quinta-feira, 18 de abril de 2024

percurso

auto retrato 

Nos próximos dias estará nas livrarias um novo livro de poemas do qual sou autor. Poderia, mas não vou falar do livro nem fazer a sua apologia. Vou, tão-somente, deixar-vos algumas notas do percurso que me trouxe até às publicações em livro. 

Dir-se-á que ninguém melhor que o próprio reúne todo o conhecimento sobre o processo de partilha do que escreve e publica. Assim será, mas esse facto não me conforta, bem pelo contrário, a partilha da palavra escrita constitui-se como mais uma exposição pública o que, de todo, nunca me agradou, nem agrada. Eu sei, tive por outros motivos muita exposição no espaço público regional, e até poderia parecer que daí retirava alguma satisfação, nada mais errado, foi para mim muito, mas mesmo muito desgastante e sempre que podia refugiava-me num porto seguro. A exposição pública através da partilha da palavra escrita não tendo a mesma dimensão, mas, ainda assim, foi necessário saltar, com insegurança, algumas barreiras que eu próprio coloquei neste caminho.

A minha atividade como autor tem a sua génese nas páginas dos jornais regionais, aliás instrumento do qual, nem todos, mas alguns dos nossos escritores de renome se serviram para exercitar a construção literária de que hoje são verdadeiros mestres. Iniciei a minha colaboração na imprensa regional em 2003, passei pelo “Correio do Norte”, pelo “Açoriano Oriental”, pela “União”, pelo “Expresso das Nove”, pelo “Diário Insular” e, ainda, por alguns títulos digitais, como por exemplo, o “Açores 9” e o “Azores Digital”. Colaborei, também, na rádio como comentador na “Conversa a 4” na TSF Açores, na Rádio Clube de Angra e na 105 FM. Em televisão fui pontualmente comentador em programas de grande informação na RTP Açores e mantive na SMTV um programa semanal de outubro de 2018 até julho de 2019, aquando do seu encerramento. 

Como referi logo o início o tema de hoje não é de fácil abordagem. Afinal trata-se de falar de mim e não é uma tarefa fácil por várias ordens de razão, desde logo porque não gosto de me expor, nem de tomar a iniciativa para escrever ou falar sobre o que faço, não me importo de responder, quando sou questionado, mas por iniciativa própria não é coisa que me agrade. Por outro lado, a atividade desenvolvida no exercício pleno da minha cidadania, bem como as minhas publicações são conhecidas, ou pelo menos, para não parecer que estou a ser imodesto, e não é o caso, estão, a vida e as publicações, acessíveis ao conhecimento dos cidadãos.

Gosto mais de ouvir do que falar. Mas se é verdade que gosto mais de ouvir do que falar é, igualmente, verdadeiro que gosto mais de ler do que escrever e, naturalmente, leio muito mais do que escrevo, mas, a escrita seja na forma de ensaio, crónica ou poesia faz parte da minha vida, conquanto me tenha iniciado tardiamente nessas lides, talvez por ter outras prioridades, e como sou, ao contrário do que por vezes possa parecer, desorganizado e sem método nunca consegui gerir e organizar o tempo para além da minha vida familiar, profissional, cívica e política, de modo a criar condições para escrever. Não sei gerir o tempo. Tenho sempre tempo para os outros, nunca tenho, ou, raras vezes tenho tempo para mim. Bem agora já vou tendo. Estou aposentado e nessa condição tinha a expetativa que o tempo sobejasse. Pensava eu que sim, mas não, pois, continuo a ter uma intensa atividade que decorre do meu espírito inquieto e de muitas solicitações para colaborar em projetos aos quais continuo, como sempre fiz, a dar resposta positiva, a não ser que a agenda não permita mais entradas.

Cheguei precocemente à participação política engajada, à profissão e ao casamento. E esses três aspetos da minha vida constituíram-se nas minhas prioridades. O tempo, está bom de ver, não sobrava ou, pelo menos, eu não dava conta da existência de tempo livre para assumir outros encargos, quiçá por não saber gerir o tempo que restava.

A atividade profissional terminou recentemente. Foi uma longa carreira, mais de quarenta e seis anos de docência, embora oito, desses quarenta e seis, tenham sido dedicados à vida política a tempo inteiro. Uma carreira profissional de que me orgulho e ao longo da qual fiz tudo o que um professor pode fazer para além da docência. Do casamento que completa, em junho, quarenta e sete anos, resultaram três filhos, duas raparigas e um rapaz. E, sou avô de três netas. A militância partidária e o engajamento político aconteceram com alguma naturalidade ainda durante o ano de 1974 e continuarão enquanto respirar.

A escrita e a partilha de opinião entraram nas minhas rotinas, como já referi, em 2003 e mantêm-se. Em março de 2008, com a criação do meu blogue “momentos”, a escrita assumiu outros contornos e dei início à partilha dos primeiros textos poéticos, num processo que resultou, em grande parte, das minhas deambulações pelo arquipélago (ainda antes de ser eleito deputado). Da escrita foram resultando várias publicações: Imigrantes nos Açores – representações dos imigrantes face às políticas e práticas de acolhimento e integração (Tese de Mestrado), Edições Macaronésia, Ponta Delgada, 2010. O Outro Lado – palavras livres como o pensamento (poesia), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2014. Toada do Mar e da Terra – Volume I (2003/2008) (crónicas), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2017. O Encanto dos Sonhos (conto), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada 2019. Esperança Velha e outros poemas, (poesia), Edições Letras Lavadas, 2020. Destroços à Deriva, (poesia), Edições Letras Lavadas, 2024.

Uma das atividades que me foi dando mais prazer nos últimos anos foi a participação em festivais internacionais de poesia, dos quais destaco “Ronda Leiria Poetry” (2021), Mês da Poesia Estados Unidos (2021, 2022, 2023 e 2024), “Poesia Pela Liberdade”, organizado pelo WPM (2021), Red Carnation, organizado pelo WPM (2021), e o V Festival Internacional do Lugar de Los Escudos, México (2021). Dizer poesia tornou-se num dos meus prazeres.


Cheguei à escrita tardiamente. E tardiamente descobri este prazeroso tempo de intimidade e tranquila solidão. O tempo em que grafo no papel as palavras que, por diferentes motivações, partilho nas minhas publicações. Sendo prazeroso e solitário não é de autossatisfação, o tempo e o objeto que estão associados à escrita que tenho partilhado através das minhas publicações em livro, ou no meu blogue. É, ainda e sempre, um tempo de partilha e de intervenção. É ainda e sempre o professor que habita em mim, pois ser professor é ter a capacidade de partilhar conhecimento, mas sobretudo criar espaços de reflexão que induzam o pensamento crítico. Se atualmente ser professor não é isso, houve um tempo em que assim era.

Não sou um autor que trabalha as palavras como fazem alguns artífices das letras que as lapidam como se fossem diamantes. Direi que sou um eterno aprendiz de obreiro das palavras, o que já me satisfaz face a tudo o que fui fazendo ao longo da minha vida.

