domingo, 31 de janeiro de 2021

doentes covid 19 emigram para a Áustria

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A pandemia não justifica tudo.

O continuado desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde, as políticas de saúde que foram abrindo caminho e financiamento público ao setor privado, a falta de recursos humanos no setor da saúde (as razões deste défice é conhecida e tem responsáveis), estão na origem de manchetes com esta:




Áustria vai receber doentes portugueses de covid-19

Que país é este!?

Agora até os doentes são forçados a emigrar.


terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Parabéns Angela Davis

 

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Hoje, 26/01, Angela Davis celebra 77 anos. 


Parabéns à mulher e à comunista cuja vida e obra são um importante património de luta.

Ângela Davis continua a ser uma referência incontornável na luta das mulheres numa perspetiva marxista.




Da sua bibliografia, destaco:

- Mulher, raça e classe;

- A liberdade é uma luta constante; e

- Autobiografia.


da coragem ou da falta dela

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(continuação)

Na publicação anterior procurei realçar a importância da desagregação dos dados sobre a propagação do vírus (SARS-CoV2), e o desenvolvimento da infeção viral (Covid19), ou seja, a doença.

Segunda a norma 020/2020, de 9 de Novembro, da DGS, não se estabelece diferença entre casos confirmados e casos que desenvolveram a infeção viral (a doença), ou seja, tal como eu suspeitava não existe desagregação e, como sabemos, uma e outra coisa não significam o mesmo. Percebo o objetivo das autoridades de saúde e o seu alcance, mas seria igualmente importante que essa informação fosse objeto de registo e de divulgação pública, mas assim o não entendem as autoridades de saúde.

Quando nos informam do total de casos confirmados o que nos estão a dizer é o número de pessoas que são portadoras do vírus SARS-CoV-2 e não o número de pessoas doentes com a Covid-19.

É sabido que ser positivo (ter SARS-CoV-2) e desenvolver a infeção viral (ter Covid 19), não é a mesma coisa, e isso importa.

Importa, salvo melhor opinião, que os dados sejam desagregados, desde logo, como informação para a opinião pública pois, a leitura é diversa, por outro lado sem a desagregação desses dados não é possível uma atuação rigorosa, quer ao nível das medidas de prevenção (primárias) quer ao nível da afetação e adequação dos meios dos serviços públicos de saúde no tratamento da doença e na resolução deste grave problema de saúde pública que nos afeta a todos.

A atuação dos governos (regional e nacional) tem-se centrado, no essencial, na implementação de medidas preventivas e pouco, muito pouco, no reforço (investimento) do serviço público de saúde.

Não é admissível, só o clima de medo justifica a aceitação popular, que passados 10 meses sobre a primeira vaga e, por consequência, o confinamento, a que se seguiu um período de relativa acalmia, que a Região e o Estado nada, ou pouco, tivessem feito para preparar os serviços públicos de saúde para as vagas epidêmicas que se seguiriam e se esteja à beira da rutura, não só em relação aos doentes Covid 19, mas também a todas as outras patologias, algumas delas com taxas de letalidade a aumentar.

A Região e os Estado, leia-se o Governo Regional e o Governo da República, impuseram, de novo, restrições. Sei que são necessárias e não quero, de forma alguma, colocar essas medidas em causa, mas face ao tempo que passou e à existência de vacinas seria de esperar que as respostas fossem além do confinamento e da limitação à atividade económica e cultural.

A vacinação da população açoriana tendo sido iniciada está longe de se concluir. Não compreendo que não tenham sido tomadas medidas (aquisição de vacinas) para imunizar a população açoriana. Face à nossa dimensão, natureza arquipelágica e às exigências para viajar para os Açores a vacinação massiva permitiria, com segurança, o regresso à normalidade, ainda que, cumprindo estritamente as regras de proteção individual e coletiva.

Se isto fosse feito beneficiavam todos os setores da economia regional e o investimento inicial (aquisição de vacinas) ficaria diluído no tempo pois, a pressão sobre o serviço público de saúde, naturalmente, diminuiria.

São opções políticas para as quais é preciso ter coragem, e coragem não é um atributo deste caldo político que dá suporte ao XIII Governo Regional.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 26 de janeiro de 2021


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A comunicação oficial sobre a Covid19 – ser positivo (ter SARS-CoV2) e estar doente (ter Covid19). É a mesma coisa!?

