quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

palavras leva-as o vento

imagem retirada da internet
Amizade, confiança, seriedade, liberal. Não são palavras vãs, mas há quem as vulgarize retirando-lhes os atributos que lhes estão inerentes.

Amizade, confiança, seriedade, liberal. Não são apenas palavras, são conceitos significantes cujo valor só é real se for reconhecido pelo “outro”, e não se for imposto, isto é, não basta afirmá-lo repetidamente, para que se transforme numa verdade, conquanto a publicidade e a propaganda política se sirvam destas e de outras palavras para vender um produto, ou convencer eleitores. O imediatismo e o mediatismo, a par da generalização da estupidificação, assim o permitem.

Raros são, os consumidores e eleitores que leem os rótulos, com a composição dos produtos que adquirem, ou os programas eleitorais que, mais do que os protagonistas e as palavras de circunstância, servirão de justificação para as opções políticas das quais, mais tarde, constataremos que, afinal, são contrárias aos interesses da generalidade da população. Veja-se o caso recente da eleição de Javier Milei para a presidência da Argentina e as manifestações populares que, passadas poucas semanas da eleição, aconteceram para contrariar um pacote de medidas neoliberais que Milei quer implementar. Em Portugal exemplos, como o da Argentina, são diversos, todos estaremos lembrados, e têm acontecido com os protagonistas do costume. Aconteceu com governos do PS, aconteceu com governos do PSD, e sempre, sempre, com a cumplicidade ativa do CDS.

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A escassez de tempo, dizem, obriga à síntese e tudo se reduz à imagem, às pequenas frases impactantes (sound bites) e à superficialidade. A invenção das frases impactantes foi de alguns agentes políticos à qual os jornalistas não resistiram a citar. Fiquemos a aguardar (talvez sentados) pelo regresso do jornalismo analítico e imparcial para que as nossas opções possam ser ancoradas em ideias, debates e conhecimentos, e não na cor dos olhos dos candidatos, ou na sua habilidade para produzir frases impactantes que podem soar bem, mas são ocas quanto ao conteúdo, e, bastas vezes, contrárias ao próprio projeto político grafado nos seus programas eleitorais.

Amizade, confiança, seriedade, liberal. São algumas das palavras que, recentemente, inundaram o espaço público regional e por aí se vão manter até ao dia 4 de fevereiro. Nas ruas, praças, avenidas e rotundas a propaganda partidária estática dá-nos conta do presidente amigo, ou de confiança, ou mesmo amigo e de confiança, levar a sério (agora é que é), políticos e políticas sérios, e, ainda, nem de esquerda nem de direita, a opção é liberal. Estes são apenas alguns exemplos de outros, mas são significantes, direi eu, para esta reflexão.

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A IL desde a sua génese utiliza uma propaganda enganosa, pois, ser liberal é um conceito que, por si só, diz muito pouco. Podemos ser liberais nos costumes, mas politicamente situarmo-nos nos antípodas do liberalismo económico, por outro lado ser liberal nos Estados Unidos é ser da “esquerda fofinha”, em Portugal, na Argentina e outras democracias liberais, ser liberal é ser da direita mais à direita do espetro partidário, ou seja, os potenciais eleitores da IL, se concretizarem a sua intenção de voto neste grupo político, irão votar à direita e na destruição do pouco que vai restando do Estado Social.

Levar os Açores a sério. Sempre! Porquê só agora!? O BE anda a flutuar em águas turvas e sem memória. Ou será que a seriedade não é uma qualidade intrínseca deste agrupamento político social-democrata e, se tem entretido com coisas sérias.

Interessante é o lema do JPP. Política séria! Para quem tem vindo a saltitar de formação em formação partidária sempre com o propósito de se servir, bem poderia ter encontrado outro lema. Como diz o povo “não bate a bota com a perdigota”. Mas, estou certo disso, alguns eleitores irão inocentemente, outros nem tanto, dar o voto ao “saltitões”.

Confiança é a breve mensagem política do PS e da coligação PSD, CDS e PPM. Não será por acaso que estes partidos, responsáveis pela governação e pelos resultados que dela decorrem e que nos mantêm na cauda da União Europeia, nada mais têm para dizer ao povo açoriano. 

A confiança conquista-se, não se impõe, e confiança é coisa que, nem o PS, nem qualquer dos partidos da coligação PSD, CDS e PPM merecem dos eleitores açorianos, talvez por isso juntem à confiança outras palavras, como por exemplo, presidente e num dos casos até amigo, como se estas fossem eleições para uma qualquer presidência de amizades. A personalização, no caso da coligação de direita, é uma vã tentativa para esconder os incómodos parceiros de circunstância que o PSD traz pendurados e dos quais vai ter muitas dificuldades em se libertar, a não ser que os resultados eleitorais lhe sejam desfavoráveis, o que para alguns setores do PSD seria uma bênção.

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Se estavam a pensar que a CDU não seria objeto de apreciação, pensaram mal. O mote da campanha eleitoral da CDU, “Mais CDU, vida melhor”, parte da premissa de que quando a CDU é reforçada eleitoralmente, número de votos e mandatos, a vida dos trabalhadores e das populações melhora e que essa melhoria está diretamente relacionada com a dimensão do apoio eleitoral que for conferido à CDU e à tradução no aumento do número dos eleitos. Ou seja, o voto na CDU é um voto útil, pois, os compromissos eleitorais são honrados, o que é reconhecido por militantes, apoiantes, simpatizantes, mas também pelos adversários políticos. É este património de ação e luta política que o mote “Mais CDU, vida melhor” traduz e que os eleitores, apoiando ou não a CDU, reconhecem. Se o mote eleitoral da CDU poderia ser mais assertivo, admito que sim, embora, no atual contexto e tendo em consideração o passado próximo me pareça adequada e digna. 

As palavras de ordem “Mais CDU, vida melhor”, são complementadas por: Palavra, Dignidade, Confiança. Também a CDU usa a palavra “Confiança”, dirão os leitores mais atentos. Assim é, mas aqui aparece devidamente contextualizada e bem acompanhada. 

É uma opinião parcial! Dirá o leitor. E eu concordarei: - é sim como o são todas as opiniões por mais inócuas que possam parecer e esta nem sequer o pretende ser.

Confiança, seriedade e amizade são palavras com um profundo significado e, convenhamos, não deviam ser usadas para atrair eleitores, se é que os vai arregimentar. Por outro lado, esta superficialidade e leviandade, afasta compreensivelmente, muitos cidadãos da ida às urnas, embora, esta demissão venha a favorecer eleitoralmente quem motivou o seu descrédito.

 

A lógica da opção eleitoral da massa flutuante de eleitores é influenciada pela propaganda partidária, mas não só. Existem outros fatores, quiçá, mais importantes para a construção das escolhas eleitorais, quase sempre ancoradas em motivações subjetivas e, como tal, pouco racionais, aliás, esta será uma das razões, outras existem, com que se pode justificar o crescimento eleitoral de forças políticas de natureza fascizante. Sendo uma opção individual a escolha do apoio eleitoral traduzida num voto é, contudo, fortemente condicionada pela comunicação social e pelas sondagens que criam narrativas indutoras de cenários eleitorais ancorados em falsas premissas, mas que influenciam, por vezes à boca das urnas, o sentido de voto.

"Ia votar em si, mas votei no partido X pois havia o perigo do partido Y ganhar." Perigo que nunca tinha existido, mas que a opinião mediática induziu. 

Ponta Delgada, 23 de janeiro de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 24 de janeiro de 2024

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