Se viver e conhecer os Açores teve importância em todos os aspetos da minha vida. Sim, claro que sim. Quando me fixei definitivamente na Região já trazia comigo o engajamento político, o casamento, duas filhas e a carreira profissional. Depois foi toda uma vida de descoberta e de intervenção que acabou por me levar à escrita. Se teria sido possível em qualquer outro lugar. Não sei, talvez. Mas nunca como nestas ilhas, embora a Beira Baixa e o seu povo, de onde sou oriundo, sejam fontes inesgotáveis de inspiração. 

Ponta Delgada, 15 de abril de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 17 de abril de 2024

terça-feira, 16 de abril de 2024

pequenos prazeres

Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.






(...) A escrita e a partilha de opinião entraram nas minhas rotinas, como já referi, em 2003 e mantêm-se. Em março de 2008, com a criação do meu blogue “momentos”, a escrita assumiu outros contornos e dei início à partilha dos primeiros textos poéticos, num processo que resultou, em grande parte, das minhas deambulações pelo arquipélago (ainda antes de ser eleito deputado). Da escrita foram resultando várias publicações: Imigrantes nos Açores – representações dos imigrantes face às políticas e práticas de acolhimento e integração (Tese de Mestrado), Edições Macaronésia, Ponta Delgada, 2010. O Outro Lado – palavras livres como o pensamento (poesia), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2014. Toada do Mar e da Terra – Volume I (2003/2008) (crónicas), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2017. O Encanto dos Sonhos (conto), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada 2019. Esperança Velha e outros poemas, (poesia), Edições Letras Lavadas, 2020. Destroços à Deriva, (poesia), Edições Letras Lavadas, 2024.

Uma das atividades que me foi dando mais prazer nos últimos anos foi a participação em festivais internacionais de poesia, dos quais destaco “Ronda Leiria Poetry” (2021), Mês da Poesia Estados Unidos (2021, 2022, 2023 e 2024), “Poesia Pela Liberdade”, organizado pelo WPM (2021), Red Carnation, organizado pelo WPM (2021), e o V Festival Internacional do Lugar de Los Escudos, México (2021). Dizer poesia tornou-se num dos meus prazeres. (...)


a ocidente da ultraperiferia

Uma feliz coincidência que resulta de um convite da Área Sindical das Flores (SPRA), ao qual as Câmaras Municipais das Flores se associaram, vai acontecer a primeira apresentação pública do livro “Destroços à Deriva”. 

Apresentar o meu último livro de poemas na ilha das Flores tem, para mim, um profundo significado. Numa Região como os Açores onde, por força das circunstâncias geográficas, mas também pela vontade dos homens, existe uma tendência para a centralização. Promover a apresentação de um livro de poemas numa das ilhas periféricas da ultraperiferia é, só por si, um acontecimento que não posso deixar de realçar.




Hoje (16 de abril), pelas 20h30mn, no Museu das Lajes das Flores, vou dinamizar uma conversa/tertúlia sobre os “50 anos do 25 de Abril”. Seguindo-se a primeira apresentação pública, por Gabriela Silva (escritora), do livro “Destroços à Deriva”.


Amanhã (dia 17 de abril) durante a manhã e a tarde estarei com os alunos do 3.º CEB e Secundário da EBS das Flores para conversar sobre “Educação e o 25 de Abril”, mas também sobre livros e leitura. 




À noite (dia 17 de abril), pelas 20h30mn, no Centro Cultural de Santa Cruz, terá lugar uma conversa/tertúlia sobre os “50 Anos do 25 de Abril” e a apresentação pública, por Lília Silva (professora), do livro “Destroços à Deriva”.

Agradeço à Área Sindical das Flores (SPRA), à Câmara Municipal das Lajes das Flores e à Câmara Municipal de Santa Cruz das Flores.

Bem hajam!

Aníbal C. Pires, Santa Cruz das Flores (Hotel Servi Flor), 16 de abril de 2024


quarta-feira, 10 de abril de 2024

a caminho das livrarias

É chegada a hora de desvendar alguns pormenores do livro de poemas “Destroços à Deriva”.

Um novo projeto com a habitual parceria de Ana Rita Afonso, autora da capa e das ilustrações concebidas para os poemas.

Fica a capa e um pequeno excerto do texto introdutório.

(…) A Ana Rita Afonso, companheira de viagem nas minhas incursões literárias, junta-se, de novo, a este projeto editorial. A fusão das palavras com as artes plásticas valoriza, diversifica e atrai novos públicos. As palavras chegam mais longe em virtude da arte pictórica e, esta, por sua vez chega a outros públicos, ainda que as ilustrações, por si só tenham um valor intrínseco e possam constituir-se como uma expressão artística autónoma, ou mesmo independente dos poemas, o mesmo se poderá dizer das palavras. (…)


terça-feira, 2 de abril de 2024

Ermitérios

imagem retirada da internet - farol Gonçalo Velho

Os faróis são lugares místicos com uma função bem terrena: sinalizar os caminhos do mar.

Os faróis convocam a imaginação e atraem-nos às mais altas falésias e alcantilados promontórios. São lugares invulgarmente sublimes, lugares de contemplação do mar imenso, lugares onde se chega pelos trilhos da beira terra, em direção à beira-mar, ou pelos atalhos do mar até uma pequena e arredada ilha onde se ergue, grandioso e robusto, um farol. 


Os faróis seduzem, deixamo-nos seduzir, e vamos. Vamos olhar o mar até à linha do horizonte, lá onde moram todas as utopias, vamos ver as aves marinhas no seu voejar planado, vamos observar as formas arquitetónicas e a sua capacidade de resistência às intempéries que, não poucas vezes, se abatem sobre aqueles belos, mas inóspitos lugares.

Se o sítio for visitável e o faroleiro um bom anfitrião não resistimos a entrar e a subir as íngremes e acanhadas escadas que nos levam ao topo onde a função do farol se cumpre.

A singularidade da arquitetura adaptada ao propósito, a beleza e a quietude da geografia onde se situam as luminárias que alumiam os caminhos do mar, constituem-se como os principais elementos que nos despertam interesse e atração, mas outras, subjetivas e indefinidas, razões, e talvez por isso, por serem do domínio do imaginário, sejam tão, ou mais, importantes no fascínio que os faróis e outros lugares de solidão exercem sobre nós. 

O magnetismo que emana dos faróis, dos moinhos, dos mosteiros e conventos, das ilhas desertas, cativa-nos e atrai-nos, e, tem sido objeto de variadas narrativas literárias, algumas adaptadas ao cinema, ou mesmo escritas com o propósito de argumentos para produções cinematográficas.

foto de Madalena Pires
Os ermitérios são uma inesgotável fonte para a criação de mitos e estórias sobre o isolamento, a solidão, o desterro, a loucura, o erotismo, o assombramento, ou mesmo de crimes macabros e irresolúveis.

O imaginário popular é fértil na criação de estórias e mitos sobre os lugares ermos, ou não o sendo se encontrem circunscritos por altos muros, mitos e reclusão forçada, ou não, aos quais se associam personagens com caraterísticas invulgares. Variam os lugares e os personagens consoante a função da estrutura edificada, ou mesmo, na inexistência dela, se o eremita se acomoda numa cavidade natural. O que não se altera é a narrativa fantasmagórica transmitida na tradição oral sobre esta gente e estes lugares. 