O vírus SARS-CoV2 propaga-se com alguma facilidade, o vírus provoca a doença Covid19, a taxa de letalidade por Covid19 é preocupante, existe o perigo real dos serviços públicos de saúde poderem entrar em rutura no tratamento da doença induzida pelo vírus SARS-CoV2 e, ainda, decorrente do grave problema de saúde pública que estamos a enfrentar, a diminuição da capacidade de resposta dos serviços públicos de saúde a outras patologias, crónicas ou não. Morre-se mais em Portugal devido à Covid19, mas não só.

Nada do que acima ficou dito é suscetível de contestação. Este texto não pretende mais do que levantar algumas questões para reflexão de todos, para colocar algumas dúvidas sobre a informação veiculada oficialmente sobre a doença Covid19 e, também, para refletir sobre o que tem sido feito, o que não tem sido e o que, digo eu, deveria ser feito.

Antes de iniciar este escrito consultei o site onde o governo regional dos Açores disponibiliza os dados da evolução do surto pandémico na Região.

Casos confirmados – 3291; casos ativos – 643; casos recuperados – 2526; óbitos - 23 (dados de 21 de janeiro de 2021).

Ao tentar perceber estes dados levantam-se algumas dúvidas, vejamos:

- os casos confirmados são casos de positivos aos SARS-CoV2;

- os casos recuperados são evoluções de positivo para negativo (tinha e deixou de ter (SARS-CoV2);

- os casos ativos mantêm-se positivos para o SARS-CoV2;

E as dúvidas residem no seguinte: quantos são os casos com Covid19 (a infeção viral) e qual a evolução!? Em relação à Covid19 apenas sabemos dos óbitos (23).

Na informação disponibilizada sabemos quem é portador do vírus, mas não sabemos quem desenvolveu a doença pois, como é sabido, pode-se ser portador do SARS-CoV2 (estar infetado) e não ter a doença Covid19 (não desenvolver a infeção viral). 

Não sabemos, pelos dados que nos são facultados, quantos dos 643 casos ativos têm a doença Covid19, assim como não sabemos quantos dos 2526 recuperados foram diagnosticados com Covid19. Vírus tinham todos, mas nem todos sofreram da doença Covid19.

Pode parecer que não tem grande importância ou até um preciosismo, mas as leituras são diferentes e, sobretudo, mais rigorosas e menos alarmistas. Os dados da propagação do vírus são importantes para os estudos epidemiológicos, mas para se perceber e relativizar são necessários os dados da doença. 

Que a comunicação social não questione, eu percebo.

Que os cidadãos o não façam, já não entendo.

(continua)

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 21 de janeiro de 2021


quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

retrocesso

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Secretária Regional da Educação apresenta proposta para contratação de 230 docentes na Região. Este é o título da comunicação oficial do Governo Regional.

A iniciativa visa, segundo a comunicação de Sofia Ribeiro, integrar os professores sucessivamente contratados no quadro regional, “já no próximo ano letivo”.

Ao ler as primeiras linhas alguns educadores e professores podem até ter ficado animados. Finalmente, terão pensado alguns dos docentes, há um governo disponível para resolver o drama dos professores contratados nos Açores.

Pela forma como foi divulgada a iniciativa dir-se-ia que vinham aí boas notícias para os educadores e professores que têm vindo a ser sucessivamente contratados ou, pelo menos, para 230 desses docentes.

Ao ler a notícia fiquei moderadamente satisfeito. Se por um lado a perspetiva de entrada para os quadros de 230 educadores e professores (já no próximo ano escolar) merece o meu apoio, por outro lado estranhei que, para isso, fosse necessário fazer alterações ao regulamento do concurso.

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Divulgada que está a proposta de Sofia Ribeiro verifica-se que a iniciativa vem subverter as mais elementares regras concursais. A graduação profissional vai ser, uma vez mais, preterida por uma norma administrativa, ou seja, esta alteração tem destinatários. E são esses educadores e professores (menos de 230) que irão ver satisfeitas as suas expetativas, os outros, bem os outros terão de aguardar por melhores dias. Mas Sofia Ribeiro não se fica por aqui, a proposta cria um quadro regional para acolher os 230 professores que reúnam a seguinte condição:

- contratados por 3 anos consecutivos no mesmo grupo de recrutamento.

Os educadores e professores que chegaram até aqui, ou que já leram a proposta da Secretaria Regional da Educação(SRE) já não estarão tão animados.

Pois é! O quadro não é de unidade orgânica, é um quadro regional (Açores) e, ainda assim, só para quem nos últimos 3 anos foi contratado no mesmo grupo de recrutamento.

