo que quer para a Rússia, quer para a Ucrânia, nenhum destes países é totalmente neutral neste conflito e, como tal, o caminho deveria ser encontrar outra solução para o local das negociações. O que para os cidadãos que dizem querer a PAZ e rezam para que isso se concretize não devem ter ficado satisfeitos. Eu não fiquei e partilhei a minha estupefação.

Sei que as redes sociais não representam tudo e muito do que se comenta e publica não passa de lixo, porém tenho verificado que alguns cidadãos que acompanho e leio têm vindo não só a alinhar-se, acriticamente, com a narrativa criada pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pela NATO e, ao invés da PAZ começam a exigir uma intervenção militar em larga escala para libertar a Ucrânia. Fico sem saber o que querem, mas aconselho-os a ler o ancião Henry Kissinger, que, seguramente, não se identifica com a Rússia e muito menos com o seu presidente. Podem, se assim quiserem aceder à opinião (The Washington Post, 5 de março de 2014) do guru ocidental das Relações Internacionais.

Quanto à guerra na Ucrânia e às manifestações pela PAZ gostaria de dizer que são bem-vindos, mas chegaram com 8 anos de atraso. A guerra na Ucrânia teve o seu início em 2014, não falta por aí informação sobre o assunto e para além deste conflito decorrem outros, como por exemplo a ocupação da Palestina, o Iémen, a Síria e a Somália, todas elas, tal como a Ucrânia com a “mãozinha” dos Estados Unidos e dos seus aliados, na NATO e fora dela. Isto para não referir os milhões de refugiados que estas e outras guerras têm produzido.

Para mim a vida e a dignidade humana têm o mesmo valor independentemente dos locais que habitamos, das religiões que confessamos e da matriz cultural que adotamos para a nossa vida.

A guerra na Ucrânia teve início em 2014. Morreram até à intervenção militar russa cerca de 15 mil pessoas. Não vi, infelizmente, nenhuma condenação a esta guerra. E isto não é, de todo, despiciente.

Bem, mas como eu desejo ardentemente a PAZ fiquei satisfeito por saber, durante o tempo em que escrevi este texto, que afinal sempre vão acontecer negociações entre a Ucrânia e a Rússia. A delegação russa já está a aguardar a delegação ucraniana e ao que parece o encontro vai mesmo realizar-se na região fronteiriça da Bielorússia. Espero que se concretize e, sobretudo, que abra caminho para uma solução pacífica da qual os primeiros beneficiários serão os povos da Ucrânia e da Rússia.

Como tenho vindo a afirmar estou do lado da PAZ, mas estou contra um lado, a NATO. Esta organização, criada como sendo defensiva, é responsável pelos maiores conflitos bélicos das últimas dezenas de anos. Apesar dos revisionismos e apagões históricos não falta informação sobre o assunto, assim queiram manter-se atentos e críticos face às narrativas que promovem os conflitos. 

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 27 de fevereiro de 2022


sábado, 26 de fevereiro de 2022

símbolos

É aflitivo verificar alguns comentários nas redes sociais sobre o conflito russo/ucraniano, que como sabemos extravasa fronteiras e serve os interesses dos senhores da guerra. Isto torna-se mais grave quando acontece nas televisões e outros órgãos de comunicação social, onde já teve início a habitual divulgação de fake news, como seja o caso das imagens de um vídeo jogo que foram transmitidas como se tratassem e imagens do cenário de guerra. Assumiram o erro, mas as imagens ficaram na retina dos telespectadores. Enfim!

A diabolização de um lado e o branqueamento do outro não ajudam ao que, supostamente, todos desejamos, a PAZ.
A utilização de uma linguagem do tempo da guerra fria e as tentativas de fazer crer à opinião pública que a Rússia continua a ser um país socialista, acicatam os ânimos e não contribuem para o fim do conflito, pois, dão força a um dos lados, que não está diretamente envolvido no conflito e reforçam a sua estratégia.

O sistema político russo é, como julgo saberem, um regime capitalista. Digamos uma democracia liberal, como são os sistemas políticos dos Estados Unidos, da maioria dos países da União Europeia e da própria Ucrânia, cada um com as suas próprias idiossincrasias, mas não deixam de o ser. O que me espanta é que as democracias liberais não mereçam reparos quando se trata dos Estados Unidos, da União Europeia e da Ucrânia, mas na Rússia seja um problema. Vá-se lá entender.

Quando as redes sociais são invadidas pela bandeira (seja ela ucraniana, russa, da União Europeia ou dos Estados Unidos) toma-se um lado. E esse lado, quer queiram, quer não, fomenta o conflito e compactua com a guerra que afirmam não desejar.

Como disse na publicação anterior eu também tenho um lado, o lado da PAZ.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 26 de fevereiro de 2022

 

do lado da paz

A Rússia decidiu fazer o que os Estados Unidos e A União Europeia tanto desejavam. Não sei se estavam esgotadas, ou não, todas as possibilidades de resolver a questão por via diplomática. Quando a diplomacia falha o desfecho da conflitualidade de interesses adornada pela propaganda só podia ser este. Não sei quem fechou as portas à solução diplomática, mas houve mais que tempo e instrumentos, como o acordo de Minsk setembro de 2014, para que tivessem sido postos em prática pelos signatários e garantidos pela OSCE, pois o acordo foi desenhado sob os seus auspícios.

Quando as portas se fecham à solução pacífica, abrem-se para a violência. A intervenção militar da Rússia pretende resolver, por via da guerra, algumas questões que deviam ter sido resolvidas por via diplomática. E não há inocentes neste processo que se arrasta no tempo.

Há demasiada NATO á volta da Rússia (como muito bem disse um treinador de futebol português), os Estados Unidos querem aumentar a sua área de influência, mas também as exportações de gás liquefeito, mas querem sobretudo fragilizar a economia russa, nada melhor que uma guerra para o conseguir. Por outro lado, a União Europeia tem o papel que costuma ter, neste como em outros conflitos, ajusta-se às posições dos Estados Unidos e, quase sempre sai prejudicada por isso. A certificação do Nord Stream II que reduzia os custos do gás que a Rússia fornece a 13 países europeus foi suspensa unilateralmente pela Alemanha, no âmbito das sanções à Rússia. O prejuízo será dos cidadãos que beneficiariam do gás mais barato.