Quando criança, nas noites de inverno, ouvi muitas estórias, de lugares e pessoas, verdadeiramente assustadoras para as quais, só muito mais tarde, encontrei algumas explicações que justificavam os “fenómenos” e os comportamentos excêntricos de alguns cidadãos que viviam, por opção, por necessidade, pela fé, ou por razões de ordem profissional, afastados das comunidades que lhes estavam na proximidade.

As estórias fantasmagóricas que ouvi na minha infância sobre lugares ermos e sobre eremitas fizeram e continuam a fazer parte do meu imaginário, atualmente sem os temores que sobre mim exerceram na infância e retardavam a chegada do sono pois, qualquer ruído, das antigas casas da aldeia onde costumava passar algumas temporadas, para o qual se não encontrasse, de imediato, uma explicação plausível era relacionado com as estórias ouvidas ao serão e a sonolência transformava-se em vigília até que o sono se voltasse a instalar.

O passar do tempo e o conhecimento que vem com ele afastou os pavores, mas ficou a atração pelos ermitérios e pelos eremitas, quer estes o sejam por opção, ou por necessidade de ordem profissional. Este fascínio não será tanto pelo facto de se estar só, e entenda-se estar só não é necessariamente sinónimo de solidão, mergulhados em profunda solidão podemos estar rodeados da turba e a viver no centro de uma grande urbe. 

foto de Aníbal C. Pires

Se o isolamento, por ser inusual, desperta interesse em muitos de nós que consideramos esse comportamento fora dos padrões comportamentais e por vezes chegam a merecer a atenção da academia e a elevação à condição de objeto de estudo. Mas são os lugares, pela sua localização, pela sua arquitetura e pela função que me fascinam nos ermitérios, sejam eles lugares ermos, nas periferias, ou mesmo dentro da malha urbana de grandes cidades. Espaços fechados aos olhos do mundo e onde se enclausuram voluntariamente cidadãos que se afastam do mundo e dos seus concidadãos, não será como ir para uma ilha deserta, mas, nos tempos que correm, ir para uma ilha deserta não é, digamos, uma opção ao alcance de todos e quem pode, por norma, faz-se acompanhar não está nunca sozinho, conquanto possa carregar o peso da solidão.

Os moinhos de vento situam-se em colunas verdejantes, os moinhos de água, ou azenhas, junto dos cursos de água, os mosteiros e conventos podem até não se localizar em lugares ermos, mas a sua localização e arquitetura deslumbram. Os lugares naturais ou urbanos onde se edificam estruturas para acolher quem, por vontade própria ou pelo exercício de uma atividade profissional, está em isolamento, mesmo que acompanhado, encantam-me.

Outros ermitérios, como as prisões, por mais belos e singulares que sejam os lugares onde estão implantados provocam outros sentimentos, o interesse histórico e literário.

A prisão de Alcatraz, a ilha de Santa Helena, a ilha do Diabo, Robben Island, são conhecidas como temíveis prisões e territórios e sobre elas existem inúmeras narrativas ficcionadas com fundamento em acontecimentos reais, mas também estórias bem reais como seja o longo encarceramento de Nelson Mandela (Robben Island). 

Sobre as prisões e as inevitáveis fugas e tentativas de fuga existam estórias reais que pelos seus contornos não necessitam, sequer, de ser ficcionadas e romantizadas.

Menos conhecidas e fora do foco de escritores e cineastas são algumas das prisões do fascismo português por onde passaram milhares de homens e mulheres que lutaram pela democracia e pela liberdade para Portugal. O Tarrafal, o Aljube, Caxias, Peniche, e o Forte de S. João Baptista são, de entre outros, nomes que nos são familiares, embora nem sempre se conheça a história destes lugares de isolamento, tortura e morte. 

o Chrysler utilizado na fuga de Caxias
 Museu do Caramulo

A fuga solitária de Dias Lourenço da prisão de Peniche, a 17 de dezembro de 1954, a fuga preparada e concretizada, a 4 de dezembro de 1961 por um grupo de militantes do PCP, na qual António Tereso foi um elemento fundamental pois o carro utilizado para sair da prisão era de Salazar e, o Tereso teve de conquistar a confiança dos guardas e do Diretor da prisão, passando por traidor (rachado) junto dos seus camaradas, mas também a fuga de Peniche, de Álvaro Cunhal, a 3 de janeiro de 1960,  em conjunto com Álvaro Cunhal, Carlos Costa, Francisco Miguel, Francisco Martins Rodrigues, Guilherme Costa Carvalho, Jaime Serra, Joaquim Gomes, José Carlos, Pedro Soares e Rogério Carvalho além de um soldado da GNR. Muitas outras fugas das prisões do fascismo aconteceram e todas elas revelam audácia e coragem.

As prisões do fascismo não se esgotam nas referências já feitas a algumas delas, mas para percebermos que a dimensão do aparelho repressivo do fascismo português não se resume apenas às cadeias a que aludi outras, menos divulgadas, existiram nos territórios colonizados, apara além de Cabo Verde, já mencionado na referência ao Tarrafal, Guiné, Angola, Moçambique e Timor tiveram os seus funestos presídios. Estas cadeias eram em tudo semelhante ao Campo de Concentração do Tarrafal. A diferença, segundo o Dr. Luís Farinha, antigo diretor do Museu do Aljube é que: “os seus «habitantes» forçados não tiveram ninguém que lhes guardasse a memória.”

No ano em que se comemoram os 50 anos de Abril é nossa obrigação trazer para o presente as memórias de um passado obscuro, ditatorial e repressivo que alguns louvam e gostariam de ressuscitar, mas também se constitui uma obrigação afirmar os valores da liberdade e da democracia pela qual se lutou e luta.  

Ponta Delgada, 2 de abril de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 5 de abril de 2024

lugares de isolamento...

imagem retirada da internet



Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) Outros ermitérios, como as prisões, por mais belos e singulares que sejam os lugares onde estão implantados provocam outros sentimentos, o interesse histórico e literário.

A prisão de Alcatraz, a ilha de Santa Helena, a ilha do Diabo, Robben Island, são conhecidas como temíveis prisões e territórios e sobre elas existem inúmeras narrativas ficcionadas com fundamento em acontecimentos reais, mas também estórias bem reais como seja o longo encarceramento de Nelson Mandela (Robben Island). 

Sobre as prisões e as inevitáveis fugas e tentativas de fuga existam estórias reais que pelos seus contornos não necessitam, sequer, de ser ficcionadas e romantizadas.

Menos conhecidas e fora do foco de escritores e cineastas são algumas das prisões do fascismo português por onde passaram milhares de homens e mulheres que lutaram pela democracia e pela liberdade para Portugal. O Tarrafal, o Aljube, Caxias, Peniche, e o Forte de S. João Baptista são, de entre outros, nomes que nos são familiares, embora nem sempre se conheça a história destes lugares de isolamento, tortura e morte. (...)


segunda-feira, 1 de abril de 2024

Maria Lamas - a abrir Abril


Maria Lamas
é uma incontornável figura da luta pela emancipação das mulheres em Portugal e no Mundo. Foi uma destacada militante na luta pela paz e cooperação.