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O processo negocial com os sindicatos está aberto. A negociação, dependendo da força que os professores derem aos sindicatos, poderá vir a alterar as subversões Sofia Ribeiro pretende introduzir no regulamento do concurso do pessoal docente.

Esta proposta da SRE é uma habilidade de propaganda política. A integração dos docentes contratados nos quadros das unidades orgânicas pode, e deve, ser feita ao abrigo do atual regulamento de concursos. A proposta apresentada representa um retrocesso no modelo de concursos de pessoal docente na Região Autónoma dos Açores.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 20 de janeiro de 2021


quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

nada de novo em Sant’Ana

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A Região, tal como o País e o Mundo, está a enfrentar um grave problema de saúde pública. A forma como regiões e países se posicionam no combate aos contágios e à doença provocada pelo Sars-Cov2, tendo aspetos que são comuns, é diferenciada. Não vou tecer quaisquer considerações sobre as diferentes estratégias de mitigação do contágio, e das respostas à necessidade de hospitalização e tratamento dos doentes de Covid19.

O que motivou este escrito foi a comunicação do Presidente do Governo Regional, Dr. José Manuel Bolieiro, sobre o reforço das medidas já em vigor.

A minha expetativa era alta, temos uma Autoridade Regional de Saúde independente e uma Comissão Especial de Acompanhamento da Luta Contra a Pandemia por Covid 19 (CEALCPC), também ela independente, um novo Diretor Regional de Saúde e um novo Secretário Regional a tutelar a administração da Saúde na Região, e têm-nos dito que nada vai ser igual ao passado próximo.

A comunicação do Presidente do Governo defraudou as minhas expetativas. Não foi tanto a confusão comunicacional, a isso já vou estando habituado, foi a ausência de novas e imperativas medidas. Sim novas medidas. O que foi anunciado foi apenas o reforço e adequação das que já estão em vigor, ou seja, mais restrições, mais proibições e mais fiscalização, esta última será, quiçá, a mais importante do reforçado pacote de medidas preventivas. As outras destinam-se a apoiar famílias, trabalhadores e empresas. Vou acreditar que sim.

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Face à evolução científica (a vacina) e à superestrutura montada para responder às exigências deste grave problema de saúde pública, sim estou a referir-me à independente Autoridade Regional de Saúde e à CEALCPC que funcionam no âmbito da Direção Regional de Saúde e do membro do governo que tutela a saúde, esperava mais. Esperava algo novo pois, foi essa a expetativa que foi criada. Mas não, tudo se resume a mais do mesmo, quer as medidas de prevenção dos contágios e, por conseguinte, do aumento da doença, quer as medidas de apoio social e empresarial.

O que é que eu esperava!? Pois bem. Esperava o anúncio da vacinação da generalidade da população, ou pelo menos a sua calendarização, esperava o anúncio do reforço dos meios do Serviço Regional de Saúde, esperava a adequação das infraestruturas de saúde pública para evitar situações de rutura na prestação de cuidados diferenciados de saúde.

Tratando-se de um problema de saúde pública com a gravidade deste, e passado que está quase um ano sobre o seu início, com alguns meses de acalmia e a disponibilização de vacinas, era legítimo esperar mais do que foi anunciado.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 13 de janeiro de 2021


terça-feira, 12 de janeiro de 2021

falência da falácia

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No dia 7 de Dezembro escrevi e publiquei no meu blogue algumas notas soltas sobre a proposta de programa do XIII Governo Regional. Uma das questões que então abordei foi a proposta de retirar da Direção Regional de Saúde as competências da Autoridade Regional de Saúde. 

A justificação dada pelo XIII Governo Regional colheu apoio na opinião pública, afinal tratava-se de “despolitizar” um organismo que deve cingir a sua ação apenas às questões científicas e técnicas e, como tal, a generalidade da população aceita bem e, até aplaude. Engano de quem se deixa embalar por estas medidas, aparentemente, tomadas em nome do rigor e da independência, mas que mais não visam do que a desresponsabilização política. 

Esta decisão peregrina do XIII Governo Regional, como alertei, não passa de uma falácia. O tempo veio demonstrar que a Autoridade de Saúde e a Comissão de Acompanhamento só têm servido para aliviar a pressão política sobre a Direção Regional e a Secretaria Regional da Saúde ou, se preferirem, sobre o Governo Regional e o seu Presidente.

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A gestão da informação sobre a evolução da infeção pelo vírus Sars-Cov-2 e a doença Covid19 tem sido feita pela Autoridade Regional de Saúde à qual, naturalmente, não se pedem responsabilidades políticas. Enquanto isto o Presidente do Governo Regional mantém-se em estado de graça.

