sábado, 14 de maio de 2011

Catroga e o acessório

Estando ideologicamente nos antípodas de Eduardo Catroga tenho de reconhecer que ele não deixa de ter razão quando, há uns dias atrás, num programa de televisão afirmou que a discussão “política” estava focalizada no acessório. Claro que Catroga não foi feliz na expressão popular que utilizou para caricaturar o debate político promovido pela comunicação social nacional mas isso não lhe retira razão.
Em boa verdade temos assistido à difusão da ideia de que não vale a pena procurar e identificar as causas da grave situação a que chegámos e que levou os principais responsáveis pelo rumo que o país tomou a entregar à intervenção externa do FMI e aos seus parceiros da União Europeia a definição das políticas e futuro do país, por outro lado assistimos a uma continuada ofensiva ideológica que procura responsabilizar as estruturas e funcionamento do sistema democrático pela grave situação económica, financeira e de valores a que chegou país. Há também quem de forma crescente e deliberada promova uma campanha indiscriminada contra a classe política e os partidos políticos considerando que tudo e todos são iguais.
Esta enunciação não é inócua e tem o propósito bem definido de construir a ideia, na opinião pública nacional, de que não há alternativas para o desenvolvimento do país dentro do regime democrático nascido com a Revolução de Abril, alimentando as teses que passam por soluções presidencialistas e a institucionalização do rotativismo alternante, sem alternativa, entre o PS e o PSD coadjuvados, ou não, pelo CDS/PP.
Esta manobra visa a desresponsabilização e ocultação dos protagonistas e a manutenção de uma política que há muito fracassou e com a qual é urgente romper.
No fundo o que se pretende é esconder do povo português é que há opções e políticas responsáveis e há partidos responsáveis PS, PSD e CDS/PP pelo estado a que o Estado chegou e que há um partido, como o PCP que denunciou, combateu, fez e faz propostas alternativas nos mais variados domínios às orientações e políticas dominantes, nomeadamente em relação a três questões essenciais, que estão a influenciar de forma decisiva a evolução negativa da sociedade portuguesa e do agravar dos seus problemas, mormente o da dívida.
Desde logo em relação à política de privatizações e à entrega do mais valioso património público aos grandes grupos económicos e financeiros, nacionais e estrangeiros, e que retirou ao país não apenas as alavancas fundamentais para promoção do desenvolvimento nacional, como com o crescente domínio do capital estrangeiro, permitiu canalizar para outras paragens a esmagadora maioria dos recursos em forma de pagamento de dividendos. A proporção entre o fluxo financeiro que fica no país e se reinveste e o fluxo financeiro que sai do país é abissal.
Posição diferenciada em relação à adesão ao euro, que assume uma particular responsabilidade, quer na perda de competitividade da economia portuguesa na última década, quer no próprio condicionamento do financiamento do Estado, que ficou exclusivamente nas mãos do mercado, já que deixou de emitir moeda.
Diferenciada ainda e de clara oposição ao processo de abandono da produção nacional, de destruição do aparelho produtivo, de desaproveitamento dos recursos e potencialidades nacionais, à dimensão que assumiu este processo com crescente desindustrialização, a paulatina ruína da agricultura e das pescas, provavelmente a mancha mais negra de uma política vinculada e subordinada aos interesses dos grupos económicos e financeiros, de agravamento da exploração de quem trabalha e desprezo pelos problemas da economia real em favor das actividades financeiras e especulativas.
O que Eduardo Catroga gostaria de ver discutido também não seria o que enunciei, até porque o próprio tem muitas responsabilidades no descalabro a que o país chegou, designadamente na criação das malfadadas Parcerias Público Privadas, mas continuo a estar ao seu lado quanto ao princípio, ou seja, o que se tem promovido é a discussão do acessório.
Ponta Delgada, 12 de Maio de 2011

Aníbal C. Pires, In A União, 14 de Maio de 2011, Angra do Heroísmo

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