A situação que se vive hoje na Ucrânia é indissociável dos acontecimentos de 2013 e 2014 (o chamadao Euromaidan) e tudo o que se seguiu ao longo dos últimos 8 anos. Não vou tecer considerações sobre as barbaridades cometidas contra cidadãos ucranianos pelos movimentos nacionalistas e neonazis, como seja, o assassinato de 42 cidadãos em Odessa, mas não posso deixar de referir o incumprimento, pelo governo ucraniano, do acordo de Minsk (setembro de 2014) e os seus efeitos sobre as populações ucranianas da região do Donbass. A guerra na Ucrânia teve o seu início há oito anos, mas só agora alguns se deram conta.

Não deixa de ser algo hipócrita que os cidadãos que hoje se manifestam horrorizados e apelam à paz, tenham ignorado as vítimas do golpe de estado de 2014, na Ucrânia, apoiado pelos Estados Unidos e pela União Europeia, e a guerra civil que dura há 8 anos na região do Donbass. Mas não só, não vejo os mesmos cidadãos que agora rasgam as vestes e hasteiam bandeiras nos seus murais das redes sociais condenarem outras guerras, do passado recente e do presente. A intervenção na Yoguslávia, na Líbia, no Iraque, na Síria, ou a invasão de Israel ao território palestiniano, a guerra no Yemen e as intervenções na Somália. A estes poderiam somar-se muitos outros conflitos que foram acontecendo e aos quais a resposta cidadã foi de passividade e, em alguns casos, até de apoio. Validando assim a política bélica que é promovida pelos Estados Unidos e pela NATO, com a cumplicidade e apoio político da União Europeia.

Antes de continuar tenho de fazer, assim como, uma declaração de intenções: a minha simpatia pelo presidente da Rússia é igual à que nutro pelo Presidente dos Estados Unidos ou à simpatia que tenho pela presidente da Comissão Europeia, nenhuma. Isto é numa escala de 0 a 10, a minha simpatia em relação a estas três personalidades é 0 (zero). Trata-se de capitalismo puro e duro e, como sabem, capitalismo eu combato.

A intervenção militar despoletou de imediato o reforço das sanções, pelos Estados Unidos e pela União Europeia, à Federação Russa. Como em situações similares serão os povos, desde logo, do país destinatário, mas também dos países que as promovem, as grandes vítimas destas medidas. Se os conflitos bélicos são condenáveis, também as guerras que os antecedem devem merecer a nossa condenação. O povo russo e o povo ucraniano serão as principais vítimas de interesses que não atendem à condição humana, consideram apenas a satisfação do lucro a qualquer preço.

Após escassas horas começa a vislumbrar-se a vontade dos principais intervenientes chegarem a entendimento. O presidente ucraniano manifestou abertura para dialogar e garantir a neutralidade do seu país, por outro lado o presidente russo já respondeu dizendo que está disponível para dialogar, ao mais alto nível, com o governo ucraniano.

Um bom sinal para todos os amantes da paz, mas sobretudo para o povo russo e ucraniano, resta saber como vão reagir os Estados Unidos e a União Europeia que, em relação a este conflito, têm sido tudo menos neutrais. O presidente Zelensky já percebeu que a Ucrânia, para os Estados Unidos e para a União Europeia, não passa de um peão descartável neste tabuleiro de xadrez jogado entre os Estados Unidos e a Federação Russa, jogo em que a União Europeia toma parte ao lado dos Estados Unidos. É o capital a deixar cair a máscara e a mostrar a sua face inumana.

A minha condenação estende-se a todos os intervenientes neste processo. Mas eu estou, como sempre estive, de um lado. O lado da PAZ.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 25 de fevereiro de 2022


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

envelhecer

foto by Madalena Pires
Eh senhor Aníbal! Tás ficando velhinho. Foi assim que fui saudado, há 2 ou 3 anos, durante um dos passeios de fim de tarde junto ao mar, passeios que tanto gosto de fazer. Esta genuína apreciação de um amigo, com quem já não me cruzava há muito tempo, tem sido motivo de algumas gargalhadas quando a partilho com outros amigos. 

Não me sinto – ainda - um velhinho, mas estou a envelhecer e considero que isso é bom. Nem todos chegamos a envelhecer, mas quem tem esse privilégio deve aceitá-lo com a consciência de que com o prolongar da vida chegam algumas limitações de ordem fisiológica. Faz parte do processo, não vale a pena ignorá-lo, mas também não deve assumir a centralidade das nossas inquietações, sob pena de se tornar mais doloroso do que as dores nas costas e articulações que, mais tarde ou mais cedo, nos tentam a calçar os chinelos e a acomodarmo-nos no sofá.

Não pretendo, longe disso, deixar receitas nem conselhos, sobre o que fazer e como fazer para envelhecer sem que isso se torne num pesadelo. Mas, aceitar as limitações, potenciar as faculdades que ainda dispomos e usufruir do tempo que agora é, apenas, nosso, será uma boa opção para continuar a percorrer a vida, apesar de naturais receios e inseguranças, sem nunca deixar de sonhar.  O medo e a insegurança podem privar-nos de sonhar, mas sem sonhos não há caminho para andar. Sem sonhos deixamos que o tempo passe e se transforme, apenas, em espera. E esperar é desesperar.