Esta militante do Partido Comunista Português deixou um importante legado de intervenção social e política que importa relevar pois, ela como muitas outras portuguesas e portugueses contribuíram com o seu trabalho e intervenção para o esclarecimento e tomada de consciência social e política de importantes setores da população portuguesa.




Não foi por acaso que a 25 de Abril de 1974 as ruas de Lisboa se encheram de mulheres e homens com o rosto iluminado pela felicidade do fim do regime opressor, apoiaram a revolta militar e transformaram-na numa revolução.   


quarta-feira, 20 de março de 2024

“… com botas cardadas ou pezinhos de lã”

foto Aníbal C. Pires
O programa do XIV governo regional dos Açores foi apresentado, discutido e aprovado na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA). Foi a abstenção parlamentar que viabilizou, sem surpresa, a aprovação do programa de governo. Não fiquei surpreendido pois, os partidos que se abstiveram têm um discurso recheado de intenções e linhas vermelhas e uma prática política utilitária em nada coerente com o discurso político inflamado que os carateriza. A viabilização do programa de governo serve os interesses políticos imediatos dos abstencionistas parlamentares. A aprovação do programa de governo fica, assim, a dever-se ao calculismo político e pouco, ou nada, ao que ali é declarado como intenção governativa pois, as opções de voto do Chega, da IL e do PAN foram, como já referi, meramente utilitárias e não aconteceram fundadas em análises e avaliações do programa que viabilizaram. Surpresa só para quem acredita no Pai Natal.

Tenho de reconhecer, depois de ter lido o programa do XIV governo regional, que José Manuel Bolieiro, como publicamente tinha anunciado, apresentou um programa de continuidade, ou seja, vamos continuar a trilhar um penoso caminho. 

O programa de governo pode ser bom ou mau consoante as diversas leituras que podem ser feitas ao documento que, para já, consiste apenas numa mera declaração de intenções, mas que conforma uma matriz ideológica liberal e assistencialista que não assegura progresso, desenvolvimento e justiça social. 

Imagem retirada da internet
Os olhares alinhados com a ideologia dominante dirão que o programa é satisfatório ou, mesmo, bom, outros olhares dirão que as assimetrias se vão aprofundar, as disparidades na coesão regional e na injustiça social vão aumentar e, por consequência, o aumento da exclusão, da pobreza e das dependências. As políticas de “continuidade reformista” que o programa do XIV governo regional espelha tendem a manter, sem solução, os graves problemas sociais e económicos que persistem nos Açores, pelas suas caraterísticas geográficas, mas sobretudo pela satisfação de clientelas e opções ideológicas dos sucessivos governos regionais.

O governo, no programa agora aprovado, afirma que existe um continuado crescimento económico (importaria aferir da sua sustentabilidade), mas não tem uma única medida que seja para redistribuir a riqueza criada.

O programa de governo propõe um modelo político ancorado na economia social e de mercado, reservando para a governação, apenas, o papel de regulador. Nem a Iniciativa Liberal seria tão clara nos propósitos, conquanto os motivos tornados públicos para a sua abstenção tenham sido os da estabilidade política.

O programa de governo reflete, naturalmente, o que os parceiros da coligação de direita pretendem para a sociedade açoriana o que, na minha modesta opinião, significa que vamos continuar na cauda das regiões europeias com indicadores de desenvolvimento humano indignos. E não se trata de nenhuma avaliação sobre as qualidades e qualificações políticas dos protagonistas, trata-se do projeto político ao qual estão vinculados que, sendo de “continuidade reformista”, vai promover a concentração da riqueza e o empobrecimento dos trabalhadores.   

A discussão parlamentar de análise, discussão e aprovação do programa do XIV governo regional aconteceu no rescaldo dos resultados eleitorais para a Assembleia da República. Os entendimentos conseguidos pelo PSD Açores poderão, ou não, servir como modelo para uma solução governativa semelhante na República. Veremos! Os resultados ainda não foram apurados, estão por atribuir os deputados (4) dos círculos eleitorais da emigração, embora não se esperem alterações de monta que coloquem em causa a escassa vitória da AD que o PS, na noite eleitoral, se apressou a reconhecer e da qual o PSD fez um foguetório, sempre com beneplácito da acrítica comunicação social, como se uma vitória expressiva se tratasse.

Se na noite eleitoral a comunicação social empolou, enquanto foi possível, a vitória da direita, de igual forma a comunicação social ajudou a construir estes e não outros resultados eleitorais.

imagem retirada da internet
As eleições em Portugal foram ganhas pela opinião mediática. A construção mediática do resultado só foi possível pela elevada iliteracia política e funcional que carateriza os portugueses. Não terá sido só, outras razões se poderão aduzir a estas, mas a parcialidade da comunicação social foi determinante para que o justo descontentamento dos portugueses se tivesse transformado no apoio a propostas políticas que os penalizarão ainda mais.

Os mais desprendidos ou pragmáticos dirão que é a democracia a funcionar, eu direi que não. O que funcionou foi a moldagem e a manipulação do pensamento que os “donos do mundo” promovem e financiam, ao qual se pode associar os resquícios da herança do fascismo português que continua a colher adesão.

Vi por aí escrito, algures numa rede social, que os eleitores deram esta dimensão à extrema-direita, mas não professam ideais fascistas. Eu tenho as minhas dúvidas, o voto pode até ter sido de protesto, mas foi também um voto de identificação com a xenofobia e o racismo e outras formas de discriminação. Se assim não fosse o protesto teria sido distribuído pela ampla oferta de opções eleitorais para além dos partidos alternantes no poder em Portugal.

imagem retirada da internet
As populações mais fragilizadas social e economicamente e as que são vítimas do “menos Estado melhor Estado”, esta tese liberal que resultou (resulta sempre) na degradação dos serviços públicos, seja na saúde, seja na educação, seja no apoio social, mas também na desvalorização do trabalho e dos trabalhadores e na delapidação do setor público, estes são motivos mais do que suficientes para que os eleitores do interior norte e centro e dos territórios a Sul do Tejo tenham manifestado o seu desagrado pelo abandono a que têm sido sujeitos, embora tenham optado por dar apoio eleitoral aos autores e cúmplices das políticas e procedimentos que estão na base do seu descontentamento.

Os concelhos e distritos mais penalizados pelo abandono dos governos de Lisboa sinalizaram o seu protesto dando apoio eleitoral ao discurso antissistema profusamente reproduzido pelos órgãos de comunicação social de massas. Se é justo o protesto dos eleitores já não poderei dizer o mesmo da sua opção eleitoral que demonstra a permeabilidade dos cidadãos ao discurso boçal e medíocre utilizado para despertar sentimentos primários que contrariam toda a evolução social que, julgava eu, estava bem consolidada no seio das sociedades do chamado mundo ocidental, por outro lado, esta opção eleitoral é, também, reveladora dos efeitos da infantilização e estupidificação a que temos sido sujeitos. 

