quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

da irrelevância

imagem retirada da internet
    A 20 de janeiro de 2025 tomou posse o presidente eleito dos Estados Unidos e, no mesmo dia, tomou decisões, através de ordens executivas, que chocaram os mais incrédulos, como por exemplo a deportação de milhares de imigrantes que viviam e trabalhavam no país sem a sua situação regularizada, embora esta prática não seja uma novidade, ao que sei foi nos mandatos de Barack Obama que mais imigrantes foram deportados, estima-se que tenha atingido o número de 3 milhões de deportações é, contudo, justo que se diga que no segundo mandato a administração Obama tenha produzido algumas alterações nas políticas migratórias, mormente no que concerne à obtenção de vistos, renováveis, de residência e de trabalho, por dois anos, aos que chegaram aos Estados Unidos de forma irregular quando crianças, “Deferred Action for Childhood Arrivals” (DACA). Esta medida, como se percebe, não garantia e cidadania e o seu efeito era, no essencial, uma forma de adiar a deportação por algum tempo (2 anos). A forma como Donald Trump abordou a questão e o circo que montou, para consumo interno, leva à sua condenação imediata por quem ainda possui uma réstia de humanidade, mas quanto aos efeitos práticos eles pouco, ou nada, diferem de outros administradores da Casa Branca no que às políticas migratórias diz respeito e só não mereceram a mesma condenação por não serem divulgados, nos moldes, em que agora foi feito.

    As ordens executivas, para que se entenda um pouco da “democracia” estado-unidense, só podem ser assinadas pelo presidente se decorrerem dos poderes constitucionais que a constituição lhe atribui, ou se tiverem como base leis aprovadas anteriormente pelo Congresso. Ainda assim as ordens executivas podem ser contestadas se o entendimento for de que o presidente ultrapassou essas bases legais, ou os poderes que lhe estão atribuídos, aliás como já se passou com a questão da nacionalidade. Apesar do presidente dos Estados Unidos ter “decretado” o fim do “jus solis”, princípio que consiste na atribuição da nacionalidade de acordo com o lugar do nascimento, ou seja, é cidadão estado-unidense qualquer cidadão nascido em território dos Estados Unidos, mas, como dizia, apesar de Donald Trump ter decretado o fim deste princípio ele foi invalidado tendo por base a 14.ª emenda (1868). O entendimento legal e político nos Estados Unidos é que o fim do “jus solis” só é possível com uma alteração constitucional e, por outro lado, este ato fere o princípio da separação de poderes que, neste caso, é uma competência do Congresso. Embora Donald Trump tenha manifestado a intenção de acabar com o princípio a Constituição e o poder judicial impedem, de facto, qualquer mudança real.

    Pode até parecer que sou um admirador da democracia estado-unidense, o que não é, obviamente, o caso, aliás durante o ano passado e até às eleições que deram a vitória aos republicanos em conversas com alguns amigos era por vezes entendido como um hipotético apoiante de Donald Trump, isto apenas por criticar a administração de Biden/Kamala e afirmar com alguma convicção, não por simpatia política ou outra, que a vitória seria do candidato republicano. A surpresa foi mesmo os republicanos terem vencido tudo. Com este texto estou, de novo, a correr o risco de ter alguns indefetíveis dos democratas estado-unidenses a acusar-me de estar alinhado com teses que abomino, mas que não me cegam e não podem tornar-se assim como uma espécie de autocensura. Por vezes a argumentação, quando nos querem silenciar, é um pouco assim: estás com a causa palestiniana e condenas o estado sionista! Então és antissemita. Queres uma solução pacífica para o conflito russo-ucraniano e condenas a corrida armamentista defendida pela União Europeia! Então és putinista. Críticas as administrações estado-unidenses, designadamente a de Biden/Kamala, no que concerne às suas responsabilidades diretas da guerra contra a Rússia! Então és trumpista. E outros exemplos poderiam ser enunciados, sendo que este tipo de argumentação tem como objetivo catalogar-te e desacreditar-te pois, tens uma opinião diferente daquela que é veiculada pelo mainstream. Enfim!  