Em outubro de 2013 publiquei, no meu blogue, um pequeno texto que passo a transcrever: - O tempo só é importante porque a vida é finita e, por isso tão excitante. A eternidade seria entediante. Que fazer com tanto tempo, se agora com o tempo contado e com fim à vista deixamos que ele, o tempo, passe por nós. Por vezes até desejamos que passe depressa, o tempo, até inventamos passatempos, para iludir o tempo. O tempo não tem tempo, mas a vida tem, um tempo. Usa o tempo que a vida te der. Não faças do tempo e da vida, um passatempo.

foto by Tiago Redondo
Se há quase nove anos era, para mim, um modo de pensar a vida e a sua relação com o tempo. Hoje continua a ser tão válido como quando o escrevi, penso da mesma forma. A diferença é que agora, com a aposentação, tenho todo o tempo para mim, mas continuo, como sempre fiz, a dar utilidade ao tempo. Ainda que o meu tempo, com o seu passar, seja menos do que era ontem.

As alterações sociais, económicas e políticas que se verificaram a partir da década de 70, do século passado, com o renascimento e expansão do velho liberalismo, travestido de modernidade, contribuíram para o crescimento e diversificação das atividades do “terceiro setor”. Esse incremento tem a sua origem na delegação de competências dos Estados em instituições privadas, de solidariedade social ou não, para atender a necessidades crescentes de apoio social às populações mais fragilizadas e vítimas da barbárie liberal. Este é um tema sobre o qual vale a pena refletir profundamente, mas não será hoje. Esta referência justifica-se por que o “terceiro setor” tem no envelhecimento da população um dos mais importantes segmentos da sua atividade no âmbito da economia social.

O envelhecimento da população portuguesa tem contribuído para o crescimento dos “negócios” do “terceiro setor”, os centros geriátricos abundam e ainda assim, ao que ouço dizer, são insuficientes para fazer face à enorme procura dos familiares que necessitam de um local, tal como de creches para as crianças, onde possam entregar os seus idosos para que sejam apoiados e cuidados. 

foto by Madalena Pires
A uniformidade das soluções para os cuidados geriátricos, tal como o pensamento único, inquieta-me, tal como me angustia a infantilização das atividades que são promovidas para ocupar o tempo dos cidadãos entregues ao cuidado destas organizações, durante o dia ou a tempo inteiro. Ora aqui está uma, ou mais variações sobre o tema e acerca das quais importa refletir. 

A padronização da oferta favorece os promotores, mas não responde às necessidades dos cidadãos mais idosos que, naturalmente, são diversas, nem das famílias que querem participar e acompanhar o envelhecimento dos seus familiares, assim sejam libertadas da sobrecarga do seu horário de trabalho, e disponham de apoios para estar e cuidar dos seus. Outras alternativas, sem aumentar o financiamento público, são possíveis, assim haja vontade e coragem para as instituir.

Como ficou claro, desde a abertura desta “Sala de Espera”, este é um espaço onde procuro partilhar, mais do que opinião, algumas inquietações sobre o que nos rodeia e, sobretudo, contribuir para que a leitura induza à reflexão e ao contraditório. O texto de hoje, esse foi o objetivo, deixa em aberto algumas questões que afetam os nossos concidadãos que estão a envelhecer, ou seja, um assunto que interessa a todos.

Ponta Delgada, 22 de fevereiro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 23 de fevereiro de 2022


terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

... com o seu passar, seja menos do que era ontem

foto by Paulo R. Cabral



Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos





(...) Se há quase nove anos era, para mim, um modo de pensar a vida e a sua relação com o tempo. Hoje continua a ser tão válido como quando o escrevi, penso da mesma forma. A diferença é que agora, com a aposentação, tenho todo o tempo para mim, mas continuo, como sempre fiz, a dar utilidade ao tempo. Ainda que o meu tempo, com o seu passar, seja menos do que era ontem. (...)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Reconhecer e agradecer

Declamar poesia é, talvez, a melhor forma de a divulgar e de lhe conquistar novos públicos. O Grupo Palavras Sentidas tem contribuído, de forma ímpar, para a promoção da poesia e da cultura. Não sendo, e ainda bem, um caso único nos Açores este grupo de cidadãos, coordenados pelo Mário Sousa, têm desenvolvido um trabalho notável na difusão de cultura ancorada na poesia. Cultura sem geografias que a confinem ao espaço, ao tempo, ou aos poetas, ainda que, os autores açorianos, ou açorianófilos, sejam privilegiados nas suas tertúlias. 

O Grupo Palavras Sentidas e a Livraria Letras Lavadas promoveram, no passado dia 18 de fevereiro (sexta-feira), mais um sarau poético. Como já fizeram noutras ocasiões dedicaram esta iniciativa à divulgação de um autor. Desta vez coube-me a mim ser o alvo desta singela homenagem, o que muito me honrou e que agradeço publicamente. Foi com satisfação, e alguma emoção, que ouvi o som das palavras que um dia derramei no papel. Palavras que ao serem ditas ganharam uma nova dimensão. Grandeza que só os leitores podem conferir às palavras escritas.

O meu obrigado à Fátima Mateus Ramos, ao Grupo Palavras Sentidas e à Livraria Letras Lavadas. Foi um prazer estar convosco e abraçar-vos.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 18 de fevereiro de 2022


domingo, 20 de fevereiro de 2022

quem invade quem

imagem retirada da internet

Quando no mesmo texto leio, “a Rússia de Putin e Joe Biden Presidente dos Estados Unidos”, fico logo com os pelos eriçados. A diferença de dignidade atribuída a um e a outro, ambos presidentes eleitos, confere à notícia um alinhamento, ou seja, o jornalista que diz ou escreve coisas como as que referi, ou “o regime russo” e os Estados Unidos”, não é imparcial, a informação vem ancorada à opinião pessoal, a que tem direito em contexto diverso, ou à voz e interesses de quem lhe paga o que contraria a ética profissional. Mal vai o jornalismo em Portugal. Não é novidade, mas é bom que tenhamos consciência de que a informação que nos é veiculada pela comunicação social “de referência” não nos informa, procura moldar-nos como se fossemos um pedaço de plasticina.