A ascensão da direita e da extrema-direita tem-se verificado um pouco por toda a União Europeia e, mais tarde ou mais cedo chegaria a vez de Portugal. O crescimento desmedido da extrema-direita, não tendo constituído uma surpresa, é preocupante e representa um retrocesso civilizacional num espaço geográfico, político e social que diz, de si próprio, ser uma referência dos valores democráticos e defesa das liberdades. O “jardim” de Josep Borrel, pela sua própria natureza, está a perder o viço. Com “botas cardadas ou pezinhos de lã” o fascismo recrudesce e, qual erva daninha asfixia os espaços de liberdade e democracia.

Ponta Delgada, 19 de março de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 20 de março de 2024

terça-feira, 19 de março de 2024

dúvidas...!? algumas.

imagem retirada da internet

Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.



(...) As eleições em Portugal foram ganhas pela opinião mediática. A construção mediática do resultado só foi possível pela elevada iliteracia política e funcional que carateriza os portugueses. Não terá sido só, outras razões se poderão aduzir a estas, mas a parcialidade da comunicação social foi determinante para que o justo descontentamento dos portugueses se tivesse transformado no apoio a propostas políticas que os penalizarão ainda mais.

Os mais desprendidos ou pragmáticos dirão que é a democracia a funcionar, eu direi que não. O que funcionou foi a moldagem e a manipulação do pensamento que os “donos do mundo” promovem e financiam, ao qual se pode associar os resquícios da herança do fascismo português que continua a colher adesão.

imagem retirada da internet

Vi por aí escrito, algures numa rede social, que os eleitores deram esta dimensão à extrema-direita, mas não professam ideais fascistas. Eu tenho as minhas dúvidas, o voto pode até ter sido de protesto, mas foi também um voto de identificação com a xenofobia, o racismo e outras formas de discriminação. Se assim não fosse o protesto teria sido distribuído pela ampla oferta de opções eleitorais para além dos partidos alternantes no poder em Portugal. (...)

terça-feira, 12 de março de 2024

Abril é mais futuro

foto de Madalena Pires
Texto publicado na edição especial de "O Barbilho" que assinala o cinquentenário do 25 de Abril


Construção embargada - Abril é mais futuro


futuro adiado

não é este o futuro
que as portas de Abril abriram
este é o presente
fechado em novembro

In "Esperança Velha e outros poemas", Aníbal C. Pires, Letras Lavadas, 2020


“Abril” é uma quimera por cumprir que habita o sonho dos portugueses que mantêm bem viva a esperança num país novo. Um país mais justo, mais fraterno, mais livre. “Abril” é a utopia que nutre a luta e a caminhada que se iniciou no dia, em que felizes rolaram livres as lágrimas na face de um povo oprimido.

Falar do 25 de Abril e da Constituição, que consagrou os principais valores de Abril, não significa falar do passado ou assinalar as correspondentes efemérides, por mais importante e significativo que isso seja. Falar da Revolução de Abril, comemorar “Abril”, é falar do presente e projetar o futuro.

A Liberdade, a Democracia, a Justiça Social, a Paz e a Soberania conquistadas, em 1974, pelo Povo Português foram consagradas na Constituição da República, aprovada a 2 de Abril de 1976, uma das mais avançadas e progressistas do século XX, projetando os valores da Revolução de Abril, reconhecendo e dando suporte aos direitos, conquistas e às profundas transformações e mudanças que foram protagonizadas pelo Povo Português. Apesar das distorções que as sucessivas revisões constitucionais introduziram ao texto inicial, a Constituição continua a ser um suporte fundamental e indispensável na regulação da nossa vida democrática, e o garante de importantes direitos políticos, económicos sociais e culturais dos trabalhadores e do povo.

imagem retirada da internet
A Constituição assume um conceito holístico de democracia. A democracia por inteiro tem de ser política, económica, social e cultural. Na Constituição inscrevem-se os direitos dos trabalhadores como intrínsecos à democracia, desde os direitos sindicais aos direitos laborais e à justiça, à segurança no emprego, a uma redistribuição mais justa da riqueza com a efetivação do direito a salários mais justos, a horários de trabalho mais dignos. Nela se expressa o direito ao trabalho para todos e a execução de políticas económicas de pleno emprego. Nela se reconhece às mulheres o direito à igualdade no trabalho, na família e na sociedade e importantes direitos às crianças, aos jovens, aos reformados e aos cidadãos com deficiência. Nela se proclama a exigência da subordinação do poder económico ao poder político e a incumbência ao Estado de dar prioridade às políticas económicas e de desenvolvimento que assegurem o aumento do bem-estar social, a qualidade de vida das pessoas, a justiça social e a coesão económica e social de todo o território nacional. Nela estão consignadas as obrigações do Estado em relação a domínios tão importantes como os da educação e do ensino, da saúde, da segurança social, da cultura. Nela subsistem princípios fundamentais para a organização do Estado, como a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público, mas também a autonomia do Poder Local democrático e consagrou a histórica aspiração dos Povos Insulares à Autonomia. Nela se estipulam os princípios que devem nortear as relações internacionais e pelas quais Portugal se deve reger – da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos e da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados, o desarmamento e a dissolução dos blocos militares.

Apesar de “novembro” e das sucessivas revisões a Constituição da República Portuguesa consagra, ainda, o essencial do projeto político procedente da Revolução de Abril. No presente defender “Abril” é defender a Constituição e exigir o seu cumprimento.


foto Aníbal C. Pires

do 25 de Abril
 
abril é
um amor que resiste 
uma construção embargada 
uma lágrima de alegria
uma poesia por recitar

abril não é
passado
abril é
futuro
abril é
um sonho por cumprir

In “Esperança Velha e Outros Poemas”, Aníbal C. Pires, Letras Lavadas, 2020




Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 12 de novembro de 2023


nota breve

As eleições em Portugal foram ganhas pela opinião mediática.

A construção mediática do resultado só foi possível pela elevada iliteracia política e funcional que carateriza os portugueses. Não terá sido só, outras razões se poderão aduzir a estas, mas por agora fica apenas este registo.

Os mais desprendidos ou pragmáticos dirão que é a democracia a funcionar, eu direi que não. O que funcionou foi a moldagem e a manipulação do pensamento que os “donos do mundo” promovem e financiam, ao qual se pode associar a ressuscitação de bolorentos pensamentos salazaristas aos quais os portugueses continuam a aderir.

Vi por aí escrito, algures numa rede social, que os eleitores deram esta dimensão à extrema-direita, mas não professam ideais fascistas. Eu tenho as minhas dúvidas, o voto pode até ter sido de protesto, mas foi também um voto de identificação. Se assim não fosse o protesto teria sido distribuído pela ampla oferta de opções eleitorais para além dos partidos alternantes no poder em Portugal.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 11 de março de 2024


sexta-feira, 8 de março de 2024

dia da Mulher

Rosa Luxemburgo (1871-1919)

Celebra-se hoje o Dia Internacional da Mulher.

E esta frase de Rosa Luxemburgo (1871-1919) continua a ser tão atual como quando ela a proferiu.




"Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres."