    Como já referi noutras ocasiões, gostando-se ou não se gostando do que Donald Trump é e representa, a verdade é que o povo estado-unidense lhe deu a maioria eleitoral e, será o povo dos Estados Unidos que, em primeira mão vai sofrer os efeitos das suas opções políticas internas e externas, mas também serão os estado-unidenses que o apearão do poder e não será necessária nenhuma ingerência externa, como aliás os Estados Unidos costumam fazer quando, pelo mundo fora, as escolhas populares não são do seu agrado, é da história não é do meu mau feitio.

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    Os efeitos da chegada de Donald Trump e dos seus acólitos ao poder vão sentir-se fora das suas fronteiras, ou melhor já se começaram a sentir, desde logo com a deplorável deportação de milhares de cidadãos que foram forçados a regressar e cujos países e origem se viram a braços com uma onda de retornos involuntários. Alguns países, como por exemplo o México e a Venezuela, estruturaram serviços de apoio e acolhimento aos seus cidadãos, outros nem tanto, mas quer uns quer outros foram afetados pela “ordem executiva” do presidente da administração estado-unidense. Também internamente esta decisão do novo administrador da Casa Branca teve efeitos negativos e os empresários estado-unidenses da produção agrícola, da construção civil e da distribuição já mostraram o seu desagrado para os perigos económicos de tais políticas. Sabendo-se da importância dos trabalhadores migrantes na economia dos Estados Unidos é bom de ver que passado o “show off” dirigido a um segmento do seu eleitorado, o Donald vai esquecer-se dos migrantes irregulares se é que existem pessoas ilegais numa terra roubada, mas esse é um outro assunto que, por acaso, até devia merecer mais atenção, mas não será hoje, assim como não haverá qualquer menção, a não ser esta, às ameaças de taxação às importações estado-unidenses que já mereceu respostas de alguns dos visados, ou mesmo o fim da USAID que deixou um sentimento de orfandade por esse mundo fora entre os indefetíveis agentes do atlantismo e da ingerência na política interna dos países que trilham rumos soberanos. 

    Quanto às relações externas e ao folclore da mudança de nome do Golfo, que será sempre do México, ou as declarações dobre o canal do Panamá e a Gronelândia que continuarão a ser o que são. Há, no entanto, um aspeto que tem marcado a agenda política que deixou os dirigentes da União Europeia (UE) em estado de choque. Isso mesmo a questão ucraniana e a normalização das relações entre os Estados Unidos e a Rússia. Pois é! Assim mesmo como acabei de escrever e que já há vários meses se adivinhava e vai acontecer com esta administração, como, mais tarde ou mais cedo, aconteceria com qualquer outra administração estado-unidense depois de terem atingido parcialmente os seus objetivos: destruição da Ucrânia e exigência de pagamento do apoio; e, a submissão da UE e o seu, consequente, empobrecimento. Quanto a outros como seja: fragilizar a China; e fragmentar a Federação Russa, antigo, mas sempre atual propósito do chamado “ocidente”, esses saíram completamente gorados.


    Alguns analistas, não alinhados com a propaganda dos Estados Unidos, do Reino Unido e da OTAN e aqui é justo incluir a UE cujos dirigentes papaguearam o discurso “oficial”, vinham alertando para a derrota militar da Ucrânia e para o fim da sua soberania, mas também para a irrelevância da União Europeia na construção de uma solução de paz, mas sobretudo nos perigos para a sua própria economia. E assim está a acontecer, veja-se a Cimeira de Munique, com os líderes da UE a repetirem o mesmo discurso armamentista e russófobo, mas a colocarem-se em bicos de pés para conseguirem um lugar na futura foto de família onde, como se sabe, os lacaios dificilmente têm lugar. A UE desperdiçou todas as oportunidades de ter um papel mediador no conflito, em conjunto com a China, no silenciamento da destruição do “NordStream 2” e foi cúmplice ativa no incumprimento dos acordos de Minsk. A UE auto anulou-se diplomática, política e economicamente, por conseguinte, deixou de ser relevante. A qualidade dos líderes não eleitos da UE, como por exemplo António Costa, Kaja Kallas e Ursula von der Leyn está à vista e o futuro da UE, tal como a conhecemos, está em perigo. Não pelo perigo russo, mas pela cegueira dos seus dirigentes.  

Ponta Delgada, 18 de fevereiro de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 19 de fevereiro de 2025

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