As possibilidades de que a situação na região de Donbass se venha a alterar, enquanto escrevo este texto, são elevadas. Os diferendos entre a Rússia e a Ucrânia são de vária índole, mas é na região do Donbass que o conflito bélico aberto possa vir a acontecer, ou melhor se venha a agudizar. Quem acompanha a política internacional sabe que a Rússia tem limites, as chamadas linhas vermelhas, que não permitirá que sejam ultrapassados. Um desses limites é adesão da Ucrânia à NATO, e por consequência a instalação de potencial bélico ofensivo que fragiliza a sua capacidade de dissuasão, e outro é o genocídio das populações russófilas das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk. Estas regiões do leste da Ucrânia, através de atos referendários, autoproclamaram-se independentes e, por razões geográficas e culturais têm uma grande proximidade com a Rússia, recusam a aproximação à União Europeia e, por conseguinte, a subserviência aos interesses estado-unidenses.

A cronologia da atual situação é conhecida e tem como data de partida a deposição, em 2013, do presidente ucraniano eleito, Viktor Yanukovich após o seu governo ter recusado a aproximação à União Europeia.

O que aconteceu na Praça Maidan, em Kiev, é conhecido, bem assim como o apoio de organizações nazis, internos e externos, mas também da União Europeia e dos Estados Unidos cuja participação foi posta às claras com célebre telefonema entre Victoria Nuland e Geoffrey Pyatt, embaixador dos EUA na Ucrânia. A própria Victoria Nuland esteve em Kiev durante as manifestações que levaram à deposição de Yanukovich.

imagem retirada da internet

O que se seguiu é também conhecido. O referendo da Crimeia e a sua integração na Federação Russa, ao que se seguiram as proclamações de independência de Donetsk e Lugansk (região do Donbass) onde, desde 2014 se instalou um conflito armado entre os separatistas e a Ucrânia. É aqui, no Donbass, que o conflito nos últimos dias se agudizou. Os ataques de grupos armados (milícias nazis, como o Batalhão Azov, e exércitos privados como a Blackwater, agora renomeada Academy) e a deslocação de militares ucranianos para a região do Donbass já provocou 40 mil refugiados, recebidos pela Rússia, e a mobilização geral da população de Donbass.


A atuação dos Estados Unidos neste conflito (distante como convém) pode até perceber-se, já não se percebe a posição de subserviência da generalidade dos países da União Europeia. Se o presidente ucraniano cair na tentação de invadir o Donbass será o fim daquele país, tal como o conhecemos, e os efeitos nos países europeus serão devastadores.    

A União Europeia e os Estados Unidos são diretamente responsáveis pela política expansionista da NATO e pela tentativa de trazer para a sua área de influência a Ucrânia. O que sendo pacífico entre a maioria dos ucranianos que vivem nos territórios a Oeste não o é para os do Sul e do Leste que, por serem russófilos, preferem relações de boa vizinhança com a Rússia.

Os anúncios de “iminente invasão”, “é na 4.ª feira”, “está prevista para os próximos dias”, ou a retoma da ideia de que será na “4.ª feira” é, para além de terror comunicacional uma falta de rigor e servilismo atroz.

A continuar a ofensiva contra as repúblicas do Donbass, ou a qualquer tentativa de conquistar a Crimeia, é bem possível que venha a haver uma intervenção russa. Que afinal é aquilo que os Estados Unidos e os seus acólitos pretendem.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 20 de fevereiro 2022  


terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Notas soltas sobre a “iminente” invasão

 

A guerra da informação (psicológica, cognitiva ou como lhe quiserem chamar) está instalada há vários anos, nos últimos meses agudizou-se à volta de uma esperada e “iminente” invasão da Ucrânia pelo seu vizinho russo.

As notícias veiculadas pelos OCS alinhados com a estratégia dos Estados Unidos e do seu braço armado, a NATO, já noticiaram a invasão (Blomberg, dia 4 de fevereiro, por volta das 16h), e, nos últimos dias têm vindo a anunciar que a guerra começa amanhã (quarta-feira, dia 16 de fevereiro). 

A RTP, seguindo a narrativa bélica dos Estados Unidos, divulgou uma notícia com imagem de “tropas especiais” ucranianas a instruir os cidadãos de uma região ucraniana (Mariupol) para ripostarem aos invasores. O que a RTP não disse é que essas “tropas especiais” são uma milícia armada de inspiração nazi (o batalhão Azov).

Hoje a notícia que dominou foi a retirada das tropas russas para as suas bases habituais. Fiquei sem saber, as televisões e os jornais, ainda não confirmaram se o recuo dos militares russos resulta do fim exercícios na Bielorússia, como disse Igor Konashénkov, porta voz das forças armadas russas, ou se foram as declarações de Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, que, pela sua contundência e alcance, levaram Putin a mandar recuar as suas tropas.

Gostava de ouvir a opinião do Nuno Rogeiro sobre o assunto, pois, essa personalidade costuma estar bem informada, aliás, todos nos lembramos das suas brilhantes análises em defesa da invasão do Iraque fundamentada pela existência de armas de destruição massiva. Armas que só existiram, como se veio a provar, nas mentes ao serviço dos interesses dos Estados Unidos e de alguns dos seus aliados.

Imagino até que o Nuno Rogeiro esteja a aconselhar o governo ucraniano com o objetivo de este não baixar a guardar, pois, os russos não são de confiar e este recuo pode muito bem ser para ganhar “balanço” para concretizar a “iminente” invasão.

Se tudo isto não fosse dramático, desde logo para o povo ucraniano, seria ridículo. Esta guerra (cognitiva) está a causar grande instabilidade e sentimento de insegurança na zona da “iminente” invasão, mas também no espaço europeu. Os danos psicológicos começam a evidenciar-se nas populações, mas também prejuízos de ordem económica e financeira, não só para a Ucrânia e Rússia (desvalorização das suas moedas e diminuição das exportações de gás para a União Europeia), mas também para os países da União Europeia com o aumento dos preços da energia e o efeito que produz no aumento dos custos de outros bens, serviços e produtos.

Quem beneficia!? Não só, mas são os Estados Unidos os principais beneficiários da “iminente” invasão. Aumentaram as exportações de gás liquefeito para a Europa e a sua economia de guerra tem aqui mais um foco de tensão onde se alimentar.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 15 de fevereiro de 2022


ser livre

foto by Aníbal C. Pires


(...) Para dar sustentação à minha discordância e para finalizar vou, apenas, citar José Martí: 





“Ser culto é o único modo de ser livre.” 