Rosa Luxemburgo.


quarta-feira, 6 de março de 2024

“Semear em março, para colher Abril!”

imagem retirada da internet
O XIV governo regional dos Açores tomou posse. Sobre as personalidades que o integram nada tenho a dizer, conquanto as dúvidas sobre a convivência pacífica deste elenco e o seu desempenho sejam mais que muitas. Aguardo pelo programa de governo para ajuizar do projeto político para esta legislatura que se antevê de curta duração, face ao posicionamento dos partidos políticos que lhe podem conferir durabilidade, não digo estabilidade pois, com a inconstância de posicionamentos de alguns dos agentes políticos que compõem o atual parlamento regional, estejam sozinhos ou agrupados, não vislumbro que a estabilidade seja apanágio deste período da vida política regional. 

Como sempre, será a população a pagar os desmandos da satisfação de interesses políticos pessoais e dos grupos que beneficiam com as respostas políticas que perpetuam o histórico atraso destas ilhas. A afirmação anterior tem subjacente um juízo de valor sobre o desempenho e o projeto político do novo governo regional. 

Sim é verdade! Mas não o faço de forma gratuita pois, foi José Manuel Bolieiro que o disse, quando em declarações recentes, após ter dado conhecimento do novo elenco governativo, ao afirmar: “Nesta nova composição do XIV Governo aponto para um exercício de continuidade. Existem pequenos ajustamentos, mas o governo terá praticamente todos os membros do governo que fizeram parte do XIII Governo, a orgânica também tem meros ajustamentos. É, por isso, um governo e uma governação de consistência e de continuidade com uma visão reformista…”; com estas palavras do presidente do governo regional é legítimo afirmar que nada se vai alterar, ou seja, as crónicas dificuldades sociais e económicas que nos situam na cauda das regiões europeias com os piores índices de desenvolvimento vão ter consistência e continuidade, mas com uma visão reformista, seja lá o que isso for atualmente pois, o “reformismo” já foi uma doutrina política adotada pelo socialismo democrático (social democracia) coisa que os partidos, da coligação governamental, desde logo o PSD, não são.

imagem retirada da internet

Os deputados eleitos a 4 de fevereiro tomaram posse e constituíram-se em grupos e representações parlamentares. O grupo parlamentar do PSD tem 23 deputados (mais 2 que na legislatura anterior), o grupo parlamentar do PS tem 23 deputados (menos 2 que na legislatura anterior), o grupo parlamentar do CDS tem 2 deputados (menos 1 que na legislatura anterior), o PPM tem 1 deputado (menos 1 que na legislatura anterior e perdeu o estatuto de grupo parlamentar), o Chega tem 5 deputados (mais 3 que os eleitos na legislatura anterior), o BE tem 1 deputado (menos 1 que na legislatura anterior e perdeu o estatuto de grupo parlamentar), a IL tem 1 deputado (mantém o mesmo número), o PAN tem 1 deputado (mantém o mesmo número). Estes dados desagregados têm alguma importância para melhor compreender a maioria relativa da coligação PSD, CDS e PPM.

O CDS, de 3 para 2, e o PPM de 2 para 1, perderam 2 deputados a favor do PSD que passou de 21 para 23. A comunicação social e mesmo as forças partidárias em presença não se têm referido a este facto, nem à igual dimensão dos grupos parlamentares do PSD (23) e do PS (23). Valorizou-se a vitória da coligação como se esse triunfo fosse, inequivocamente, um grande êxito. Mas, em boa verdade, a coligação tripartida tem exatamente o mesmo número de deputados de que dispunha na legislatura anterior, os mesmos 26, agora distribuídos de forma diferente e com o CDS e o PPM a perderem terreno no contexto parlamentar o que, ainda assim, não foi suficiente para o PSD abdicar da presença do CDS e do PPM no novo elenco governativo. 

A ânsia do poder tem razões que a razão desconhece. Já não refiro a ética pois essa há muito que anda arredada da política regional, vale tudo, a qualquer preço, desde que se garanta um lugar à mesa onde se distribuem influências e se satisfazem egos políticos. 

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O parlamento regional tem uma configuração diversificada e uma maioria de direita (PSD, CDS, Chega, IL e PPM). O PS e o BE ocupam o espaço da esquerda parlamentar e deles se espera uma oposição firme à direita parlamentar. Veremos! O PAN não se sabe muito bem para que lado tomba, é assim como um catavento a apontar para a direção que melhor satisfaça os interesses políticos do seu porta-voz. O PAN não é carne nem é peixe, mas também não é vegetariano e muito menos vegano.

Com este quadro parlamentar e com este poder executivo não se pode esperar a adoção de medidas políticas que se traduzam na melhoria da vida dos açorianos. A direita governa para os grandes grupos económicos, promove a concentração da riqueza e o empobrecimento da generalidade dos cidadãos que vivem do seu trabalho (trabalhadores, micro, pequenos e médios empresários). Nada mudou, aliás como demonstram os resultados eleitorais. Alteração, a vir a acontecer, dependendo de eventuais entendimentos partidários, será a radicalização das políticas de direita que, como se sabe, só produzem mais desigualdade, mais intolerância, mais retrocesso civilizacional, mais exclusão, mais dependências.

Nos Açores as posições partidárias estão, diria eu, extremadas o que pode indiciar que a durabilidade deste governo seja de apenas alguns meses. Mas, há sempre um mas, tudo está dependente do que as eleições nacionais de 10 de março ditarem. As posições partidárias, na Região, irão ajustar-se consoante os resultados nacionais de partidos como o Chega, a IL, e a coligação de direita (PSD/CDS/PPM) e do quadro de maiorias parlamentares que se vier a verificar.

As sondagens são para todos os gostos e a sua utilidade é perversa, servem apenas para condicionar o voto dos cidadãos que, perante um determinado cenário, abdicam do voto esclarecido para o chamado “voto útil”, o que se constitui como uma inutilidade, e, bastas vezes, coloca em causa a boa governança, veja-se o resultado da governação da atual maioria absoluta, recue-se à legislatura de 2015 a 2019 e façam-se as devidas comparações. 

Os resultados alternantes das sondagens, hoje ganha o PS amanhã ganha a AD, são um bom exemplo da continuada e promovida bipolarização, alimentada por politólogos e comentadores, que beneficia o bipartidarismo e enfraquece a democracia. 

imagem retirada da internet

A cobertura da campanha eleitoral em curso é um exemplo acabado do que acabo de afirmar. Tempos reduzidos de debate entre os protagonistas e infindáveis tempos para o comentário. Tudo isto como se os espetadores necessitassem de uma iluminada mediação para compreenderem o que os dirigentes partidários dizem e debatem, e assim se constrói uma opinião mediática que a generalidade dos cidadãos adota como sua. Não é de agora, mas tem-se agudizado. A chamada opinião pública é cada vez menos de ordem pessoal e coletiva e cada vez mais o resultado da opinião mediática, isto é, a opinião forma-se não pelo conhecimento estruturado, mas através de clichés, análises do acessório e de meias-verdades, sempre enganosas, veiculadas pela generalidade dos comentadores com estatuto de politólogos.