A crescente e descontrolada vaga de novas infeções fica a dever-se incumprimento das medidas preventivas adotadas e à deficiente fiscalização, ou seja, a responsabilidade é política, não é da Autoridade Regional de Saúde que nada decide, é do Governo Regional que tem a responsabilidade de politicamente decidir e executar.

Face aos dados que têm sido disponibilizados pela Autoridade Regional de Saúde a atual situação exige a tomada de novas medidas que visem a contenção das infeções. As medidas que vierem a ser anunciadas devem ter em conta a situação de cada freguesia, concelho e ilha e não podem, nem devem, generalizar-se a medidas restritivas que se assemelhem a um novo confinamento geral.

O Presidente do Governo Regional vai dar um ar da sua graça e aparecer publicamente (amanhã 13 de janeiro) para anunciar novas medidas para a contenção da atual vaga de infeções. A ausência de José Manuel Bolieiro já não era politicamente sustentável e a estratégia de remeter a pressão para a “independente” Autoridade Regional de Saúde está a esgotar-se. A falácia está em falência.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 12 de janeiro de 2021


sábado, 9 de janeiro de 2021

Segredo da Visita Régia aos Açores, de Henrique Levy


Texto que serviu de base à apresentação do livro:

SEGREDO DA VISITA RÉGIA AOS AÇORES, Henrique Levy(*), Plátano Editora, 2020“

20h Açores, 21 h Lisboa, de 7 de janeiro de 2021 

live streaming no Facebook e no Youtube da Plátano Editora

Quero, antes de mais, agradecer ao Henrique Levy o convite para fazer a apresentação pública do seu mais recente romance, Segredo da Visita Régia aos Açores. Agradeço, também, à Plátano Editora que nos proporciona a plataforma virtual para esta informal troca de impressões. Não será uma apresentação nos moldes habituais, os tempos ditam que nos adaptemos e, como tal, também o formato desta apresentação será adequada ao suporte de comunicação que estamos a utilizar.

Agradeço e desejo que estes momentos sejam do agrado de quem acompanha este live streaming. Espero que não deem o vosso tempo por mal empregue e, sobretudo, que esta conversa possa vir a despertar interesse na leitura deste novo livro de Henrique Levy e, quiçá por toda a sua obra literária.

Ainda antes de deixar algumas notas sobre o Segredo da Visita Régia aos Açores quero deixar uma declaração de princípio: Não sou um especialista em literatura, sou tão-somente um leitor, nada mais do que um leitor que, de vez em quando, torna pública a sua opinião sobre alguns dos livros que lê. Dito isto, não esperem uma análise de critica literária, o que por mim ficar dito é apenas a opinião de um cidadão que gosta de ler e que acompanha a atividade editorial nacional, em particular o que se vai fazendo, e não é pouco, nos Açores. Entenda-se a atividade editorial dos autores açorianos, como é o caso do Henrique Levy.

O Segredo da Visita Régia aos Açores é uma narrativa minuciosa e aliciante que retrata um tempo histórico atribulado, o limiar do século XX português, visto pelo olhar de uma jovem mulher que, por via do seu casamento com um par do reino integra a comitiva régia na visita à Madeira e aos Açores.

O novo romance de Henrique Levy tem, uma vez mais, uma mulher como narradora, mas também como figura central desta estória.

O Henrique pelas “palavras” desta mulher, de quem nem sequer viremos a saber o nome, brinda-nos com uma prosa elegante, mas plena de intenção. Pode constatar-se ao longo do livro, mas deixo esta citação (pp 30 e 31) para ilustrar o que acabo de dizer: “(…) Nunca, como naquele dia, havia reparado na quantidade de crianças subnutridas que proliferavam pela cidade, nos velhos miseráveis sentados de mão estendida nas esquinas das ruas, nas jovens varinas descalças com um rancho de filhos ranhosos à cintura, nos rostos esfaimados dos explorados operários, nos tisnados vendedores de carvão e limpa-chaminés, nas carroças de ciganos, no chiar dos choras puxados por mulas esquálidas. (…)”, ou ainda, “(…) Nesta cidade, que se diz capital de um império, nem todos têm água canalizada, obrigando-se muitos a mergulhar no tejo para o banho semanal. Está imunda. As doenças proliferam, e são poucos os cuidados de saúde com os mais pobres, os excluídos pela sociedade na qual me incluo em lugar cimeiro. Este pensamento envergonhou-me como mulher e portuguesa. Durante algum tempo tentei afastá-lo, arrumá-lo escondido num lugar que não afetasse o meu quotidiano burguês. (…)”, ou seja, o autor, não se circunscreve aos salões da aristocracia e vem para a rua para nos dar conta de uma outra realidade. Realidade que envergonhou a narradora. Realidade que não sendo central no desenrolar da estória e, como tal, dispensável, o autor quis dar-lhe visibilidade, ou seja, é o autor a dar um propósito à sua prosa.