E acrescentar da minha lavra: 


uma imensa maioria de portugueses, mesmo os que passam pela Universidade, está muito longe de ser livre. (...)


Excerto de um texto publicado em 12 de fevereiro de 2011 e publicado a a 14, desse ano e mês, no jornal a "União", de Angra do Heroísmo.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

do dia de amigas



Como a amizade se estabelece entre pessoas e não é exclusiva de um género (nem melhor nem pior) deixo-vos um poema que está publicado no livro “Mulher Coração da Liberdade”, da Editora Letras Lavadas.




mulher poema

solta as amarras
abandona os medos 
caminha com a utopia
luta e agarra o sonho
não te sujeites
sê igual
sê mulher

em ti tudo principia
tudo se consuma
és igual e diferente
és força
és alimento da existência
és vida e sonho de liberdade
és mulher

Aníbal C. Pires, 11 de fevereiro de 2021

Hoje celebra-se o “dia de amigas”. A "quinta-feira de amigas" não sendo uma tradição exclusiva dos Açores é, contudo, por estas ilhas do Atlântico Norte que esta celebração da amizade mantém bem viva as comemorações que antecedem o Carnaval e que têm o seu início com a "quinta-feira" de amigos", na semana que antecede o "dia de amigas" e continua com o "dia dos compadres" e o "dia das comadres".

É na ilha de Santa Maria, do que conheço, onde o espírito carnavalesco está mais presente neste “dia de amigas”. Os homens travestidos “invadem” as festas, dançam e cantam para as mulheres numa animada folia já com os contornos das alegres diversões carnavalescas que, manifestando-se um pouco por todo o Mundo, nos Açores assumem caraterísticas muito próprias e diversas, como diferentes são as nossas ilhas.  

As quatro quintas-feiras que antecedem o Carnaval são motivo para celebração, é assim como uma espécie de aquecimento para as grandes folias do Entrudo.

Ponta Delgada, 10 de fevereiro de 2022


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

tempo para refletir e ponderar

do arquivo pessoal

Partilhar opinião em eventos, mais ou menos informais, é sempre uma atitude de exposição que requere alguma coragem, em particular se temos consciência de que a nossa apreciação, mesmo informada e fundamentada, contraria o pensamento dominante construído, quase sempre, sobre conjeturas e análises que ignoram os factos e pretendem, mais do que contribuir para o esclarecimento e reflexão, moldar vontades. Sei que o que acabo de afirmar poderá ser facilmente desconstruído, sendo para isso, suficiente utilizar o epíteto, “comuna”. Ah isso é coisa do “comuna”, basta isso para que a maioria desvalorize a opinião que partilho. E não, não é um sintoma esquizofrénico. Os militantes comunistas foram e continuam a ser alvo de preconceito e, por conseguinte, de discriminação. 

Tudo o que fica dito não significa que eu seja imparcial, não sou. E a assunção de que não sou neutro, ou independente, coloca-me de um lado, certo ou errado, não importa. Esta é, também, uma atitude de honestidade intelectual e, sobretudo, de respeito por quem lê.

Os neutros/independentes que pululam por aí estão, como diz “Chico César”, não o deputado eleito, mas o músico brasileiro, do lado dos opressores. Uma afirmação que é, no essencial, verificável, basta para isso atentar aos painéis de comentadores das rádios, televisões e às colunas dos jornais. 

foto by Madalena Pires
Se para partilhar opinião em ambientes circunscritos é necessário, pelos motivos que já referi, alguma coragem, deixá-la vertida neste espaço, ou nas redes sociais, é como dispor-me voluntariamente a caminhar para a ara sacrificial da opinião pública, mas como não tenho medo nem preço, continuarei por aqui, na “Sala de Espera” onde tudo, no contraditório, pode ser dito e tudo deve ser posto em causa. Nem mesmo o grande número de indiferentes, preconceituosos ou não, que quando folheiam o jornal passam por esta página sem ler sequer o primeiro parágrafo, a não ser que o título seja apelativo, pela temática ou pela provocação, nem esses – os indiferentes -, me desmotivam e, muito menos, me desencorajam a desnudar-me perante a opinião pública.

Não é ainda o tempo, nem sei se esse tempo chegará à “Sala de Espera”, de deixar algumas notas e opiniões sobre os resultados eleitorais do passado dia 30 de janeiro. Não gosto de reagir a quente, a não ser por imperativos aos quais não me possa esquivar, prefiro deixar a poeira assentar que é como quem diz: dar tempo a que cada um dos eleitores tome consciência da utilidade da sua opção eleitoral, mas também aos efeitos que resultaram do seu voto. Tenho necessidade de tempo para refletir e ponderar.

foto by Aníbal C. Pires
Ao que parece esta é uma caraterística dos militantes comunistas, digo isto, por me ter sido referido, julgo que no início do ano de 2007 por um destacado membro do Governo Regional da altura, que o problema dos comunistas era pensarem muito. Talvez, mas não tenho dúvidas que essa é uma prática que contribui para a longevidade do PCP e para ultrapassar as dificuldades que no passado e no presente se colocaram e colocam, só assim é possível garantir o futuro. Por outro lado, os jornais, rádios televisões e redes sociais estão a transbordar de opiniões e análises para todos os gostos, a minha seria apenas mais uma a gosto de alguns e vilipendiada por muitos outros. Há, contudo, um aspeto sobre o qual me sinto, para já, em condições de poder tecer uma breve consideração e que decorre da minha maior surpresa da noite eleitoral.
 