Os resultados eleitorais de 10 de março podem fazer-nos recuar aos períodos da austeridade e do empobrecimento, ou ao período em que foi demonstrado que o crescimento económico e o desenvolvimento são compagináveis com o aumento dos rendimentos do trabalho e dos direitos. A opção eleitoral dos portugueses, mais do que conferir uma vitória relativa ao PS ou à AD, vai ditar uma maioria parlamentar de direita ou de esquerda, e isso é o que está verdadeiramente em jogo.

Só com o reforço eleitoral e parlamentar de quem defende a consigna: “Semear em março, para colher Abril!”, será possível assegurar uma política à esquerda, o PS sozinho governa à direita, o reforço eleitoral de quem traduz a sua atuação política na defesa dos valores de Abril é contribuir para acabar com os sonhos de poder da extrema-direita. Não deixemos que se cerrem as portas que Abril abriu.

Ponta Delgada, 5 de março de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 6 de março de 2024

pelo 103.º aniversário do PCP

O PCP comemora hoje 103 anos de existência, de resistência e de luta por um país mais justo, independente e desenvolvido.

O PCP é hoje, como foi durante a longa noite fascista, alvo dos mais soezes ataques alimentados pelos seus inimigos de classe.

A direita liberal, base de todos os fascismos, reergueu-se pela mão dos oligopólios apátridas que dominam a política nacional, da União Europeia e dos Estados Unidos.

As corporações mediáticas dão voz aos populistas liberais e alimentam o anticomunismo primário. Cumprem o seu papel enquanto parte dos conglomerados empresariais que ditam as agendas “informativas”.

O PCP mantém-se fiel aos princípios e, por isso, não morreu, nem morre, como amiúde têm vaticinado os acólitos do mercado, do liberalismo e do fascismo.

Viva o PCP!






Ao meu Partido - poema de Pablo Neruda


Deste-me a fraternidade para com o que não conheço
Acrescentaste à minha a força de todos os que vivem
Deste-me outra vez a pátria como se nascesse de novo
Deste-me a liberdade que o solitário não tem
Ensinaste-me a acender a bondade, como um fogo
Deste-me a rectidão de que a árvore necessita
Ensinaste-me a ver a unidade e a diversidade dos homens
Mostraste-me como a dor de um indivíduo morre com a vitória de todos
Fizeste-me edificar sobre a realidade como sobre uma rocha.
Tornaste-me adversário do malvado e muro contra o frenético
Fizeste-me ver a claridade do mundo e a possibilidade da alegria
Tornaste-me indestrutível, porque, graças a ti, não termino em mim mesmo


terça-feira, 5 de março de 2024

uma vitória assim-assim

foto de Aníbal C. Pires




Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.






(...) O CDS, de 3 para 2, e o PPM de 2 para 1, perderam 2 deputados a favor do PSD que passou de 21 para 23. A comunicação social e mesmo as forças partidárias em presença não se têm referido a este facto, nem à igual dimensão dos grupos parlamentares do PSD (23) e do PS (23). Valorizou-se a vitória da coligação como se esse triunfo fosse, inequivocamente, um grande êxito. Mas, em boa verdade, a coligação tripartida tem exatamente o mesmo número de deputados de que dispunha na legislatura anterior, os mesmos 26, agora distribuídos de forma diferente e com o CDS e o PPM a perderem terreno no contexto parlamentar o que, ainda assim, não foi suficiente para o PSD abdicar da presença do CDS e do PPM no novo elenco governativo. 

A ânsia do poder tem razões que a razão desconhece. Já não refiro a ética pois essa há muito que anda arredada da política regional, vale tudo, a qualquer preço, desde que se garanta um lugar à mesa onde se distribuem influências e se satisfazem egos políticos. (...)


sábado, 2 de março de 2024

alguns dados sobre os 16 anos do "momentos"

Aníbal C. Pires 
Em dia de aniversário deixo alguns dados sobre o “momentos”

Nestes 16 anos foram divulgadas 2774 publicações, registaram-se 919590 visualizações e 824 comentários às postagens.

Seguem o blogue 56 pessoas.

As visualizações têm origem, um pouco, por todo o mundo. Sendo que os países que acumulam mais visitantes são:

- Portugal;

- Estados Unidos; e 

- Brasil,

Esta aventura vai continuar. Sei que os blogues passaram de moda, mas mantenho-me por aqui enquanto tiver alguma coisa para partilhar para lá dos 140 carateres e da efemeridade das “redes sociais” mais populares, das quais também faço uso.

Agradeço a todos os visitantes que aqui vêm com frequência, mas também aos que “picam” pontualmente este espaço.

Bem hajam!


16.º aniversário do "momentos"

O “momentos” completa hoje dezasseis anos e o autor pretende prolongar-lhe a existência. 

Com o advento de outras plataformas de comunicação e interação para partilha de textos, imagens e vídeos os blogues perderam alguma importância. Muitos entusiastas e até alguns dos pioneiros abandonaram a blogosfera, eu optei por manter este espaço e aproveitei as caraterísticas de outras plataformas, como o Facebook e o Twitter (X), para potenciar o “momentos”. 

Vou continuar por aqui.

Sejam bem-vindos. 


sexta-feira, 1 de março de 2024

Amira Al-Assouli - a abrir março

Amira Al-Assouli - imagem retirada da internet

Amira Al-Assouli, médica no Hospital Nasser em Gaza, arriscou a vida para socorrer pessoas em Khan Younis com a sua equipa, debaixo do fogo israelita. Perdeu familiares, amigos e a casa, mas continua o seu trabalho em Gaza, Palestina.

Lindas são as mulheres que lutam.

Os olhos do civilizado mundo “ocidental” fecham-se agora, como se fecharam em 1948, perante as atrocidades dos sionistas que ocupam a Palestina.

Até quando vamos continuar a permitir este genocídio!? Só não ouve e não vê quem não quer.

 



"Vemos, ouvimos e lemos

Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos

Não podemos ignorar"

 

(...)

"Nada pode apagar

O concerto dos gritos

O nosso tempo é

Pecado organizado."

 

Excertos do poema Cantata da Paz de Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

O cantador

imagem retirada da internet

Há 37 anos morreu o homem. O seu legado poético, musical e político continuou e vai perdurar na memória de todos os que não se submetem às inevitabilidades que provocam injustiça, discriminação, exclusão e pobreza. 

José Afonso foi um resistente e, como todos os resistentes, um vencedor, pois, resistir é vencer. 


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Saúde: má gestão ou estratégia

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A saúde é um bem inestimável. Se há verdades insofismáveis esta será uma delas. A prevenção da doença ou, se preferirmos a promoção da saúde, deveria ser uma prioridade no desenho e na afetação de recursos de qualquer projeto político para os serviços públicos de saúde.

A realidade é, contudo, bem diferente dos anúncios feitos circunstancialmente por quem exerce o poder, na região e no país. Os utentes dos hospitais e dos centros de saúde públicos identificam e denunciam de amiúde as dificuldades no acesso, em tempo útil, e na qualidade do serviço prestados pelos organismos públicos que prestam cuidados de saúde, sejam eles primários, sejam de outra natureza, reconhecendo que as insuficiências verificadas não se devem aos diferentes profissionais, mas ao modelo organizacional, às prioridades políticas e ao desinvestimento nos serviços públicos. Mas se os utentes manifestam o seu desagrado também os profissionais de saúde pública o fazem, tendo como efeito prático, mais visível, o abandono dos serviços.