Neste romance Henrique Levy continua a brindar-nos com uma prosa meticulosa, aliciante e envolvente onde o papel da mulher é valorizado, ainda que a narrativa se refira a um tempo histórico em que o papel da mulher era secundarizado e as mulheres estavam desprovidas de direitos cívicos e políticos. O pai da narradora, um proprietário agrícola do Alentejo, traduz bem o pensamento dominante à época, quando se dirige às filhas, a propósito da sua formação e instrução, nestes termos: “(…) Uma casa de mulheres instruídas é pior que uma república! (…)”. 

Um dos momentos mais desafiantes desta meticulosa narrativa será a profunda e filosófica reflexão da mulher que regressa sozinha a Lisboa depois do drama que se abateu sobre ela em Ponta Delgada. E da qual vos deixo estas passagens: “(…) Sou mulher, esta condição toca as asserções de várias fantasias e certezas, aos homens incompreensíveis. Nós distinguimo-nos pela constância dos sentimentos. Pelo surgimento de realidades míticas próprias. Pela turbulência a regular desejos calados, aniquilados pela sociedade masculina que nos disciplina atitudes, pensamentos e forma de amar. (…), ou ainda: “(…) Desde jovem apercebi-me do poder que a sociedade conferiu ao homem e da vida subjugada das mulheres. Não fomos nós, mulheres, quem forjou esse poder Ele tem vindo a ser-nos imposto, sem deixar expressar outras vontades. Os homens parecem estar tão inseguros do seu poder que temem a vida em plenitude de uma mulher sem homem. Para mim, por nada ter que me oponha ao masculino, essa é a maior de todas as virtudes (…)”. 

São assim as mulheres de Henrique Levy: fortes, determinadas, esclarecidas e independentes, sem que essas qualidades femininas, tal como ficou dito pela narradora desta estória, se constituam com base numa opção de ordem sexual.

Este romance, como todos os romances do autor, não deixa de aflorar a sexualidade e o erotismo. Veja-se logo na pp 8, “(…) Esse jovem mancebo, moço de estrebaria, era mais atraente do que um precipício numa tarde de vertigens. (…)”. Sem vulgarizar nem chocar as almas mais suscetíveis, Henrique Levy descreve algumas cenas da intimidade da narradora com a mestria que nos tem vindo a habituar, veja-se a pp 45: “(…) Vem, senta-te na cama, afasta as pernas. Ordenei, enquanto lhe despia as calças. Ignorava se conseguiria realizar o que alvitrara. Acrescentando com voz meiga. Verás que observar as estrelas no firmamento não será comparável à viagem que te proponho inaugurar. Prometi. (…)”

A prosa literária de Henrique Levy é surpreendentemente provocadora e a sua leitura um prazer indizível.

Quanto ao segredo que dá mote ao romance, por respeito aos potenciais leitores, não será por mim desvendado.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 7 de janeiro de 2021


(*) Henrique Levy

Poeta e romancista, é portador de uma identidade com várias pertenças. Cidadão português, nascido em Lisboa, com nacionalidade cabo-verdiana. Viveu em diversos países da Europa, Ásia, África e América. Reside, por opção, na ilha de S. Miguel. É autor de três romances, Cisne de África (2009), Praia Lisboa (2010), Maria Bettencourt – Diários de Uma Mulher Singular (2019), e de seis livros de poesia, Mãos Navegadas (1999), Intensidades (2001), O silêncio das almas (2015), Noivos do Mar (2017), O Rapaz de Lilás (2018), Sensinatos (2019). Editou em coautoria com Ângela Almeida, em 2020, o livro de poemas Estado de Emergência. Editou e anotou A Sibylla – Versos Philosophicos, 2020, de Mariana Belmira de Andrade, cuja primeira edição data de 1884.

Tem vários poemas dispersos por diferentes Antologias, sendo, também coordenador da editora açoriana Nona Poesia.


sábado, 2 de janeiro de 2021

Rosa Luxemburgo - a abrir Janeiro



Bonitas são as mulheres que lutam.

A abrir o ano de 2021 trago-vos Rosa Luxemburgo.




"Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres."

Rosa Luxemburgo