A dimensão do crescimento eleitoral do Chega surpreendeu-me. Nunca duvidei que iria crescer, mas jamais com tal proporção. Não é sobre o resultado em si mesmo, mas sobre o seu eleitorado e o que os mais de 385 mil eleitores do Chega terão em comum que me pronuncio. E isto a propósito de ter lido, algures numa dessas análises aos resultados eleitorais, que não se poderiam apelidar de fascistas todos estes eleitores, pois, muitos deles votaram no Chega não por qualquer razão de ordem ideológica, mas por motivos bem mais pragmáticos. Não vou ajuizar sobre esta visão de um conceituado articulista nacional. Mas, é inegável que os eleitores do Chega comungam entre si, cumulativamente ou não, de algumas caraterísticas que me leva a dizer que estes cidadãos são: misóginos, racistas, homofóbicos e negacionistas; ou seja, foram razões desta ordem, as razões do líder, que os motivou a votar. E isto aproxima os eleitores do Chega, independentemente, da sua origem social e económica, da ideologia que tem a designação que se lhes pretende sonegar. O que me parece profundamente injusto para os próprios e perigoso para a democracia.

Ponta Delgada, 8 de fevereiro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 9 de fevereiro de 2022


terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

um certo lado da vida

foto by Madalena Pires

Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos


(...) Tudo o que fica dito não significa que eu seja imparcial, não sou. E a assunção de que não sou neutro, ou independente, coloca-me de um lado, certo ou errado, não importa. Esta é, também, uma atitude de honestidade intelectual e, sobretudo, de respeito por quem lê.

Os neutros/independentes que pululam por aí estão, como diz “Chico César”, não o deputado eleito, mas o músico brasileiro, do lado dos opressores. Uma afirmação que é, no essencial, verificável, basta para isso atentar aos painéis de comentadores das rádios, televisões e às colunas dos jornais. (...) 



quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Ucrânia é pretexto para apertar o cerco à Rússia*

 

imagem retirada da internet
Entrevista ao DI – 01 de fevereiro de 2022


1 - Há alta tensão na fronteira entre a Ucrânia e a Rússia, havendo várias interpretações sobre as causas da situação e os objetivos das partes. Qual a sua visão?

Existem razões históricas e políticas (mais ou menos recentes e, sem dúvida importantes) em que alguns analistas se fundamentam para explicar a presente tensão entre a Ucrânia e Rússia, considero, porém, que a atual situação de “iminente” invasão da Ucrânia pela Rússia, tem raízes bem mais prosaicas, não deixando, contudo, de ser muito preocupantes.

A principal razão é, como sempre, de domínio e hegemonia económica da qual os Estados Unidos não abdicam, ou seja, a questão não se fundamenta nos diferendos entre a Ucrânia e a Rússia, mas nos interesses económicos que os Estados Unidos pretendem obter ao apertar o cerco à Rússia através do seu braço armado, ou seja, a NATO. A expansão da NATO, contrariando a sua própria natureza, tem vindo a aproximar-se perigosamente das fronteiras russas e, se até agora o processo não tem merecido uma posição musculada por parte da Rússia, no caso da tentativa de integrar a Ucrânia na NATO é diferente porque ultrapassa uma linha vermelha inaceitável para a Rússia e que passo a explicar: a resposta a um eventual ataque nuclear, da NATO, à Rússia a partir de território ucraniano, não permite o tempo suficiente (7 mn) para uma resposta, não à Ucrânia, mas aos seus aliados europeus, ou seja, a Rússia perde capacidade de dissuasão nuclear o que colocaria este país numa situação de grande fragilidade perante os seus concorrente económicos e, por conseguinte, os Estados Unidos ficariam com o caminho aberto para atingir um outro objetivo, quiçá o principal, que é como já devem ter concluído, a China. Todos os analistas conhecem este cenário, mas os comentadores do mainstream, vá-se lá saber por quê, não o referem. 

Se a NATO (Estados Unidos) dotasse a Ucrânia com armas nucleares seria o equivalente a que a Rússia instalasse no México uma base militar com capacidade nuclear. Não é, nem num caso nem no outro, de todo, conveniente e o Mundo não ficaria mais seguro.

imagem retirada da internet

2 - Acredita que a situação pode evoluir para guerra aberta? Porquê?

As tensões entre a Ucrânia e a Rússia foram, e continuam a ser, introduzidas externamente sempre na tentativa de que a Ucrânia passe para a esfera de influência da União Europeia, isto é, para a posição de subserviência aos interesses dos estado-unidenses e aos seu tiques imperiais, mas a Ucrânia, apesar das tensões e dos conflitos latentes, mantém com a Rússia relações comerciais que não são despicientes e que já levaram o presidente ucraniano a vir a público dizer para que os Estados Unidos e a NATO baixem o tom e deixem de alimentar a ideia da “invasão iminente”. Veja-se o seguinte: o gás russo que chega à Europa é canalizado através de um gasoduto que atravessa o território ucraniano. A Rússia paga, naturalmente, à Ucrânia a utilização do seu território pelo gasoduto. O valor de 2mil milhões de dólares pagos anualmente à Ucrânia, só por si, são motivo para que a Ucrânia não se deixe enredar em estratégias externas das quais seria a principal vítima nesta guerra económica, mas também num eventual conflito bélico. Por outro lado, o “bombardeio” psicológico está a criar um clima de medo entre os ucranianos, mas não é só, também ao nível económico e financeiro a Ucrânia e a Rússia estão já a sentir os efeitos deste clima de “invasão iminente” como por exemplo na desvalorização das suas moedas e na diminuição das exportações de gás russo para a União Europeia. O défice energético da União Europeia tem sido suprido por importação de gás liquefeito, vindo por transporte marítimo, dos Estados Unidos. Não é por acaso que o preço da energia tem subido nos países da União Europeia que mais necessitam de fornecimento de gás, pois, os estado-unidenses como se sabe são, nos negócios, pouco solidários.

Tenho algumas dúvidas que a evolução desta situação se desenvolva para um cenário de guerra, ou pelo menos a uma guerra que envolva mais do que a Ucrânia e a Rússia, até por que alguns dos membros da NATO não estão dispostos a seguir a estratégia estado-unidense.

3 - Não poucos analistas defendem que a Guerra Fria foi mal resolvida, designadamente no que diz respeito a fronteiras - situações que já tinham sido mal resolvidas no fim da II Guerra Mundial - e ao reconhecimento de zonas de influência. Qual a sua opinião?