A falta de atratividade das carreiras, as baixas remunerações e a insatisfação gerada com a imposição de objetivos de produtividade definidos por critérios economicistas e administrativos traduzem-se na migração dos diferentes técnicos de saúde para o setor privado, ou mesmo para o estrangeiro.

Ao fazer uma pesquisa sobre a taxa de cobertura da medicina familiar no Serviço Regional de Saúde deparamo-nos com taxas elevadas, nunca abaixo dos 90%, sendo que algumas das parcelas territoriais da região têm uma taxa de cobertura plena, por outro lado, verificamos que houve algum aumento na afetação técnicos para as equipas multidisciplinares de saúde familiar, em particular de médicos e enfermeiros, sendo que outras valências, como seja a nutrição ou a psicologia clínica, estão muito aquém do desejável.

imagem retirada da internet

A cobertura da quase totalidade da população açoriana pela medicina familiar pública resulta da dimensão das listas de utentes por médico/equipa e não pelo, insuficiente, aumento do pessoal médico e técnico que integram as equipas de saúde familiar, conquanto seja um facto que há mais técnicos de saúde primária afetos aos cuidados primários de saúde, mas não é menos verdade que as listas por médico/equipa cresceram muito mais. O resultado destas políticas reflete-se, em particular nas ilhas com maior dimensão populacional, como se constata na diminuição da qualidade do serviço: menos tempo por doente, diminuição da frequência das consultas, ou seja, distanciamento quando o que se pretende é proximidade e disponibilidade para cumprir com o desiderato da medicina familiar: a prevenção e a manutenção da saúde.

A relação utente médico/equipa degrada-se e, naturalmente, gera insatisfação nos utentes e nos profissionais de saúde, os primeiros pelo sentimento de abandono e distanciamento e os segundos por não conseguirem desenvolver cabalmente o seu trabalho. Pode parecer uma questão de somenos importância, mas se atentarmos, por exemplo, ao que a Ordem dos Médicos diz, por via do Colégio da Especialidade de Medicina Geral e Familiar, constamos que os serviços públicos de cuidados de saúde primários na região, nas ilhas e concelhos mais populosos, estão muito longe de cumprirem as funções que lhe são atribuídas. Este incumprimento não resulta da inércia ou incúria dos profissionais médicos e outros técnicos afetos às equipas, mas do elevado número de utentes que servem e do trabalho administrativo a que os sujeitam, tudo em nome de uma suposta produtividade.

Vejamos então o que diz a Ordem dos Médicos sobre esta importante especialidade: “A Medicina Geral e Familiar é uma especialidade médica que promove cuidados de saúde a todos os que procuram o médico de família, independentemente da idade, género, etnia ou estado de saúde, de forma personalizada (a cada um o que precisa), global (abarcando todos os problemas de saúde), acessível (está junto das pessoas) e em continuidade (ao longo do tempo).

A Medicina Geral e Familiar assenta no modelo biopsicossocial, que inclui os dados da pessoa, o seu passado, a sua estrutura familiar e o contexto da sua comunidade, e entende que a interação com a pessoa pode ser, por si só, terapêutica.

O médico de família cuida da pessoa, em termos de prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos. A Medicina Geral e Familiar trabalha em conjunto com outros profissionais, médicos e não médicos, promovendo a coordenação dos cuidados de saúde prestados, através da articulação entre os seus diferentes níveis.”

Não poderia estar mais de acordo e assim deveriam funcionar os serviços públicos de medicina familiar, mormente, no que concerne ao pessoal médico. A pergunta é: As equipas de medicina geral e familiar do seu Centro de Saúde funcionam assim!? A minha resposta é: - Não. E a sua qual é!?

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A minha resposta revela insatisfação pelo serviço. O meu descontentamento não é motivado pelos profissionais (administrativos, técnicos, enfermeiros e pessoal médico), mas por não serem respeitados os requisitos organizacionais para que as equipas possam cumprir os propósitos que lhe estão atribuídos. Distanciamento quando devia haver proximidade, um olhar parcial sobre o utente quando devia ser holístico, descontínuo e distante quando devia ser regular e próximo.

Já referi a migração do pessoal técnico, de enfermagem e médico, para o setor privado, mas também os utentes, detentores de seguros ou de subsistemas de saúde que têm acordos com as empresas privadas que prestam serviços de saúde, recorrem aos serviços de saúde particulares, quem os não tem procura nos hospitais públicos a assistência médica que não lhe é fornecida entupindo os serviços de atendimento permanente, ou madrugando para conseguir uma consulta, não agendada, no Centro de Saúde sem garantia de vir a ser atendido pelo seu médico de família.

Se este fenómeno é fruto do acaso ou da má gestão da coisa pública, assim pode parecer, mas eu diria que não, embora a administração e a gestão do setor público sejam, por vezes, vítimas da incompetência de alguns gestores e administradores cuja capacidade, apesar de diplomados, só é validada pela opção partidária do momento.

A destruição do Serviços Regional e Nacional de Saúde também se faz por via da insatisfação dos utentes e, nada disto acontece por acaso, a finalidade é cada vez mais clara: abrir espaço à atividade privada e, como percecionamos, a estratégia está a dar os seus frutos. A proliferação de clínicas e policlínicas privadas nos Açores, em particular nas ilhas com maior dimensão populacional, mais parece a reprodução de cogumelos nas primeiras chuvas do outono. Todas elas instaladas com os programas de apoio público às empresas e o seu funcionamento só é rentável por via dos protocolos com os serviços públicos de saúde, ou seja, os sistemas privados alimentam-se com o financiamento público que deveria ser investido nos Serviços Regional e Nacional de Saúde.

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Os cuidados de saúde primários têm como principais pilares a relação médico utente (personalização), a construção da história clínica do utente e familiares (um olhar holístico), a proximidade (acessível pelo utente) e o acompanhamento ao longo do tempo (continuidade). Não é difícil constatar que nenhum destes pilares tem sustentação face às longas listas de utentes por médico/equipa, ou seja, a estrutura de saúde que tem como missão prevenir e manter a saúde está a degradar-se, os custos dessa deterioração são elevados, pois, o tratamento da doença é sempre mais alto do que a manutenção da saúde, por outro lado o negócio das clínicas e hospitais privados e das farmacêuticas é a doença não é a saúde. As políticas públicas, na região e no país, têm ido ao encontro dos interesses privados e das farmacêuticas, mas não tem de ser assim. Como já referi o caminho que estamos a trilhar é fruto de opções políticas de quem tem exercido o poder na região e no país. A opção tem sido deixar degradar os serviços públicos para abrir espaço às empresas privadas e alocar o financiamento, que deveria ser para os serviços públicos, no setor privado. 

 Arranhó, 20 de fevereiro de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 21 de fevereiro de 2024