 Eu que a chamada “guerra fria” nunca terá acabado. Após alguma latência recrudesceu, mas agora com outra designação, e com um âmbito mais alargado, num outro conceito de guerra, ou seja, a guerra híbrida.

4 - Da última vez que Portugal se aliou a sanções à Rússia, as exportações portuguesas ressentiram-se de forma dramática em alguns setores... Estamos de novo à disposição para novas sanções. Que papel é este que Portugal quer desempenhar?

Infelizmente a diplomacia portuguesa não é autónoma e isso tem custos elevados para o país e para a generalidade dos portugueses. As relações internacionais portuguesas são marcadas pelo seguidismo e pela subserviência a interesses que não são, de todo, coincidentes com o interesse nacional. Veja-se, por exemplo, o caso da utilização da Base das Lajes pelas forças armadas dos Estados Unidos e a triste figura (de cócoras) de sucessivos ministros dos Negócios Estrangeiros face às devidas compensações pelo uso e, reparos pelos danos causados na ilha Terceira.

Ponta Delgada, 31 de janeiro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 1 de fevereiro de 2022

* título da responsabilidade do Diário Insular 


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Transporte aéreo Açores 2022

foto by Aníbal C. Pires
Transporte aéreos e SATA terão sido os temas, entre 2013 e 2019, sobre os quais mais escrevi. A profusão de textos e intervenções públicas onde procurava dar conta das minhas preocupações sobre o grupo SATA, mas também sobre o modelo de transportes aéreos, desde logo a necessidade de os alterar e depois opondo-me ao que foi implementado em 2015, que se mantém em vigor, mas sobre o qual pairam algumas dúvidas sobre a forma e conteúdo da sua necessária alteração.

As minhas preocupações ficaram-se por isso mesmo, preocupações que não encontraram eco nos decisores políticos e, quanto à população açoriana, poucos se importaram com alguns alertas que fui fazendo, ainda assim continuo a valorizar tudo o que disse e fiz na defesa do Grupo SATA e de um modelo de transportes (integrado) para a Região. Mas, como tudo na vida, o tempo apaga, e, eu cansei-me. Desde julho de 2019, nunca mais escrevi uma palavra sobre transportes, sobre a SATA, as infraestruturas aeroportuárias e do necessário modelo integrado de transportes.

Hoje vou quebrar o jejum.

foto by Aníbal C. Pires

A notícia do “Expresso, no dia de encerramento da campanha eleitoral (28 de jan.), sobre possibilidade de a partir de abril as ligações aéreas de Lisboa para Faial, Pico e Santa Maria deixarem de se realizar despertou este impulso para voltar ao assunto dos transportes aéreos e, por consequência, à SATA, neste caso da Azores Airlines. Não é possível falar de transportes aéreos na região e nas ligações ao exterior sem falar na transportadora aérea regional.

Não tenho, ao contrário da maioria dos meus concidadãos, grande apreço pelos principais títulos da imprensa nacional, sendo que, no que concerne ao “Expresso” a minha apreciação, utilizando a linguagem das “agências de rating”, está ao nível do lixo, neste caso, informativo.



Esta minha avaliação da qualidade de informação sustenta-se num conjunto de dados sobre a veracidade e imparcialidade da informação publicada. Deixo apenas um exemplo recente e que na Região, e não só, levantou um enorme coro de protestos. Sim refiro-me à notícia que manchou a memória do poeta florentino Pedro da Silveira. O “Expresso” nem na assunção do seu erro foi correto com os seus leitores, nem com a memória do falecido poeta.

Apesar da minha opinião sobre a qualidade de informação veiculada pelo “Expresso” tenho consciência que este e outros títulos nacionais fazem a opinião dominante, daí estar a dar-lhe importância.

A notícia a que me refiro (fim das ligações aéreas de Lisboa para o Faial, Pico e Santa Maria) é especulativa porque se fundamenta em rumores e suposições e, por outro lado, mistura conceitos e não discrimina que custos o financiamento público suporta. Mas a notícia foi publicada e motivou, óbvias reações, desde logo um desmentido, algo atabalhoado, do ministro da tutela, mas também a reação a quente das Comissões Políticas do PSD das ilhas do Faial, Pico e Santa Maria esquecendo as responsabilidades do PSD neste processo, e, naturalmente, no dia seguinte o assunto fez as manchetes de alguns dos títulos da imprensa regional.

Tudo tem uma história, ou seja, não se chegou aqui por acaso e talvez seja apropriado recordar alguns aspetos que determinaram a situação que sendo, para já, especulativa, deixa preocupados todos os açorianos que têm uma visão global da Região, claro que os liberais e outros que tais terão ficado satisfeitos com a notícia do “Expresso”.

foto by Aníbal C. Pires

Quando em 2015 entrou em vigor o modelo de transporte aéreo para os Açores, a ANA já estava privatizada e a TAP estava a caminho de o ser, aliás o contrato de privatização da TAP foi concretizado dois dias depois de o programa do Governo de Passos Coelho ter sido chumbado na Assembleia da República. O contrato que transferiu para o consórcio Atlantic Gateway 61% do capital da companhia aérea foi assinado à porta fechada, dia 12 de novembro de 2015, nas instalações da Parpública.

Parece ser de somenos importância, para o assunto em questão, a referência à privatização da ANA e da TAP, mas como adiante se verá este aspeto tem uma importância substantiva no processo.

Foi, também, sob a égide do governo de Passos Coelho e Paulo Portas (PSD-CDS/PP) que se negociou, se acordou e teve o seu início o atual modelo de transporte aéreo para os Açores cujos principais aspetos são os seguintes:

- criação de uma tarifa de residente (134,00€);

- liberalização das rotas para S. Miguel e Terceira, ou seja, estas duas rotas deixaram de ter Obrigações de Serviço Público (OSP) e para as quais, por imposição das companhias “low cost”, não foi estabelecido um teto máximo para as tarifas, com os efeitos de todos conhecidos. Ou seja, o residente pode pagar mais 1, 2, 3, 4, 5, … acima do valor da tarifa sendo depois ressarcido, através dos CTT (grande negócio), do valor acima dos 134,00€.

- manutenção das OSP para as gateways do Faial, Pico e Santa Maria, não tendo sido atribuído à transportadora que realizasse o serviço público qualquer compensação pelo conhecido défice de exploração daquelas rotas.

Este modelo não era o que o Governo Regional dos Açores pretendia, mas acabou por aceitá-lo sem grande oposição, aliás não faltava no governo e no partido que lhe dava suporte parlamentar quem aplaudisse a solução encontrada. Importa ainda recordar que o ministro que tutelava era António Pires de Lima, do CDS/PP, e o Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações era Sérgio Silva Monteiro, o grande obreiro da privatização dos CTT e da TAP. Isto é, cabe ao PSD e ao CDS/PP a responsabilidade pelo que está a acontecer, ou seja, o aumento exponencial dos custos, conhecidos e não conhecidos, que o Estado suporta com o pagamento do Subsídio Social de Mobilidade (SSM), com o contrato com os CTT para assegurar a operação financeira de pagamento do SSM e com os apoios indiretos à operação das “low cost”, no presente apenas a Ryanair.

Deste modelo de transporte aéreo, em vigor desde 2015, importa referir o seguinte:

- os residentes beneficiam da tarifa de 134,00€ que, sendo positivo, ainda assim é valor elevado para a maioria dos açorianos.

- pelo fato de não se ter estabelecido um teto máximo o valor desembolsado “à cabeça” pode ultrapassar as várias centenas de euros. Um constrangimento para quem tem de se deslocar por motivos urgentes e imprevistos e que penaliza os açorianos com rendimentos mais baixos.

- o abandono, sem aviso prévio, das rotas Faial, Pico e Santa Maria pela TAP. A TAP estava em pleno processo de privatização e o atual modelo, ao contrário do anterior, não previa qualquer indeminização compensatória para as rotas com OSP (Faial, Pico e Santa Maria).

- a Azores Airlines (SATA Internacional) assumiu as rotas açorianas com OSP (Faial, Pico e Santa Maria). Esta assunção das rotas não aconteceu por interesse comercial, mas por indicação do Governo Regional. Se assim não tivesse acontecido as ligações do Faial, Pico e Santa Maria a Lisboa, tinham acabado em 2015. O resultado foi o aumento do passivo da SATA por não ser ressarcida pelo serviço público.

foto by Aníbal C. Pires
A alteração ao modelo de transporte aéreo é uma exigência que deve ser assumida pelos Açores, não para dar satisfação aos argumentos do governo de Lisboa, mas para garantir o direito à mobilidade e ao não isolamento.

A privatização da TAP e o governo de Passos Coelho/Paulo Portas são os grandes responsáveis, desde logo pelo abandono das rotas com OSP, mas também pelo aumento exponencial do financiamento público que este modelo de transportes aéreos para a Região acarretou. Ao contrário do que foi dito na altura o mercado concorrencial, rotas de S. Miguel e Terceira, não contribuiu para a diminuição dos custos. O Estado paga mais do dobro, bem mais, do que pagava em até 2015.

Quanto à TAP julgo que ao longo do texto ficou claro a alusão que fiz, logo no início deste escrito, pelos efeitos negativos que a sua privatização produziu na Região. Em relação à ANA importa lembrar o abandono a que a VINCI tem votado o aeroporto de Santa Maria, mas também, e quem o afirmar o contrário só pode estar delirante, qualquer hipótese de ampliação da pista do aeroporto da Horta se, para tal, não existir financiamento público. As privatizações da ANA e da TAP, como de outras empresas estratégicas, prejudicaram e continuam a prejudicar os portugueses. É o liberalismo sem liberais, agora com as mãos livres o PS dará continuidade, mesmo sem liberais, às políticas liberais continuando a destruir os serviços públicos, como sejam, de entre outros, a saúde e a educação.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 01 de fevereiro de 2022


terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

não resistiram à tentação, agora não há remédio

créditos Açoriano Oriental

Os resultados eleitorais nos Açores têm a leitura que cada cidadão e organização social ou política lhes quiser fazer. 

São eleições com uma natureza diferente dos atos eleitorais para o PE, para a ALRAA e para as Autarquias, disso também ninguém tem dúvidas.

Se a legitimidade para analisar, os resultados de 30 de janeiro nos Açores, e extrapolar para eleições de outra natureza não está em causa, neste caso, a coligação AD (PSD/CDS/PPM) com as declarações feitas por José Manuel Bolieiro, aquando da apresentação da candidatura (em dezembro de 2021), abriu o flanco para essa extrapolação. 

Perante os resultados eleitorais José Bolieiro e Artur Lima consideram abusiva qualquer tipo de avaliação e análise que vá além da natureza destas eleições. Paulo Estêvão também, mas o deputado do PPM não resistiu a à extrapolação quando endereçou, por via do resultado nacional da CDU e do BE, um recado ao Nuno Barata e ao Pacheco lembrando-lhes que poderão ser penalizados eleitoralmente se, de alguma forma, contribuírem para por em causa a solução governativa nos Açores. 

Paulo Estêvão à semelhança de José Bolieiro, embora em tempos e compassos diferentes, conferiu, se para tal fosse necessário, maior legitimidade às análises que os cidadãos muito bem entenderem fazer. 

O circo político regional vai presentear-nos, ao longo dos próximos meses, com um novo espetáculo para alimentar as agendas mediáticas. Vou procurar estar atento, como atento estarei às dificuldades que os açorianos e aos efeitos das decisões políticas que, podendo não ser tão mediáticas como o espetáculo, afetam a qualidade de vida e o bem-estar do povo açoriano.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 01 de fevereiro de 2022


Aleida March (Guevara) - a abrir fevereiro

imagem retirada da internet




Lindas são as mulheres que lutam.

O "momentos" abre fevereiro com Aleida March, revolucionária e combatente cubana.